O ego mandou lembranças

Por Rodrigo Dobkowski Mandryk | 01/11/2016 | Crônicas

Após se inchar e deformar, sentindo-se maior que todos, melhor que todos, autossuficiente e todo poderoso, estourou. De tão grande esvaziou-se, mas infelizmente não apercebeu-se do seu tamanho real, caindo agora numa súbita escuridão, numa mesquinha inferioridade.
Poderia ele saber que não era nem maior nem menor? Talvez. Mas sua percepção de si oscilava entre os dois polos, oras digno de toda atenção e de todo o amor do mundo, oras absolutamente desprezível e indigno de qualquer gesto de bondade.
Fato é que um dia, de tão pequeno, subitamente sumiu! Procuraram o ego por todo canto. Estaria ele nas sinapses? Quem sabe na neuroglia... Houve quem dissesse que o ego fosse visceral e que estivesse escondido nas "entranhas", mas inutilmente teorizaram sobre seu paradeiro.
Onde estaria o ego? Aquele que era dotado da volição, da capacidade de decidir e escolher, de sentir e perceber? Teria ele morrido? Teria ele, de fato, explodido? O tempo passou, tão fútil, tão inútil, tão insosso. Essa fantástica unidade de juntas, tendões, músculos, nervos e vasos caminhava e falava, mas o fazia de forma mecânica, sem emoção, sem "coração", apesar de seu sangue circulante. As cores percebidas pela retina trafegavam pelos nervos ópticos, chegavam ao córtex cerebral, mas não havia quem se impressionasse, tudo se traduzia em números, palavras e informação. E a emoção? Foi junto com o ego. As adrenais perceberam que o "frio na barriga" que elas geravam com suas descargas de adrenalina já não eram os mesmo de outrora, agora era um frio paralisante e gélido. O coração notou que seus descompassos e suas alterações de ritmo, parecendo que iria "sair pela boca", já não aconteciam mais. A garganta também percebeu uma mudança: agora havia um nó na sua parte mais baixa. O estômago estranhou que o ácido, outrora inofensivo, agora o queimasse. Muitas foram as mudanças, estranhas... Tudo porque o ego, aquele sujeito por vezes altivo, por vezes tristonho, parecia não habitar mais esse corpo.
Boatos surgiram de que ele fora encontrado, mas em mau estado. Absolutamente esfolado e quebrado, encolhido num canto qualquer. Alguém percebeu que suas infladas eram, nada mais, que tentativas de mostrar que era importante, mas todos apenas o criticavam e condenavam. Quebrou-se, de tanto apanhar. De tanto sentir, machucou-se. Por fim, optou por sumir, por esconder-se e retirou-se. Fora fácil passar por todos em peregrinação, pois quanto mais se afastava mais o corpo comemorava. O ego carregou consigo a consciência das emoções, a graça das cores e sons, o deslumbramento com o nascer do sol, o prazer das ondas batendo nas rochas. As músicas agora eram matemáticas, não mais afetivas. As telas com belas imagens pintadas sobre si não passavam de um amontoado de tinta e pano.
Mas agora havia esperança. O ego mandou lembrança!