O "em si" é um mau exemplo?

Por Andrey Lopes de Souza | 13/12/2010 | Educação

O "EM SI" É UM MAU EXEMPLO?

Infelizmente, nós, brasileiros, pouco lemos. Quando o assunto é escrever, o descaso com a escrita é maior ainda. Não temos o hábito de escrever, produzir textos, mas transcrever idéias elaboradas por outras pessoas. Por isso, nosso vocabulário, de certo modo, é pobre, paupérrimo.
Nesse sentido, começo a brincar com as palavras e escrevo o segundo texto informal da minha prática pedagógica de educador. Após o texto "Um mau exemplo", esboço, aqui, algumas palavras sobre uma experiência que tive no Centro Especializado em Aulas Particulares-CEAP Alfa.
Tudo começou numa viagem de cunho cultural que realizamos com nossos alunos do ensino fundamental à cidade de Matias Cardoso. Nessa ocasião, enfocaríamos os aspectos históricos e geográficos da cidade. Como sou professor de história, fiquei responsável por explanar sobre o patrimônio histórico da antiga Morrinhos.
Quando foi divulgado que o destino da viagem seria Matias Cardoso, grande parte dos alunos não recebeu muito bem a notícia. Nesse ínterim, surgiram diversas impressões, como: "Queta, Matias não tem nada, vamos para Manga"; "Matias é o fim do mundo"; "Matias só tem a igreja de interessante".
Mesmo em meio a essa apatia, não nos deixamos contaminar. Nesse sentido, Crislaine, Freidiane, Tiago e eu investimos nessa empreitada.
Então, fui atrás de material para passar para esses alunos uma visão diferente da cidade. Pesquisei em sites da internet como o Google, Wikipédia e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Encontrei alguns artigos, dentre eles, parte de um texto escrito pelo antropólogo Doutor João Batista de Almeida Costa. O material era escasso, mas o tempo que tínhamos com os alunos era grande. Um questionamento foi levantado. Como fazer com que, como poucas informações, alongar uma atividade, de forma a transformá-la em algo divertido, prazeroso e enriquecedor.
Reunimos os alunos à frente da igreja à espera do guia. Como percebemos que a espera poderia ser longa, logo, resolvi dizer algumas palavras. Comecei a falar... "Olha, a partir de agora iremos conhecer uma história muito interessante que pouco conhecemos. Em si, essa é a nossa história. Para quem não sabe, a igreja de Matias em si, segundo a versão defendida por João Batista Costa foi a primeira igreja construída em Minas Gerais. Por isso, em si, foi criado o Projeto Catrumano, para que, Matias, seja simbolicamente, por um dia, a capital mineira. O bandeirante Matias Cardoso, em si, recebeu o direito da bandeira paulista, em si, de ocupar a região do Norte de Minas, região essa que, em si, pertencia a província da Bahia, com objetivo de conter alguns "índios bravos".
Entre uma fala e outra, certo aluno cochichou no meu ouvido: "O que é em si". Não dei muita importância e continuei... "A igreja de Matias, em si, foi construída pelos escravos..."
Esse mesmo aluno chegou até Crislaine e cochichou no seu ouvido: "Oh Cris, o que é em si? É alguma gíria ou palavra daqui de Matias?" A partir daí, iniciou o burburim. "Em si, em si, em si e em si". Até a famosa música da barata recebeu uma versão do em si. "Ele vai dar uma em sizada na barata dela..." Passei a ser chamado de em si. Quando menos esperava, logo, alguém lembrava do em si. Fui alvo de brincadeiras.
Ao final, resolvi avaliar a viagem, mas o em si foi o episódio de longe o mais lembrado. Por isso, comecei a refletir sobre essa expressão. Expressões que colam e acabam por fazer parte do cotidiano das pessoas, são gestadas como o em si, ou seja, de situações inusitadas. Vale lembrar que o em si possui um significado especial, único, que só pode fazer sentido entre os pares. Para outras pessoas, essa pode ser uma brincadeira sem sentido, vazia, mas, para nós, o em si tem um porquê, ou seja, uma história, que apenas os envolvidos entendem a sua profundidade.
O que foi dito até agora é esclarecedor, mas, acredito, poderíamos ir até o mais fundo da questão. Primeiro, por que o em si foi tão repetido? Segundo, por que logo nesse momento? Geralmente, quando falamos ao público cometemos alguns vícios de linguagem. Quem nunca repetiu demasiadamente um "é. Né? A grande questão, dentre outros. A situação se agrava quando temos que falar sobre determinado tema que há poucas informações disponíveis.
Posso dizer, sem titubear, que essa é uma explicação plausível. Conforme dito anteriormente, acerca do tema foi encontrado apenas textos genéricos. O em si foi utilizado, espontaneamente e involuntariamente para tornar poucas informações em algo maior e prazeroso. Mas, o que isso expressa? O em si é expressão do descaso e mau exemplo do poder público e da população em geral, com a cidade de Matias Cardoso. Enquanto esse descaso houver, o em si, ou até mesmo um irmão siamês estará a espreita de um professor que resolver levar os seus alunos a uma visita a Matias Cardoso, sendo que, Tiradentes, Mariana, Ouro Preto e Diamantina, dentre outras cidades, estarão imunes ao "em si".
Para terminar, uma história que acredito não ter fim, pelo menos, se houver, espero que seja diferente do que se percebe hoje. O "em si" ter que se tornar o herói, o grito de denúncia contra o descaso do patrimônio histórico cultural, e não o bandido, o criminoso.

Viva o em si na luta contra esse mau exemplo!
Escrito pelo Professor Mestre Andrey Lopes de Souza