O discurso em Leões e cordeiros, filme de Robert Redford.

Por Hanna Santana Barbosa | 30/09/2010 | Educação


As pessoas de um modo geral sofrem coerções sociais em um dado momento, tais coerções fazem com que estas pessoas tomem algum tipo de decisão. No filme de Robert Redford, "Leões e Cordeiros", a jornalista Janine é claramente coagida pelo senador Irving a divulgar sua estratégia de guerra contra o Afeganistão, visando promover-se perante o povo americano, no entanto Janine tem consciência que esta estratégia é falha, pois já havia sido utilizada anteriormente na guerra do Vietnã sem sucesso. Janine enfrenta um dilema quando retorna à redação de seu jornal, se questiona se deveria ou não publicar a matéria e sofre pressão de seu editor para divulgá-la sem questionar as conseqüências políticas do ato, O editor diz que Janine já é uma mulher de 57 anos com uma mãe que precisa de cuidados 24 horas por dia, perguntando que companhia irá contratá-la caso ela se negue a divulgar a informação privilegiada que o Senador Irving havia lhe oferecido. Outros personagens vulneráveis a coerção ideológica são Enerst e Arian que ouvem um discurso patriota da "sociedade" e interpretam de acordo com seu universo. Seu discurso de patriotismo implica em defender sua nação a qualquer preço. Essa coerção ideológica faz com que esses jovens se alistem para a guerra.









"A sociedade funciona no bojo de um numero infindável de discursos que se cruzam, se esbarram, se anulam, se complementam: dessa dinâmica nascem os novos discursos, os quais ajudam a alterar os significados dos outros e vão alterando seus próprios significados".
(BACCEGA, 2003).


No filme os discursos acontecem em ambientes bem diferentes, porém se cruzam a todo instante, são discursos patriotas e ideologias desiguais. O primeiro núcleo é o político-midiático onde o Senador Irving recebe a jornalista Janine em seu gabinete para lhe oferecer uma "exclusiva" sobre a nova estratégia norte-americana que está sendo implementada no Afeganistão e que poderia garantir a vitória dos EUA na Guerra ao Terror. Em segundo lugar temos o núcleo militar-combatente, no qual nos é narrada a trajetória de Ernest e Arian, dois amigos que servem junto aos Fuzileiros Navais e são enviados na missão inicial da nova investida dos EUA contra o Talibã em um ponto estratégico no topo das montanhas afegãs. No terceiro e último núcleo, o acadêmico-filosófico, o Professor Malley debate com seu aluno Todd os motivos das recorrentes ausências do discente às suas aulas de Ciência Política e porque o jovem teria desistido de "fazer a diferença". As três narrativas correm de forma paralela, embora interligada: dentro de pouco mais de uma hora, embora em diferentes fusos horários, opera-se uma contagem regressiva para o fim da conversa do Senador Irving com a repórter Janine em Washington (leste dos EUA), para o término do debate entre aluno Todd e o Professor Malley na Califórnia (oeste dos EUA) e para o fim da missão ? isto é, a morte ? dos soldados "Ernie" e Arian no Afeganistão (projeção dos EUA).
Entre o Senador Irving e a jornalista Janine Roth, são levantadas questões sobre o papel desempenhado pela mídia na construção dos discursos da Guerra ao Terror: o próprio senador admite pretender que a notícia sobre a nova investida dos EUA ganhe os jornais para "preparar o terreno" e "lembrar o povo americano quem são seus verdadeiros inimigos". O Senador Irving chega mesmo a acusar a mídia de cumplicidade no caso da invasão do Iraque, afirmando que tanto ela quanto o governo seriam "igualmente responsáveis" pelos acontecimentos e suas conseqüências.
No núcleo militar-combatente, o destaque (quase óbvio) para o fato de os dois personagens soldados serem um negro e um hispânico. Posta de forma clara pelo Professor Malley de que, tanto nas guerras de hoje quanto no Vietnã, "os primeiros a servir ao país são aqueles que [os EUA] não trata muito bem". A teoria que os alunos escolhem como mais apropriada nas aulas de ciência política que tinham com o professor Malley é exatamente o Engajamento, resignificando-o para aplicá-lo não somente á política externa, mas também à política doméstica. Defendem, nesse sentido, que o governo se engaje com os problemas e mazelas que os afetaram enquanto cidadãos marginalizados, talvez na esperança de que, caso eles se engajem por seu país lá fora, o governo possa se engajar com aqueles que são excluídos dentro dos EUA. Irônico notar ainda que ao defenderem esta teoria os alunos são chamados de hipócritas por um jovem obeso, de cabelos ruivos, pele clara e tom de voz arrogante, que pretende estudar em Harvard.

Por último, no núcleo acadêmico-filosófico debatem o professor Malley e o aluno Todd. Discutem sobre o papel desempenhado por fatores ideacionais nos projetos políticos pelos quais optamos. Mais especificamente, a discussão gira em torno das conseqüências de nossas escolhas ético-político-filosóficas no mundo que nos cerca. Todo o debate entre o professor e o aluno é uma tentativa de mostrar ao jovem que seu desengajamento com o mundo ? seja as aulas do professor ou o futuro de seu país ?faz diferença. A desilusão com os políticos - quem o aluno chama de merdas ? e o conseqüente abandono da vida pública tem conseqüências graves: não há, em última instância, um ser apolítico; a omissão é cumplicidade e consentimento com o status. Esta desilusão se estende à disciplina de Ciência Política que, para o aluno, nada tem de científica: só lhe se interessa como ganhar, "não importa quão estúpido ou quão criminoso você tenha de ser". O professor argumenta que os políticos se banqueteiam na apatia e ignorância voluntária do aluno, perguntando como ele pode "viver a boa vida" sabendo que tropas estão morrendo enquanto eles conversam. "Roma está em chamas, filho!", grita o professor, dizendo que o problema deriva de todos aqueles que não fazem nada, que "simplesmente tentam se esquivar das labaredas".


A responsabilidade sobre as conseqüências da Guerra pesa sobre todos, seja um aluno, um professor, uma jornalista, ou um influente Senador. Todos são co-responsáveis pelos acontecimentos, seja por sua ação ou sua inação. Há diante deles uma estrutura que tanto os constrange quanto os confere possibilidades de ação, constituindo-os enquanto sujeitos históricos. Porém, em última instância, cabe aos próprios agentes a escolha ético-normativa de ser indiferente, engajados, críticos ou cúmplices.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e Discurso: Historia e Literatura. São Paulo, Ática: 2003.

FORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 8ª ed. São Paulo. Ática: 2006