O DIREITO SUCESSÓRIO DO FILHO CONCEBIDO APÓS A MORTE NO CÓDIGO CIVIL

Por Richiele Soares Abade | 26/05/2013 | Direito

Com o advento das técnicas de reprodução medicamente assistida e com a possibilidade de criopreservação de sêmen e embriões humanos, a geração de filhos após a morte tornou-se viável. Contudo, ao solucionar o desejo de mulheres de gerarem filhos de seus falecidos maridos, essas técnicas trouxeram grandes problemas para o Direito Sucessório.

Pois de acordo com o Código Civil, são legítimos a suceder apenas as pessoas já nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão, inteligência do art. 1798, do Código Civil. Assim,  a criança concebida após a morte de seu pai não tem direto a receber parte da legítima que teria direto se tivesse sido concebida em momento anterior à morte do autor da herança. No entanto, uma única solução foi trazia no art. 1.799, I, do Código Civil,  quando diz:  Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão. Com a atual redação do Código Civil, o filho concebido post mortem poderá herdar caso seja contemplado em testamento. Ou seja, pode ser apenas herdeiro testamentário, não se encaixando dentre os herdeiros legítimos.

No diploma civil anterior, este filho era nominado como “prole eventual”. O Código determina ainda um prazo para a concepção da prole eventual no art. 1800, §4º: “Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos”.

O mencionado §4º do art. 1800 provoca uma questão paralela, que é a admissibilidade, ainda que por breve tempo, da existência de direitos sem sujeitos. O Código de 2002 manteve a sistemática anterior, no sentido de que as pessoas que devem existir quando da abertura da sucessão são os pais do beneficiado, não este, que nem precisa estar concebido. Com isso, não se dá solução à questão da titularidade dos bens enquanto não recolhidos pelo concepturo, apenas determinando-se que fiquem confiados a curador nomeado pelo juiz.

Para muitos autores, o falecimento do pai torna inviável qualquer pretensão quanto a direitos hereditários por parte de prole eventual.

Devido ao grande número de problemas que trás, a inseminação artificial e a implantação de embriões excedentários post mortem é proibida em muitos países, como na Alemanha, na Suécia, na França e na Espanha. Neste último país, os direitos do nascituro são resguardados se houver manifestação expressa do de cujus neste sentido, por escritura pública ou testamento. Na Inglaterra, estes procedimentos são permitidos, porém os direitos sucessórios não são garantidos, a não ser que o falecido manifestar expressamente sua vontade em documento.

No Brasil, este assunto não está pacificado, um dos motivos, talvez o principal, é a falta de legislação que regule as técnicas de reprodução medicamente assistida.

Por conseguinte, surge a necessidade de uma regulamentação jurídica, pois de  uma rápida análise dos dispositivos de direito sucessório do ordenamento jurídico brasileiro sobre o filho concebido após a morte do seu genitor, pode-se concluir que a legislação vigente não se mostra suficiente para disciplinar as técnicas de reprodução assistidas e suas conseqüências jurídicas.

Qualquer solução que viesse a assegurar direitos sucessórios a filho oriundo de inseminação artificial (ou transferência de embriões) post mortem esbarraria em questões de ordem prática e correria o risco de infringir diretamente os princípios constitucionais da segurança jurídica e da irretroatividade.

Para evitar situações como esta, parte da doutrina leciona pela proibição do emprego de práticas de reprodução medicamente assistida post mortem. Contudo, isto não solucionaria do problema no ramo sucessório.

Atualmente, não há uma expressa proibição, mas também não há regulamentação. Assim, mesmo com a proibição, se uma criança é concebida por alguma técnica de fertilização artificial, “ainda que ilícita a conduta da clínica que promoveu a inseminação, esta em nada poderá subtrair os direitos da criança a nascer. Não há como vedar juridicamente, o acesso do filho ao nome e a herança do pai finado”

Sendo utilizados, para resolver a questão, os preceitos constitucionais. É preciso uma legislação que seja capaz de assegurar os direitos sucessórios do concebido post mortem e, ao mesmo tempo, de resguardar o princípio da segurança jurídica.

O Projeto de Lei nº 90/99 apresentado pelo Senador Lúcio Alcântara foi uma tentativa para regulamentar a utilização de técnicas de reprodução medicamente assistidas.  O projeto resolve, em parte, os problemas advindos do uso de tais práticas. No parágrafo primeiro do art. 2º, o projeto de lei dispunha que somente cônjuges ou casais vivendo em união estável poderiam ser beneficiários das técnicas de procriação assistida. E no art. 15, §2º, III, prescrevia a obrigação de descarte dos gametas depositados no caso de falecimento do depositante. A interpretação conjunta destes dois artigos leva à interpretação de ser proibida a procriação após a morte do genitor.

Contudo, a simples proibição pode não dar muito resultado. Assim, o Senador Lúcio Alcântara propôs na seção VII do seu projeto de lei a imputação como crime de prática que contrariasse o disposto no projeto, entre elas a utilização de gametas de depositantes falecidos, salvo autorização deixada em testamento.

Além disso, no art. 38 dispunha que “a prática de qualquer uma das condutas arroladas nesta seção (seção VII) acarretará a perda da licença do estabelecimento de procriação medicamente assistida, sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis”.

Outra solução é dada por Eduardo de Oliveira Leite. O autor sugere a modificação da redação do art. 1798 do Código Civil para: “Legitima-se suceder as pessoas nascidas, as já concebidas no momento da abertura da sucessão, ou as que nascerem por concepção artificial, até dois anos após a abertura da sucessão”.

Esta opção parece ser a melhor solução ao problema, uma vez que garante o direito sucessório da prole eventual e a segurança jurídica, determinando um prazo para a concepção deste filho. Porém, mesmo com a mudança da redação, medidas para coibir a prática da procriação assistida posterior a este prazo devem ser dispostas.

É mais que necessário a adequação das normas infraconstitucionais sobre o tema do direito sucessório do filho concebido post mortem mediante técnicas de reprodução assistida.

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