O DEVER DE INDENIZAR COMO REFLEXO DA RESPONSABILIZAÇÃO...

Por Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho | 05/04/2017 | Direito

O DEVER DE INDENIZAR COMO REFLEXO DA RESPONSABILIZAÇÃO NA FASE PRÉ-CONTRATUAL QUANDO ESTA NÃO FOR CUMPRIDA DE MANEIRA A OBSERVAR OS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS.

1 INTRODUÇÃO 

Ao falar de responsabilidade na fase pré-contratual, é natural logo pensarmos que isso não pode ocorrer, pois, quem vai se responsabilizar se o contrato ainda nem existe? Diante desta questão que surgi e vem ganhando espaço tanto na doutrina como na jurisprudência, é que se propôs elaborar este paper. Fundamentando com os princípios contratuais, decisões e estudos que tratam do assunto, vamos apresentar como se dá essa responsabilização e se ela pode ou gerar um dever de indenizar, fazendo ênfase às questões atinentes a fase pré-contratual e a responsabilização por parte do particular que desfizer essa pretensão de contrato.  Dessa forma a doutrina e o próprio código, seja o Código Civil como também o Código de Defesa do Consumidor, estabelecem que devam ser observados princípios e regras e normas na hora de estabelecer uma relação contratual, visando o não prejuízo entre as partes e presando pela segurança jurídica das relações de contratos. Com isso obrigações e responsabilidades surgem com a volatilidade das relações humanas na hora de contratar e, ainda que pareça estranho, essa responsabilidade também se faz presente na fase pré-contratual e em algumas situações elas acarretará o dever de indenizar.

2 OS PRINCIPIOS E A FASE PRÉ-CONTRATUAL 

A obrigatoriedade que surge do pacta sunt servanda forma a base do direito contratual, sendo assim o acordo de vontade entre as partes numa relação contratual torna-se lei entre elas, devendo ser observado, em regra geral, tudo aquilo que foi acordado. Por isso, o ordenamento jurídico deve fornecer os instrumento e meios necessários à manutenção dessa relação contratual, com o objetivo de que toda relação contratual, caso não houvesse essa obrigatoriedade entre as partes, não se torne uma relação desorganizada e onde a insegurança jurídica estivesse sempre presente. “O ordenamento de conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos” (VENOSA, 2012, p. 370). Nesse sentido, o interesse social não deve ser contrário à vontade das partes, mesmo que tal interesse seja o que se busca na relação de contrato, VENOSA, 2012.

Sabemos que todos os ramos do direito possuem os princípios que os regem, e que todas as condutas e decisões que dele decorrem devem obedecer tais princípios, com observância aos princípios constitucionais. Assim também é quando se trata dos Contratos, eles devem ser regidos por seus princípios de forma a fazer nascer uma relação contratual legal, ou seja: “o direito contratual rege-se por diversos princípios, alguns tradicionais e outros modernos” (GONÇALVES, 2012, p. 41).

Lobo, sua divisão se dá da seguinte forma: 

Dividimos os princípios contratuais em duas grandes classes, consolidadas em dois momentos históricos, e que convivem sob influxos colidentes de tensão e harmonia em razão de fins distintos, a saber, os princípios individuais dos contratos e os princípios sociais dos contratos. (LOBO, 2012, p. 57)

Dessa forma trabalhar-se-á com a classificação adotada por Lobo no que tange aos princípios do segundo grupo, os princípios sociais dos contratos, desse serão estudados dois: o principio da função social e o principio da boa-fé objetiva. Em relação aos princípios da função social e da fé-objetiva LOBO, 2012, faz a seguinte referência, “o código civil faz menção expressa à função social do contrato (art. 421) e, nesse ponto, foi mais incisivo que o Código de Defesa do Consumidor.” Continuando, “também ficou consagrada, definitivamente e pela primeira vez na legislação civil brasileira, a boa-fé objetiva, exigível tanto na conclusão quanto na execução do contrato (art. 422).” (LOBO, 2012, p. 67). Conta-se então que esses dois princípios são de suma importância para as relações de contratos, com base nessa premissa discorrer-se-á sobre esses dois princípios.

2.1 O principio da função social e da boa-fé objetiva

Para Lobo o princípio da função social “determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem.” (LOBO, 2012,p. 67). Sendo assim deve haver um equilíbrio entre os interesses individuais e os interesses sociais, é necessário que exista uma harmonia entre eles, para que não ocorra nenhum conflito entre esses dois interesses, pois caso exista tal conflito, os interesses sociais devem prevalecer. Para Venosa, 2012, o princípio da função social que é encontrado no artigo 421 do CC, se caracteriza como sendo uma “norma aberta ou genérica, a ser preenchida pelo julgador no caso concreto”. Para ele cabe o seguinte entendimento, VENOSA, 2012, p. 375:

O fenômeno do interesse social na vontade privada negocial não decorre unicamente do intervencionismo do Estado nos interesses privados, com o chamado dirigismo contratual, mas da própria modificação dos conceitos históricos em torno da propriedade. No mundo contemporâneo há infindáveis interesses interpessoais que devem ser sopesados, algo nunca imaginado em passado recente, muito além dos princípios do simples contrato de adesão.

Nisso consiste a firmação que diz que a norma aberta dede ser preenchida pelo julgador no caso concreto, pois é papel do interessado apontar sobre a adequação social de um contrato bem como de suas cláusulas e cabe ao juiz o poder de decidir sobre elas.

Lobo também estabelece que o princípio da boa-fé objetiva “é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas contratuais.” Para Lobo, a boa-fé objetiva importa uma conduta “honesta, leal, correta”. Tem relação com a confiança que os indivíduos na relação contratual depositam ao exercer o ato de contratar. Para Venosa, 2012, este constitui-se em “um sistema aberto, predominando o exame do caso concreto na área contratual”, para ela nenhuma pessoa entra na ralação contratual sem a necessária boa-fé, ou seja, pressupõe que todos aqueles que ingressam na relação do ato de contratar o fazem de boa-fé. Ele caracteriza a má–fé inicial ou interlocutória em um contrato “pertencente  a patologia do negocio jurídico e como tal deve ser examinada e punida” (VENOSA, 2012, p. 373).  A boa-fé também se opera nas relações de consumo, geralmente com intuito de prevenir os contratos de consumo em relação às cláusulas abusivas. Conforme artigo 422, este se aplica a todos os contratantes, enquanto os princípios que regem a boa-fé no Código de Defesa do Consumidor se referem às relações de consumo.

2.2 O princípio da boa-fé objetiva na fase pré-contratual

Na fase pré-contatual o princípio da boa-fé objetiva é o principio que em regra mais se observa, visto que nessa fase as partes precisam agir com honestidade, lealdade, ele é classificado como “regra de conduta. Estabelecendo assim fonte do direito e de obrigações” (GONÇALVES, 2012, p. 56). O principio da boa-fé tem relação com a interpretação dos contratos, não se desvinculando da observância também do princípio da função social. Venosa, 2012, diz que, “o princípio da boa-fé se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.” Com essa afirmação entende-se a relação deste princípio e como ela também gera uma reponsabilidade nas condutas primarias à relação contratual, ou seja, na fase pré-contratual.

3 DA FASE DOS CONTRATOS

A fase de formação dos contratos é regida por três etapas indispensáveis ao seu processo de formação, são as chamadas negociações preliminares: a oferta, a aceitação e a conclusão (que se subdivide entre ausentes e entre presentes).

3.1 Da Oferta ou Proposta

A primeira etapa de formação dos contratos está disciplinada na Seção II nos arts. 427 a 429 do Código Civil.

“Traduz uma vontade definitiva de contratar nas bases oferecidas, não estando mais sujeita a estudos ou discussões, mas dirigindo-se à outra parte para que aceite ou não, sendo, portanto um negócio jurídico unilateral, constituindo elemento da formação contratual” (GONÇALVES, 2004, p. 51) a proposta deve ser séria e precisa isso porque é uma fonte que impulsiona o dever obrigacional.

Sempre que se estiver presente à oferta, ela deve conter os elementos básicos/essenciais do negócio que esta sendo proposto: preço, tempo de entrega, qualidade do produto, forma de pagamento, de modo que o oblato (aquele a quem a oferta é dirigida) possa avaliar se aceita ou não a proposta apresentada. Importante lembrar que a oferta deve ser feita com linguagem de fácil compreensão.

O art. 429 do CC afirma que a oferta ao público é equivalente a uma proposta, uma vez que apresenta os requisitos essenciais ao contrato, salvo se resultar de algumas circunstâncias ou dos usos, logo (em geral) entende-se limitada ao estoque do que está sendo exibidas, como mercadorias expostas em vitrines, feiras com preços a mostra. O Código admite a revogação da oferta ao público pela mesma via de divulgação.

Como já foi dito acima a proposta traz consigo uma “força vinculante (Código Civil, art. 427), não para as partes, uma vez que ainda neste momento não há um contrato, mas para aquele que a faz, denominado policitante” (PEREIRA, 2006, p. 38). Gonçalves trata da força vinculante da oferta do seguinte modo:

A obrigatoriedade da proposta consiste no ônus, imposto ao proponente, de mantê-la por certo tempo a partir de sua efetivação e de responder por suas consequências, por acarretar no oblato uma fundada expectativa de realização do negócio, levando-o muitas vezes como já dito, a elaborar projetos, a efetuar gastos e despesas, a promover liquidação de negócios e cessação de atividade etc (GOLÇALVES, 2004, p. 52).

Essa regra, assim como em toda regra é repleta de exceções, pode citar a exemplo a interdição ou morte do policitante, no caso da morte os herdeiros irão responder pelas consequências jurídicas dos atos, já no caso o responsável será o curador do interditado.

As exceções da obrigatoriedade da oferta estão contidas na parte b do art. 427 do CC. Primeiramente a oferta não obriga o proponente se no contrato contiver uma cláusula expressa declarando que não é definitiva e que tem o direto de retirá-la. Em segundo lugar, a oferta não obriga o proponente em face da natureza do negócio jurídico que está sendo posto, é o caso das ofertas abertas ao público. O último caso onde a oferta não obriga o proponente  é aquela em razão das circunstâncias do caso, circunstâncias essas que são conferidas pela lei.

Da Aceitação

“Aceitação ou oblação é a concordância com os termos da proposta. É manifestação de vontade imprescindível para que se repute concluído o contrato, pois, somente quando o oblato se converte em aceitante e faz aderir a sua vontade à do proponente” (GONÇALVES, 2004, p. 56), pois antes dela, há somente o impulso oficial. Caso a aceitação seja apresentada fora do prazo, com restrições, alterações serão consideradas uma contraproposta art. 431 do CC.

Não há requisito especial para a aceitação, salvo nos casos de contratos formais. Podendo ser expressa se houver declaração de anuência do aceitante; ou tácita quando por sua conduta, for revelado consentimento; pode ainda ser presumida “quando a conduta do aceitante, nos termos da lei, induz anuência, como se o proponente marca prazo ao oblato para que este declare se aceita, e o tempo decorra sem resposta negativa daqueles casos em que se não costuma aceitação expressa (PEREIRA, 2006, p. 45)”.

No caso de o aceitante ter expedido sua resposta em tempo oportuno, mas chegando tardiamente ao proponente, por circunstâncias imprevistas ou estranhas ao desejo do emitente, é dever do proponente avisar imediatamente, ao aceitante, sob pena de ser responsabilizado por perdas e danos.

Da Conclusão

Gonçalves trata esse momento do contrato de duas formas, contrato entre presentes e entre ausentes.

Se o contrato for realizado inter praesentes “a proposta poderá estipular ou não prazo para aceitação. Se o policitante não estabelecer nenhum prazo, esta deverá ser manifestada imediatamente, sob pena de a oferta perder a força vinculativa (GOLÇALVES 2004, p.58)”. Uma explicação a respeito dessa forma de contrato é que “nenhum problema haverá, visto que as partes se encontrarão vinculadas no mesmo instante em que o oblato aceitar a proposta, isto é, assim que se tiver o acordo recíproco (DINIZ, 2007, p. 62)”. Dessa forma, os efeitos jurídicos do contrato começarão, quando houver  a união dos contraentes.

A dificuldade está no contrato inter absentes de saber em que momento se deve considerar efetivado o contrato, já que é feito por “correspondência epistolar ou telegráfica, com ou sem a intervenção dos serviços de correio (GONÇALVES, 2004, p. 58)”, a correspondência pode também ser feita pelo interessado ou por outra pessoa que tenha sido instruída a executar essa tarefa. A doutrina diverge acerca do momento em que a convenção foi efetuada, por isso vários critérios são apresentados pelos doutrinadores para fixar qual momento da obrigatoriedade do ato.

Teoria da informação ou cognição, os adeptos acreditam que no momento em que o ofertante tem conhecimento da aceitação do oblato, seria o perfeito contrato. Essa teoria tem por “inconveniente de deixar ao arbítrio do policitante o momento de abrir a correspondência e tomar conhecimento da resposta, positiva e geradora do vínculo obrigacional, favorecendo a fraude e a má fé do ofertante (DINIZ, 2007, p. 63)”, seria muito difícil para o aceitante provar a existência de fraude.

A segunda teoria a ser analisada é a da declaração ou da agnição “parte do princípio de que o contrato se aperfeiçoa no instante em que o oblato manifesta sua aquiescência à proposta (DINIZ, 2004, p. 63)”. Essa teoria subdivide-se em três: declaração propriamente dita; da expedição; e da recepção.

A subteoria da declaração propriamente dita defende que o vínculo obrigacional conclui-se no momento em que é formulada (através de carta, telegrama, fax) a resposta pelo aceitante. Tal entendimento é por demais exagerados pela dificuldade de se comprovar esse momento, além do fato de que o aceitante pode destruir a mensagem no lugar de mandá-la.

Para a teoria da expedição não é preciso somente o oblato redigir a resposta, sendo imprescindível que tenha saído do alcance deste. Evita o arbítrio dos contraentes da proposta e afasta dúvidas.

Por fim, tem-se a teoria da recepção que entende que o contrato se efetiva quando materialmente for recebida a resposta, ou seja, além de escrita e expedida, a resposta deve ter sido entregue ao destinatário.

Nosso estatuto civil, art.434 do CC acolheu a teoria da expedição, considerada por um grande número de juristas como a mais correta por atender melhor as necessidades referentes à vida, bem como o contrato entre ausentes tornam-se perfeitos no momento em que a aceitação é expedida.

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