O DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL

Por Evandro Antonio Vieira de Moura Filho | 11/10/2016 | Direito

RESUMO

Neste artigo será tratado a temática do inquérito policial, abordando-se o valor probatório que esse inquérito pode apresentar ao constituir o entendimento do juiz quando este proferir uma decisão. Além disso, como objeto principal do trabalho, analisar-se-á com bastante atenção a questão da incidência dos princípios do contraditório e ampla defesa no inquérito policial, pois são considerados indispensáveis para uma correta e justa prestação jurisdicional, tanto que são salvaguardados na Constituição Federal.

INTRODUÇÃO

Desde o momento em que um delito é praticado, nasce para o dever punitivo, confiado pelos cidadãos a este, para que possa efetivamente penalizar o suposto autor do delito. Com o intuito de conseguir punir esse suposto infrator é necessário que esteja a disposição do Estado meios adequados para investigar a situação ocorrida e então punir o criminoso. É neste contesto que se utiliza o inquérito policial, tema de nosso artigo.

No primeiro capítulo, será abordado como se apresenta o inquérito policial no ordenamento jurídico brasileiro, analisando a sua natureza jurídica, com base principalmente doutrinária e legal. Abordando também a função desse inquérito e a qual atuação o parquet terá nesta investigação preliminar.

No segundo capítulo, falar-se-á do valor probatório que o inquérito policial tem perante o convencimento do juiz no processo, observando não só o entendimento dos Tribunais acerca deste tema como dos posicionamentos doutrinários que permeiam toda essa discussão acerca da valoração probatória do inquérito policial. Observando também de maneira suscita a ausência do princípio do contraditório e ampla defesa nesta modalidade de inquérito, que será tratado com mais aprofundamento no próximo capítulo.

E, por fim, no último capítulo, tratar-se-á dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, abordando seus conceitos e a distinção entre ambos. Além disso, ver-se-á, como foco principal, como se dá sua aplicação na esfera penal e, mais especificamente, no inquérito.

Com relação ao inquérito, há duas correntes doutrinárias que tratam da incidência ou não desses princípios nessa fase de investigação. No decorrer do paper, entender-se-á o porquê dessa discussão e a posição da doutrina majoritária.

1. INQUÉRITO POLICIAL

1.1 Aspectos gerais

No Brasil, a persecução penal ocorre em duas fases: a de investigação preliminar, concretizado por meio do inquérito policial, do termo circunstanciado e pelas peças de informações; e a realizada processualmente, por meio da ação penal (ZANOTTI; SANTOS, 2013, p. 103).

Com relação ao inquérito a doutrina entende que se trata de um procedimento administrativo e privativo da polícia judiciária, tendo por finalidade apurar a autoria e materialidade das infrações penais. Porém, segundo Bruno Zanotti, admitir-se que a finalidade do inquérito policial seja fornecer justa causa para uma futura ação penal leva ao encontro de prerrogativas do cargo de Delegado de Polícia, como a imparcialidade. Nesse contexto, segundo o mesmo autor, a finalidade do inquérito deve ser: 

[...] produção de diligências investigativas de modo a se colher todos os possíveis pontos de vista do fato, devidamente respeitados os direitos fundamentais dos afetados pela investigação policial, confirmado (ou não) a autoria e materialidade (2013, p. 104). 

Assim, pensar de maneira diferente levaria a entender que a autoridade policial conduz a investigação como se tivesse interesse na acusação do investigado.

Esse inquérito possui algumas características próprias, como: a discricionariedade; a forma escrita; sigiloso; oficialidade; oficiosidade; indisponibilidade; inquisitivo; autoritariedade; e dispensabilidade.

Para o paper, deter-se-á à característica da inquisitoriedade, por possuírem relação com o objeto principal a ser abordado.

O inquérito é considerado inquisitivo por concentrar nas mãos de uma única autoridade as atividade persecutórias, podendo essa autoridade agir de ofício, empreendendo com discricionariedade as atividades que entender necessárias para os esclarecimentos acerca da materialidade do fato e da autoria. Além disso, é secreto e escrito, e conforme será visto, a doutrina majoritária entende que não há aplicação do contraditório e ampla defesa, visto que, dessa forma, o instrumento garante um resultado eficaz para o processo (CAPEZ, 2012, p. 114). 

1.2 Natureza jurídica 

É importante ressaltar de antemão que o inquérito não é necessariamente policial, tendo como base o paragrafo único art. 4º, a competência da polícia não exclui a de outras autoridades administrativas que possuem a competência legal de investigar, sendo lícito que outra autoridade administrativa, com relação às sindicâncias e processos administrativos contra funcionários públicos, realize a verificação dos fatos e com base nos dados colhidos seja proposta a denuncia ao Ministério Público. Podendo também a investigação ser realizada por membros do poder legislativo, nas chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito. Todavia, neste artigo não será abordado essas formas de inquérito, limitando nossa analise ao inquérito policial (LOPES JR., 2012).

O inquérito policial é definido pelo renomado processualista penal Renato Brasileiro como:

Procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial, consistente em um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa objetivando a identificação das fontes de prova e a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, a fim de possibilitar que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. (2012, p. 111)

Dessa maneira pode-se notar que este é um procedimento de natureza instrumental, destinado a esclarecer os fatos delituosos relatados na notícia do crime, fornecendo meios para o prosseguimento da ação penal ou seu arquivamento. Dessa caráter instrumental nota-se sua dupla função, a preservadora (a existência previa de inquérito policial inibe a instauração de um processo penal infundado), a qual resguarda a liberdade do inocente e evita custos desnecessários para o Estado, e a preparatória, que fornece elementos de informação para que o titular da ação penal ingresse em juízo, sem falar que acautela meios de prova que poderiam desaparecer com o decorrer do tempo. (DE LIMA. 2012, p.112)

Nota-se que o inquérito policial tem natureza jurídica meramente administrativa, não resultando a imposição direta de uma sanção, neste momento não há a pretensão acusatória. Dessa maneira não pode-se falar que não exista uma estrutura processual dialética, sob garantia do contraditório e ampla defesa (DE LIMA. 2012, p.112). Nesse sentido afirma Antonio Scarance Fernandes em sua obra Processo Penal Constitucional:

Só se exige a observância do contraditório, no processo penal, na fase processual, não na fase investigatória. É o que se extrai do art. 5º, LV, da Constituição Federal. Ao mencionar o contraditório, impõe seja observado em processo judicial ou administrativo, não estando aí abrangido o inquérito policial, o que constitui um conjunto de atos praticados por autoridade administrativa, não configuradores de um processo administrativo. Sequer o inquérito é procedimento, pois falta lhe característica essencial do procedimento, ou seja, a formação por atos que devam obedecer a uma sequencia predeterminada pela lei [...] (2007, p.69-70)

Ao perceber que o inquérito policial tem caráter apenas informativo é comum se perguntar qual é o valor probatório inquérito policial. Renato Brasileiro esclarece tal questionamento ao afirmar que:

[...]a finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à autoria e materialidade do delito. Tendo em conta que esses elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, deduz-se que o inquérito policial tem valor probatório relativo.

Se esses elementos de informação são colhidos na fase investigatória, sem a necessária participação dialética das partes, ou seja, sem a obrigatória observância do contraditório e ampla defesa, questiona-se acerca da possibilidade de utilização para formar a convicção do juiz em sede processual. (2012, p.114).

Quanto à atuação do Ministério Público no inquérito policial, este é autorizado a requerer abertura como também acompanhar a atividade policial no curso do inquérito. No entanto por falta de previsão normativa que defina o controle externo da atividade policial, não é possível afirmar que o Ministério Público pode assumir o mando do inquérito policial, embora seja capaz de atuar ativamente, requerendo diligencias e acompanhando a atividade policial. Sendo lícito ao parquet requisitar a instauração do inquérito policial e/ou acompanhar a sua realização (LOPES JR, 2012, p. 774). 

2- INQUÉRITO POLICIAL E SEU CARÁTER PROBATÓRIO 

Entende-se como regra geral que os elementos coletados no andar do inquérito policial tem a função de fundamentar medidas de natureza endoprocedimental e para justificar o processo ou não processo. Entendendo dessa maneira ser completamente inviável pretender transferir para o inquérito policial a estrutura dialética do processo e suas garantias, asseguradas constitucionalmente, da mesma forma que não se pode tolerar uma condenação baseada em um procedimento sem as mínimas garantias. (LOPES JR, 2012, p. 880)

É notório que o juiz de direito tem importância impar na função de garantidor dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, não podendo ficar inerte em face de violação ou ameaça de lesão a esses direitos. O juiz tem legitimidade constitucional na função de proteção dos direitos fundamentais de cada um, sendo personagem imprescindível no Estado Democrático de Direito. Em relação ao inquérito policial o juiz não presencia seus atos e muito menos o orienta. Dessa maneira observa-se que o julgador não investiga. Sendo necessário analisar qual valor probatório terá o inquérito no processo penal (LOPES JR, 2011, p.253)

Entende-se que os elementos fornecidos pelo inquérito policial tem o valor de meros atos de investigação, não servindo para justificar um juízo condenatório.

Sendo atos de investigação conceituados como atos em que se referem a uma hipótese e não a uma afirmação, estando a serviço de investigação preliminar (fase pré-processual), sem existir a presença do princípio da publicidade, contradição e imediação, pois podem ser restringidas, não estando também destinados à sentença, mas a justificar o processo (recebimento da ação penal, servindo ainda de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisório. (LOPES JR, 2012, p. 879)

O posicionamento dos Tribunais a respeito da utilização do inquérito policial como forma de convencimento do juiz era tido como inadequado, tendo em vista a exclusiva utilização do inquérito policial como meio de condenação, pois representaria uma visível violação do art. 5º, inc. LV, que assegura aos acusados o contraditório e ampla defesa. No entanto, é importante destacar que o inquérito pode ser usado de maneira subsidiaria, complementando a prova produzida em juiz, sendo assegurado o contraditório e ampla defesa. Como já manifestado pelo Supremo Tribunal Federal “os elemento do inquérito podem influir na formação do livre-convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementam outros indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório e ampla defesa” (DE LIMA, 2012).

[...]

 
Artigo completo: