O Direito Penal e Processual Penal e os direitos e garantias fundamentais
Por Flávia De Marchi Faria | 07/04/2011 | Direito"direitos do homem, a democracia e a paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais."
(Norberto Bobbio)
O Título II da Constituição da República de 1988 ? CR/88 elenca os direitos e garantias fundamentais, e mais precisamente no Capítulo I, trata dos direitos e deveres individuais e coletivos.
Pretende-se aqui estudar o artigo 5º desse Instrumento, relacionando-o com o Direito Penal e Processual Penal Brasileiro, já que, se nos atentarmos para os dispositivos deste artigo, nos surpreendemos com o elevado número de incisos que tratam, de uma forma ou de outra, desse Direito.
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e os estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
Primeiramente, vê-se que os seguintes princípios basilares do Direito Penal, diretrizes gerais de todo ordenamento jurídico, encontram-se expressos nos incisos XXXIX, XL, XLV, XLVI, LVII:
Princípio da legalidade:
a) XXXIX ? não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Princípio da irretroatividade da lei penal:
b) XL ? a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Princípio da responsabilidade pessoal:
c) XLV ? nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Princípio da individualização da pena:
d) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição de liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;
Princípio da presunção da inocência:
e) LVII ? ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
A CR/88 exerce, neste aspecto, papel de limitação, estabelecendo os princípios normativos que deverão nortear o legislador penal da tipificação das condutas. Lembramos que se extrai dos princípios constitucionais a noção do direito penal mínimo. Por ele, o direito penal deve ser utilizado apenas como ultima ratio, aplicado somente quando esgotado todos ou outros meios de controle social.
Vale ressaltar a importância das liberdades públicas constitucionais como restrição ao poder estatal. As disposições constitucionais são de extrema relevância para todo o ordenamento jurídico, por se tratar, inclusive, de normas hierarquicamente superiores e, ainda, no que pertine ao Capítulo em apreço, falamos em cláusulas pétreas, em textos constitucionais imutáveis, inalterados sequer por Emendas à Constituição. Entre essas liberdades públicas petrificadas, há também garantias processuais para o imputado, reproduzidas em tratados internacionais, que integram o ordenamento com força de lei ordinária.
Os incisos III e XLIX do art. 5º da CR/88, derivados de um dos fundamentos republicanos, qual seja, a dignidade da pessoa humana, elencado no inciso III do art. 1º do mesmo dispositivo, dispõe sobre o princípio da humanidade.
Ao declarar que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante", o constituinte elencou, mesmo que indiretamente, duas garantias processuais: o processo penal não deve servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou da pena de morte, ou para a sujeição de quem quer que seja à tratamento desumano ou degradante; não pode o processo penal, do mesmo modo, assumir uma forma desumana, com procedimentos que exponham a pessoa a situações degradantes ou vexaminosas.
Da mesma forma, o inciso XLIX, que dispõe que deve ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, declara que a pessoa, sujeito do processo penal, será privada da sua liberdade de ir e vir, mas nunca da sua dignidade. Preso ou condenado, o direito personalíssimo à sua integridade física, moral e psíquica deve ser preservado.
Passando ao princípio da igualdade judicial, vê-se que embora na ação penal pública o Ministério Público atue como parte do processo, este não possui maiores poderes em relação à parte privada, o indivíduo. Ambos se encontram no mesmo patamar, numa relação de igualdade, com os mesmos poderes, deveres e faculdades processuais.
Assim, indagamos se do ponto de vista passivo do processo penal, não haveria neste uma violação ao princípio da igualdade processual quando há previsão legal de prerrogativas de função, pelas quais um foro especial protegeria a função pública ou a dignidade do cargo. O julgamento criminal da pessoa se dá pelo Poder Judiciário, composto por órgãos de primeira e segunda instância, além dos tribunais superiores.
Ainda que julgado pelo juízo de primeiro grau, o agente político que detém a prerrogativa de foro especial terá, muito provavelmente, a sua causa penal revista em grau recursal, por um tribunal, seja estadual, regional federal ou mesmo superior.
Extrai-se, ainda, do art. 5º da CR/88, nos incisos XXXVII e LII, o princípio do juiz natural. Este princípio tem como conteúdo não apenas a prévia individualização do órgão investido de poder jurisdicional que decidirá a causa, mas, também, a garantia da justiça material com a independência e imparcialidade dos juízes. Consequência disso é que será nula qualquer sentença condenatória ou absolutória que advier de um juízo excepcional ou de um tribunal instituído ex post factum.
Já o inciso LIV do mesmo dispositivo, pelo qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processual", retrata o princípio do devido processo legal, garantindo a devida persecução penal, limitada pela lei processual.
O princípio da publicidade, que se dirige, principalmente, a toda Administração Pública (art. 37, CR/88), também se aplica à administração da justiça penal. O princípio processual da publicidade se enquadra no inciso LX do art. 5º, ao dispor que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Ou o caso se enquadra entre os que correm em segredo de justiça, ou nenhuma autoridade pode interferir na publicidade dos atos processuais, facilitando, assim, o controle social sobre o Judiciário e o Ministério Público.
Já citado anteriormente, a Constituição Federal também prevê, em seu art. 5º, o princípio da presunção de inocência ou estado de inocência, visando à tutela da liberdade pessoal. Partindo desse princípio, o ordenamento jurídico infraconstitucional, em especial o processo penal, encontra-se obrigado a absorver as regras e encontrar um equilíbrio entre o interesse punitivo estatal e o direito de liberdade, dando-lhe, assim, efetividade.
"LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; " A inclusão do direito do silêncio na CR/88 representou a busca do combate aos desmandos praticados, muitas vezes, por autoridades que não têm pudor para a utilização de métodos questionáveis para a apuração dos fatos, comum em períodos ditatoriais e, concomitantemente, contrárias ao Estado Democrático de Direito. Convenhamos que ninguém é obrigado a colaborar com o Estado para desvendar o crime do qual é acusado, ou possa vir a ser. Sobre o Estado, no sistema acusatório, recaem o ônus da prova e o dever de desfazer a presunção de inocência que vigora em favor do acusado, sem que, para isso, dependa de qualquer colaboração de sua parte.
A Constituição Federal situou os próximos princípios conjuntamente no inciso LV do artigo em estudo. "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes". O princípio do contraditório contém o enunciado de que todos os atos e termos processuais devem primar pela ciência bilateral das partes, e pela possibilidade de tais atos serem contrariados com alegações e provas.
Vicente Greco Filho sintetiza o princípio de maneira bem prática e simples: "O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável".
E nessa mesma linha insurge o princípio da ampla defesa, que traduz a liberdade inerente ao indivíduo, no âmbito do Estado Democrático e, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas. No âmbito do processo penal, faz-se mister permitir ao réu, pelo menos: a) o conhecimento claro e prévio da imputação; b) a faculdade de apresentar contra-alegações; c) a faculdade de acompanhar a produção de prova; d) a possibilidade de interposição de recursos; e) o direito a um juiz independente e imparcial; f) o direito de excepcionar o juízo por suspeição, incompetência ou impedimento.
Finalmente, o último princípio, objeto do nosso estudo, é o do duplo grau de jurisdição que, inclusive, não se encontra expresso na CR/88, mas quando o inciso LV do art. 5º refere-se aos princípios do contraditório e ampla defesa, garantindo-os "com os meios e recursos a ela inerentes", assegura-se concomitantemente o direito de revisão da decisão por um órgão superior. Desse modo, o duplo grau irá abranger o direito de reexame da causa quanto ao mérito; o direito à revisão da pena; o direito à declaração de nulidades e, impropriamente, o direito de rescindir a condenação transitada em julgado.
Isso posto, vê-se a importância do estudos dos princípios constitucionais. Sem o exame e o conhecimento dessas diretrizes e postulados do nosso ordenamento jurídico, não pode a Justiça Criminal funcionar a contento, assim como não estarão os julgadores, os membros do Ministério Público e os defensores habilitados a promover o bom direito.
BIBLIOGRAFIA
1. CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
2. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 2000.
3. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000. p. 43.