O DESTINO DOS DELEGADOS DISTRITAIS NA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Por Felipe Genovez | 09/03/2018 | História

 

O fim dos “Delegados Distritais” ocorreu durante a gestão do Delegado  Heitor Sché (e Deputado Estadual) à frente da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Lei n. 6.416, de 04 de setembro de 1984) e teve como principal objetivo por fim as designações políticas de cidadãos civis para responderem por essas funções. Os "Distritos", criados por meio de legislações ordinárias, serviam de esteio para que a direção da Pasta da Segurança Pública pudesse convocar servidores públicos estaduais e federais, bem como cidadãos comuns para exercerem "funções" (gratificadas - ver art. 10, da Lei n. 5.266/76) de Delegados Distritais.

Anteriormente, o Decreto n. 27, de 08 de fevereiro de 1973 - mantendo a tradição - já previa essa possibilidade ao delegar competência ao Secretário de Segurança e Informações, dentre outras, para "designação e dispensa de (...) Delegado de Polícia Distrital (...)".

A Lei n. 5.266, de 21 de outubro de 1976, em seu arts. 9°. e 10, com a nova redação prevista pelo art. 14, da Lei Complementar n. 55, de 29 de maio de 1992, dispôs que:

"Art. 9°. - Militares da Polícia Militar, da Reserva das Forças Armadas e Inativos do Grupo: Polícia Civil, podem ser convocados pelo Secretário de Estado da Segurança Pública para desempenhar funções transitórias de responsável por Delegacia Distrital e outras de caráter excepcional relativo à segurança pública, com desempenho no Gabinete do Titular da Pasta". "Art. 10 - Aos Militares da Polícia Militar ou da Reserva das Forças Armadas e aos inativos do Grupo: Polícia Civil, quando no desempenho de suas funções, a que se refere o artigo anterior, receberão, a título de gratificação, respectivamente, a importância de um soldo, e de um vencimento básico do cargo em que se aposentou, e os Militares à disposição da Assessoria Militar do Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Pública terá gratificação a ser remunerada e disciplinada por decreto do Chefe do Poder Executivo".

A Lei  n. 6.416, de 21 de setembro de 1984, em seu art. 5°., dispôs expressamente sobre a revogação do art. 11, da Lei n. 5.266/76. Como conseqüência, fez extinguir as funções de Delegado Distrital, Suplente de Delegado e, ainda, de Inspetor de Quarteirão. No caso dos Delegados Distritais, o ex-Secretário de Segurança Pública, Deputado Heitor Sché teve como objetivo fazer extinguir a referida função e, assim, resguardar a carreira de Delegado de Polícia considerando a disposição prevista no art. 262 da Lei n. 6.843/66 (Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina: "O cargo de Delegado de Polícia é privativo de Bacharel em Direito, com curso de Criminologia na Academia da Polícia Civil”). Não obstante essa medida, criou-se um sério  problema, ou seja, como destituir os policiais civis que se encontravam na referida função? Nesse particular, afigura-se que houve tolerância por parte da administração, no sentido de fazer vistas grossas para aqueles policiais civis ativos e inativos que se encontravam na função, sendo assegurada que por algum tempo continuassem a perceberem a vantagem pecuniária. que vinham recebendo, inclusive, em razão da repercussão política. De outra banda,  isso gerou outro efeito colateral, ou seja, “como ficariam os convocados da reserva das força armadas que vinham há anos desempenhando relevantes funções em órgãos estratégicos da Polícia Civil (eram convocados para funções de Delegados Distritais e designados para atuar noutros setores), considerando, principalmente, a carência de pessoal?” A bem da verdade é que os “velhinhos” dormiram “Delegados Distritais” e acordaram abandonados a própria sorte. Durante alguns meses essas pessoas, com seus "terninhos", cabelos grisalhos e meio envergonhados se recusavam a acreditar que teriam que se desligar da Polícia Civil (um triste cenário eficazmente ignorado). 

Registre-se que o art. 14, da LC 55/92, com a nova redação ao art. 10, da Lei n. 5.266/78, fez ressurgir a referida função de Delegado Distrital, inclusive, restabelecendo a função exercida de fato por aqueles policiais civis ativos e inativos que foram tolerados nessa função, conforme disposto no parágrafo 2°., do referido dispositivo (alterado por meio do art. 23 da LC 254/03). O objetivo da inserção desse preceptivo foi também se corrigir uma injustiça com policiais civis antigos que há anos estavam designados para funções de Delegados Distritais que com o advento da Lei 6.416/84, a exemplo dos convocados das forças armadas, se viram desamparados do direito de agregarem a seus vencimentos os valores da vantagem que percebiam. Com a restauração desse dispositivo (art. 14 da LC 55/92) tiveram a oportunidade de buscarem vias administrativa e perante à Justiça a validação do direito à agregação (citamos o exemplo do Comissário de Polícia Arno Vieira).

Digamos, que a LC 55/92 veio abrir uma brecha na medida em que possibilitou novas convocações para funções de Delegados Distritais. Há alguns que entendem que a disposição que constava da LC 55/92, apesar de autorizar a convocação de servidores, inclusive, inativos para funções de responsável por Delegacia Distrital, não poderia criar tais funções sem antes criar os respectivos cargos, salvo no caso de designações de policiais civis. Ocorre que os "Distritos Policiais" deveriam ter sido objeto do Decreto n. 4.196/94 (criou a "Divisão Territorial de Polícia Judiciária"), ou por meio de Resolução do Delegado-Geral, o que acabou sendo inviabilizado. Havia questionamentos acerca do fato de que a criação de funções somente poderia ocorrer em número certo e determinado, considerando os reflexos nas despesas públicas, o que exigiria dotação orçamentária.

Esta era a redação original do art. 14 da LC 55 de 29 de maio de 1992 (revogada expressamente com o advento da LC 201, de 28.09.2000):

“Os arts. 9°  e 10 e parágrafos, da Lei n. 5..266, de 21 de outubro de 1976, permanecem em vigor com nova redação e os demais ficam revogados: ‘Art. 9°  Militares da Polícia Militar, da Reserva das Forças Armadas e Inativos do Grupo: Polícia Civil, podem ser convocados pelo Secretário de Estado da Segurança Pública para desempenhar funções transitórias de responsável por Delegacia Distrital e outras de caráter excepcional relativo à segurança pública, com desempenho no Gabinete do Titular da Pasta’; ‘Art. 10.  Aos Militares da Polícia Militar ou da Reserva das Forças Armadas e aos inativos do Grupo: Polícia Civil, quando no desempenho de suas funções, a que se refere o artigo anterior, receberão, a título de gratificação, respectivamente, a importância de um soldo, e de um vencimento básico do cargo em que se aposentou, e os Militares à disposição da Assessoria Militar do Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Pública terão gratificação a ser remunerada e disciplinada por Decreto do Chefe do Poder Executivo. §1°  A gratificação dos Militares da Reserva das Forças Armadas é calculada à base do soldo do Posto ou Graduação correspondente ao da Polícia Militar do Estado. §2° Aos atuais Delegados Distritais, aplica-se o disposto no "caput"  deste artigo, conforme o caso’”.

Também, passou a se considerar a disposição prevista no art. 37, I, II e IX, CF/88 que estabelece que:

“Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”, bem como a necessidade de concurso público para investidura nessas funções e a disposição legal acerca da contratação por tempo temporário para atender necessidade temporária de excepcional interesse público”.  

O termo "função" utilizado no dispositivo, a nosso ver não tem outro significado, senão corresponder às atribuições relativas ao cargo de Delegado de Polícia. Exsurge do princípio previsto, que se o cargo é privativo, também, o é a função. O jurista paulista Márcio Cammarosano, doutrina que "a propósito, é conhecida a assertiva de que não há cargo sem função, mas que pode haver função sem cargo" (in "Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro", Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1984, pág. 4). O referido jurista doutrina que o cargo e a função são institutos autônomos. Cada qual denota conceitos distintos, sendo que esta posição não é isolada, posto que a maioria dos juristas possuem o mesmo entendimento. A meu ver, a utilização da expressão no artigo em tela tem como único significado distinguir o conjunto de atribuições que decorrem do cargo público. Consiste, por assim dizer, num conjunto de atribuições especificadas pelo Estado a um determinado cargo público a ser preenchido por  pessoa física, para agir em seu nome. A Constituição Federal, no art. 37, I, também utiliza o termo "função", em se tratando de acessibilidade aos cargos públicos por parte dos cidadãos brasileiros, desde que preenchidos os requisitos legais.

Outro aspecto relativo às convocações para funções na Polícia Civil dizia respeito ao preceito contido no art. 37, XVI, CF/88 que proíbe a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houvesse compatibilidade de horários. Nesse caso, afigura-se-me que a locução “cargos” se estendia também a “funções”, muito embora devesse se respeitar entendimentos em contrário. Entretanto, por meio da Lei n. 12.384, de 16.08.2002 foi autorizado o Poder Público a convocar extraordinariamente policiais civis e militares para prestar serviços na Secretaria de Estado da Segurança Pública (DOE n. 16.973, de 20.08.2002). 

A partir da LC 201/2000, a Lei n. 5.266/76 restou totalmente revogada, também revogou o art. 1o, da Lei n. 5.429/78 (tratava das convocações para Delegacias Municipais).

Nos termos do art. 6°, da Lei n. 10.287, de 05.12.96, foi alterada a redação do art. 1°., da Lei n. 9.903, de 03.08.95, que passou a dispor sobre novas convocações, recuperando um pouco do espírito dos antigos "Delegados Distritais", conforme segue:

“Art. 1°. Fica autorizada a convocação de militares inativos que tiverem cumprido os requisitos do art. 31, da CE, tendo por base a previsão contida no art. 9°., da Lei n. 5.266, de 21 de outubro de 1976, com as alterações posteriores, para o desempenho de funções transitórias de caráter excepcional relativas à segurança pública, no tocante à manutenção da ordem e da segurança nos estabelecimentos penais, de responsabilidade da Secretaria da Justiça e Cidadania. Parágrafo único. A convocação será feita pela Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania com validade pelo prazo de 12 meses a partir do ato convocatório, observado o limite de 209 (duzentos e nove) convocações”.

O artigo 2°., dessa mesma Lei dispôs que aos militares convocados será concedido gratificação em importância correspondente ao valor de um soldo do posto de Segundo Tenente”.

 

JURISPRUDÊNCIA:

 “Mandado de Segurança – policiais militares convocados para exercerem funções na Secretaria de Segurança Pública – Gratificação correspondente a um soldo – LC 55/92 – Decreto governamental cassando os efeitos de todos os atos de convocação e designação – direito líquido e certo inexistente – ordem denegada, sem prejuízo do exercício das vias ordinárias visando à comprovação do direito” (MS 96.010288-4, Capital, Rel. Des. Alcides Aguiar, DJ 10.428, de 31.03.2000, pág. 36).