O direito brasileiro e a família socioafetiva: o reconhecimento da família socioafetiva à luz do princípio do melhor interesse do menor

Por Everton Carvalho Rodrigues | 12/09/2013 | Direito

O direito brasileiro e a família socioafetiva: o reconhecimento da família socioafetiva à luz do princípio do melhor interesse do menor[1] 

Everton Carvalho Rodrigues[2]

Rayrison Lopes[3] 

SUMÁRIO: Introdução 1 Conceito de família; 2 A família socioafetiva; 3 O princípio do melhor interesse do menor; 4 A aplicação do princípio do melhor interesse do menor nos tribunais brasileiros em relação às famílias socioafetivas; Considerações finais. 

RESUMO 

A família desde os tempos mais remotos da humanidade tem sido composta: pai, mãe e filhos. Nos dias atuais esta relação tem mudado bastante, com a inclusão de novas pessoas neste quadro de familiar, ligadas agora por uma importante característica, o afeto. Com o advento desta nova realidade, surgiram novas formas de filiação situações desconhecidas pelo Direito, dentre elas a derivada da paternidade socioafetiva. Não obstante a esta nova tendência, o Direito contemporâneo busca constantemente novas formas para se adequar a esta nova necessidade. Diante disto busca-se neste trabalho, a realização de uma análise sobre a família socioafetiva, considerando o menor como um sujeito de direitos, à luz do princípio do melhor interesse do menor e por fim, demonstrar como os tribunais brasileiros vêm se posicionando sobre estes casos.

 

Palavras-chave: Família. Paternidade socioafetiva. Direito. Princípio do melhor interesse do menor.

 

INTRODUÇÃO

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a Família foi elevada ao posto de maior instituição a ser protegida pelo Estado na sociedade. Além disso, foram consolidados diversos novos direitos e princípios, dentre os princípios merecendo destaque o da dignidade da pessoa humana que deve ser tomado como pressuposto para realização de qualquer ato jurídico. A nova Carta Magna também reconheceu o menor como um sujeito de direito, merecedor de uma ampla proteção estatal, pois até então, somente havia preocupação do Estado com o menor quando havia o cometimento de infrações por este. A proteção dada pela Constituição Federal demonstrou a necessidade de regulamentação de direitos do menor, que por isso, em 1990, foi implementado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este estatuto reconhece que o menor não é mais um sujeito a ser protegido somente pelos pais e também, um “objeto” do qual os pais tinham inteira disponibilidade para escolher os seus interesses, pois com a chegada do ECA entrou em cena o importante princípio do interesse do menor que ainda gera conflitos entre os juízes em sua aplicação.

A instituição familiar sofreu ao longo dos tempos diversas mudanças, acompanhando o desenvolvimento da própria sociedade. As famílias não são formadas somente pelo parentesco em linha reta, nos dias de hoje forma incluídos neste quadro os parentes colaterais e até mesmo aquele sem qualquer tipo de parentesco, vinculados somente pelo afeto mútuo. Consequentemente, as legislações ficaram defasadas, necessitando cada vez mais da atuação do legislador e dos juízes para adequar o Direito à estas novas situações criadas por uma sociedade cada vez mais complexa e diversificada.

Por isso, no presente estudo, torna-se de grande valia para os aspectos funcionais da sociedade, a análise da paternidade (neste estudo, o termo “paternidade” também se refere a maternidade, visto que não há diferenças de direitos entre homens e mulheres) socioafetiva à luz do princípio do melhor interesse do menor, decorrente destas novas formas de constituição das famílias, e como os juízes vem aplicando este princípio nos casos concretos. Sendo que para tal análise, serão inicialmente realizadas explanações sobre o conceito de família, o que seriam as famílias socioafetivas e consequentemente, seus efeitos para se considerar a existência de uma paternidade socioafetiva.

 

1 - Conceito de família

 

A família é um instituto que está presente na sociedade há muito tempo, é caracterizada como um fenômeno natural, detentora de um enorme poder no anseio da vida social. Conceituar família é bastante diversificado, “em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum” (PEREIRA, 2006, p.19).

O sentido que o ambiente familiar representa para todos é de suma importância, pois é nesse convívio que será transmitida todos os valores morais e sociais para a construção de pessoas. As autoridades paterna e materna desempenham uma grande participação na família, dessa forma, sendo responsável “na criação e educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons ou maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo” (PEREIRA, 2006, p.20).

O conceito de família mais tradicional está ligado a realização do matrimonio. Mas com a evolução da sociedade e do âmbito jurídico, passou a ser necessária a configuração de outros tipos de relações familiares, disponibilizando uma maior abrangência a respeito do assunto.

 

O reconhecimento social dos vínculos afetivos formados sem o selo da oficialidade fez as relações extramatrimoniais ingressarem no mundo jurídico por obra da jurisprudência, o que levou a Constituição a albergar no conceito de entidade familiar o que chamou de união estável (DIAS, 2009, p.34).

 

Dessa forma o conceito de família vem se transformando, identificando todos os contornos que contribuem para essa nova roupagem da família, “[...] sobretudo nos laços afetivos, solidariedade entre os membros que compõem, família em que os pais assumem integralmente a educação e a proteção de uma criança” (PEREIRA, 2006, p.22). A família passou a ter características diferentes, dando uma maior ênfase para os laços afetivos, que hoje em dia possui um maior destaque na sociedade.

 

2 A família socioafetiva

 

A família socioafetiva é aquela constituída sem nenhum vínculo consanguíneo, no qual os indivíduos se unem pelo expecto da afetividade com o qual se reconhecem com familiares. Mesmo já existindo socialmente, a família socioafetiva somente foi reconhecida juridicamente como uma das formas de família a serem protegidas pelo Direito, a partir da Constituição Federal de 1988, conforme explica Almeida a seguir:

 

A Constituição Federal de 1988 foi, efetivamente, um divisor de águas no que concerne aos valores da família contemporânea brasileira. A iniciar pelo art. 1º, III, que traduz o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, somado ao art. 3º, I, do mesmo diploma legal, que consagra o princípio da solidariedade, parte-se rumo ao fenômeno da repersonalização das relações entre pais e filhos, deixando para trás o ranço da patrimonialização que sempre os ligou, para dar espaço a uma nova ordem axiológica, a um novo sujeito de direito nas relações familiares e, até mesmo, a uma nova face da paternidade: o vínculo socioafetivo que une pais e filhos, independentemente de vínculos biológicos (ALMEIDA, 2002).

 

No Brasil as famílias socioafetivas são formadas de várias maneiras seja pela adoção judicial, “adoção à brasileira”, filhos de criação, filhos socioafetivos decorrentes de outro casamento do cônjuge, dentre outras. Em qualquer das modalidades em que seja constituída a família pelos laços de afeto, ela estará respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana. O vínculo formado pelo afeto pode ser tornar tanto para a família quanto para o menor mais forte que o gerado pelo laço biológico.

  Consolida-se a família sócio-afetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência, como um novo elemento no Direito Brasileiro contemporâneo, transpondo os limites fixados pela Constituição Federal de 1988, porém incorporados dos seus princípios. Quando declarada a convivência familiar e comunitária, a não discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar está concretizada a chamada família sócio-afetiva. Os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, convocando assim, os pais a uma "paternidade responsável" (OLIVEIRA; ROCHA, 2008).

 

Caracterizada a existência social e jurídica da família socioafetiva, parte-se agora para a conceituação sobre o princípio do melhor interesse do menor como um dos elementos que podem viabilizar a concretização dos direitos das famílias socioafetivas.

 

3. O princípio do melhor interesse do menor

O art.227 da Constituição Federal assegura que é dever da família, da sociedade e do Estado, proporcionar a criança todos os seus direitos que a Constituição expressa. O estatuto da criança e do adolescente também veio regulamentar todos os direitos fundamentais que o menor possui, garantindo dignidade e liberdade.

O princípio do melhor interesse do menor veio para dar maior amplitude aos direitos já adquiridos pelas crianças e adolescentes, buscando intensificar a sua aplicação. A criança é muito frágil e vulnerável, por conta disso é essencial à presença da família em sua vida, “[...] cabem às famílias, a sociedade e ao Estado conferir as crianças e adolescentes uma infância e adolescência digna, livre de violência, situações constrangedor e outras situações que levem a má formação destes (CALDEIRA, 2011, p.31)”.

A sua aplicação é verificada nos casos em que crianças e adolescentes não recebem um tratamento digno e com respeito. As crianças representam o futuro, com isso a aplicação do princípio do melhor interesse do menor garante a proteção necessária que o jovem necessita, “[...] crianças e adolescentes, ao serem chamadas de gerações futuras, necessitam ter seu desenvolvimento de forma plena, sempre levando em conta o princípio do melhor interesse do menor (CALDEIRA, 2011, p.32)”.

O ordenamento jurídico realiza a aplicação desse princípio nas suas decisões, capacitando ao menor um caminho melhor. Tal princípio ocupa um lugar importante, sendo em muitos casos, o caráter decisivo para aplicação do direito familiar, “o Brasil incorporou, em caráter definitivo, o princípio do melhor interesse do menor em seu sistema jurídico, e sobretudo, tem representado um norteador importante para a modificação das legislações internas no que concerne a proteção da infância (SILVA PEREIRA, s.d.)”.

Apesar, de o princípio se chamar “o melhor interesse do menor” a interpretação não deve ser tão literal, pois as vezes o melhor interesse do menor pode ir contra a vontade do próprio menor.

Dessa forma, a aplicação do princípio do melhor interesse do menor deve visar um desenvolvimento mais eficiente e seguro, que garanta às crianças e aos adolescentes um futuro promissor.

 

4 A aplicação do princípio do melhor interesse do menor nos tribunais brasileiros em relação às famílias socioafetivas

 

A relação socioafetiva ganha impulso nas decisões judiciais brasileiras, a afetividade como um importante fator, tendo em vista que esse vínculo começa quando existe uma maior vulnerabilidade do menor, passando a ganhar amor e compreensão por parte da criança, “[...] valores personalíssimos a relação paterno-filial, principalmente o amor e o afeto, foram, aos poucos, preponderando em relação ao vinculo sanguíneo” (CALDEIRA, 2011, p.75).

O direito familiar busca compreender toda a situação em que vive o menor, na tentativa de encontrar o caminho mais acessível para a criança, aplicando o princípio do melhor interesse do menor. Dessa forma a solução encontrada pelos Tribunais é a, viabilizando um maior desenvolvimento a criança, por isso o STJ em conflitos que envolvem menores tem dado prevalência ao melhor interesse do menor, reconhecendo o direito a paternidade, conforme segue a decisão proferida na 4º Turma do STJ no RS:

 

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OSMENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.

 

Aqui o STJ emitiu uma decisão importante ao permitir a adoção de um menor por um casal homossexual, o que revela que apesar das novos grupos familiares, que o afeto é mais importante que as adversidades existentes na sociedade. E também de mesmo modo a 3ª Turma do STJ deu a seguinte decisão no REsp 1106637 / SP proferido em 01/06/2010:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. CRIANÇA E ADOLESCENTE. ADOÇÃO. PEDIDO PREPARATÓRIO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR FORMULADO PELO PADRASTO EM FACE DO PAI BIOLÓGICO. LEGÍTIMO INTERESSE. FAMÍLIAS RECOMPOSTAS. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

 

Neste REsp o STJ reconheceu a legitimidade do pai socioafetivo no pedido formulado por este para destituir o poder familiar do pai biológico, tendo em vista que verificou-se o melhor para o menor. Deixando claro qual é o melhor caminho para o menor. “A doutrina moderna passa a analisar a paternidade através da relação de afetividade entre pai e filho, que não é o pai biológico, no entanto, cria o filho, o protege e dá amor” (BARROS, 2009).

 

É fato que o elo biológico que une pais e filhos não é suficiente a construir uma verdadeira relação entre os mesmos. Basta verificar nas demandas de paternidade que, muitas vezes, o filho conhece seu pai por meio do DNA, mas não é reconhecido por ele por meio do afeto. Em outras palavras, a filiação não é um dado ou um determinismo biológico, ainda que seja da natureza do homem o ato de procriar. Em muitas das vezes, a filiação e a paternidade derivam de uma ligação genética, mas esta não é o bastante para a formação e afirmação do vínculo; é preciso muito mais. É necessário construir o elo, cultural e afetivamente, de forma permanente, convivendo e tornando-se, cada qual, responsável pelo elo, dia após dia (ALMEIDA, 2002)

 

Diante desse entendimento, fica revelado a real importância dessa discussão entorno da família socioafetiva e o princípio do melhor interesse do menor, considerando que nos dias atuais somente o caráter biológico não é mais determinante para definir o que é melhor para o menor, cedendo lugar ao “afeto”, que conduz a criança a ter uma vida familiar mais equilibrada, e consequentemente, ter um melhor desenvolvimento físico e mental. .

 

Considerações finais

 Diante das informações elencadas, fica claro que a afetividade representa um fator de grande relevância na constituição das famílias, visto que a presença de tal aspecto é fundamental para um desenvolvimento saudável do menor.

Por fim, cabe salientar a nova postura do STJ ao seguir o princípio do melhor interesse do menor como novo valor a ser seguido, acima de outros aspectos até então arraigados na sociedade patrimonialista, tais como como a condição financeira, orientação sexual, idade, cor, laços biológicos, dentre outros.

 

                     

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Maria Christina de. A paternidade socioafetiva e a formação da personalidade. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=54>. Acesso em: 20 de maio de 2012.

 

BARROS, Juliana Brito Mendes de. Filiação Socioafetiva. 2009. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1472/1405>. Acesso em: 23 de maio de 2012.

 

CALDEIRA, Giovana Crepaldi. Princípio da dignidade da pessoa humana e a paternidade socioafetiva à luz do princípio do melhor interesse do menor.  2011. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/2825/2604>. Acesso em: 22 de maio de 2012.

           

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

OLIVEIRA, Gleick Meira; ROCHA, Rafaele Ferreira. Paternidade Sócio-afetiva: O Afeto faz apelo à Paternidade. 2008. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=451> Acesso em: 21 de maio de 2012.

 

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2006.

 

SILVA PEREIRA, Tânia da. O Princípio do “melhor interesse da criança”: da teoria à prática. s.d. Disponível em: <www.gontijo.familia.adv.br/2008/artigos_pdf/tania_da_silva_pereira/melhorinteresse.pdf>. Acessado em 23 de maio de 2012.



[1] Paper apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões, do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB

[2] Aluno do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 6º período do Curso de Direito, da UNDB.