O Dinheiro

Por Bruno Azevedo | 29/10/2010 | Filosofia

"Há coisas que, sendo originariamente meios, seriam e permaneceriam indiferentes, se não se tornassem um meio para alcançar outra coisa. Mas, ao se associarem àquilo para que são meios, passam a ser desejadas por si mesmas, até mesmo com grande intensidade. Que diremos, por exemplo, do amor ao dinheiro? Originariamente, nada há mais desejável no dinheiro do que numa pilha de seixos brilantes. Seu valor é unicamente o das coisas que permite comprar, é apenas um meio de satisfazer desejos por outras coisas. Todavia, o amor ao dinheiro não apenas é uma das forças motrizes da vida humana, mas, em muitos casos, o dinheiro é desejado em si e por si mesmo; o desejo de possuí-lo é freqüentemente mais forte do que o desejo de usá-lo, e continua a aumentar quando se esvanecem todos os outros desejos que visam a fins para além dele e que ele deveria permitir saciar. Pode-se dizer com razão, pois, que o dinheiro é desejado não por causa de um fim, mas como parte de um fim. Por ser um meio para alcançar a felicidade, veio a se tornar um elemento essencial da concepção que cada um faz da felicidade."(MILL, 2000: 234)

Uma dicussão que muitas vezes fiz de diversas formas, indo desde de Platão até Karl Marx e não parando nele, levando em consideração mais a dicussão em si dos valores, do que o dinheiro propriamente dito, pois essa distância entre os autores citados acima não pode ser ignorada e nem mesmo o que seria valor para um ou outro.
Mas enfim, uma das questões presentes no argumento de Mill e que particularmente creio ser bem relevante, é atribuir valores aquilo que em tese não teria valor, ou seria um meio responsável por levar a um valor de fato. O dinheiro demonstrado como representação do valor, sendo um simulacro utilizado para trocas comerciais, acaba tendo um significado próprio e passa-se a não mais levar em consideração aquilo que se objetivava através dele, mas sim tornando-o como fim em si.
Hoje regozijam em não mais adorar os deuses considerados pagãos de outrora, entretanto, cria-se novas formas simbólicas de caráter próximo, penso que o Dinheiro está caminhando para essa significação mítica, aliás, já estamos nela, pois mata-se e faz-se de tudo para obtê-lo, às vezes nem mesmo se gasta e o faz circular, adoram-no, colocam-no naqueles cofrinhos e os acariciam como aquelas imagens divinizadas. Deseja-se tê-lo não importa como, nem pra quê, pois tornou-se o expoente maior da representação de nossa sociedade e o que um dia chamaram de "homo economicus".
Desta forma a sociedade se articula de todas as formas para obter este poder que circula, acabando muitas vezes atribuindo ao objeto em si, aquilo que ele apenas serviria como veículo de transmissão. Até mesmo o tempo, já uma abstração, foi associado com a famosa frase "time is money".
O dinheiro tem comprado tudo, até mesmo o sentido de ser, tendo em vista que esta compra é impossível, parece que mais uma vez estamos objetivando a falta de sentido, utilizando algo sem valor para comercializar o que não se pode comprar. Isso inclusive faz recordar dada época, que saíam algumas publicações na internet de pessoas vendendo as coisas mais esdrúxulas, como por exemplo, aquele rapaz norte-americano de 20 anos de idade que ofereceu a alma pela bagatela de 400 dólares.Tudo bem que se queira vender a alma, mais não precisa se desvalorizar tanto. Sem contar o dinheiro romantizado, ou até mesmo em filmes e desenhos, às vezes ele é animado para demonstrar a "humanidade" dele. O fato é que como cita Mill, nós acabamos tornando-o a causa de nossa felicidade e pela falta de sentido de sê-lo, acaba demonstrando que no fim, nem mesmo felizes seremos, apenas frívolas criaturas afogadas em cédulas, qualquer outro corpo ou falta de (dinheiro virtual), que o dinheiro utilize como roupagem. Em meio a esta superestimação, acabaremos perdendo a referência de si e do real valor que se encontra no ser, criaturas alienadas de hábitos alienantes.

Referência Bibliográfica:

MILL, John Stuart. A Liberdade; Utilitarismo. tradução: Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Clássicos)