O desenvolvimento infantil nas teorias psicanalíticas de Freud, Klein e Winnicott
Por José Lima de Jesus | 16/12/2019 | PsicologiaNo desenvolvimento infantil proposto por Freud, o bebê nos seus primeiros meses se relaciona no seu narcisismo primário, auto-erotismo, ou seja, o bebê ainda não tem estrutura psíquica, para se relacionar o outro, visto que seu ego ainda é arcaico e, portanto, insuficiente para distinguir o “Eu” do “objeto”.
Se para Freud o bebê tem uma relação narcísica auto-erótica, para Klein há uma relação narcísica de objeto, que é uma relação do bebê com a mãe, e não com sua satisfação própria, a mãe o gratifica, e assim, o bebê cria o sentimento de “onipotência”.
Freud chamou de “sua majestade o bebê”. No decorrer dos meses com o distanciamento progressivo da mãe, o bebê começa a sentir a frustração, começa a experimentar a angustia de não ter uma satisfação imediata, a partir daí, começa a “alucinar”, essa é a gênese do desenvolvimento do aparelho psíquico. Freud, Klein e Winnicott, concordam que: “a frustração dá inicio ao desenvolvimento psíquico”.
Winnicott diz que é nesse momento que começa a integração entre psique/soma. Klein e Winnicott diferentemente da teoria do “auto-erotismo” entendem que a relação entre mãe e bebê como objetal. A mãe funciona como anteparo dando sustentação ao bebê holding e handling (Winnicott), exercendo as funções antitraumáticas, recebendo as angustias e fazendo a “maternagem” (Klein) para que nesses momentos o bebê sinta-se amado e seguro.
Winnicott diz que não existe mãe e bebê, como entidades separadas, mas sim, mãe/bebê, como amalgama, pois não há mãe sem bebê, e o bebê só existe a partir da relação com a mãe, a formação do psiquismo do bebê, se dá através da integração, ao olhar para a mãe, o bebê internaliza as expressões e os sentimentos, semelhante a um espelho, quando olha para a mãe, vê a si mesmo como reflexo. Se para Freud a relação inicial do bebê é baseada no auto-erotismo, os pós Freudianos entendem que a relação é objetal (a mãe e o ambiente), para Klein, o bebê expressa seus sentimentos através da identificação projetiva, diferentemente das fases em Freud, são as “posições” esquizoparanoide e depressiva.
O conceito de fantasia em Klein é “a expressão somática das angustias”, ou seja, “fantasia” não no sentido de “elaborar”, “imaginar”, mas sim, a forma que o bebê tem para expressar através do corpo suas angustias. Na posição esquizoparanoide (esquizo = dividido – Paranóide = Perseguido) o bebê através da fantasia, vai projetar na mãe suas angustias. Nesse período inicial do desenvolvimento, o ego ainda é arcaico e não tem capacidade de suportar a intensidade das angustias, assim, ele se divide através da identificação projetiva, com seus mecanismos: cisão, projeção, introjeção, negação e idealização.
Na posição depressiva o objeto é total, completo, esse período tem seu inicio em torno de 4-6 meses, se o bebê conseguiu internalizar mais o “seio bom”, ou seja, as experiências de gratificação foram superiores as de angustias, o núcleo do ego estará desenvolvido o suficiente para começar o processo de subjetivação, a percepção que a gratificação e a frustração são oriundas do mesmo objeto, a partir desse momento, começa a ter sentimentos de ciúmes, inveja e culpa, pois o objeto que odiou é o mesmo que ama, e o que tentou destruir é o que o gratificou, daí a necessidade de “reparação”.
Se em Freud o desenvolvimento psicossexual passa por 5 estágios, em Klein são duas posições e, em Winnicott é apenas o amadurecimento. O amadurecimento é linear, não regride a um estágio anterior nem muda de posição, em Winnicott, o dilema para o bebê é: viver ou não a experiência! O “não neurótico” ou psicótico, se dá pela experiência não vivida. Em Klein, surge quando há uma maior internalização do “seio mal” (experiência de frustração) do que o “seio bom” (experiência de gratificação).
Freud e Klein acreditam que desde o nascimento todos nascemos com pulsão de vida e pulsão de morte, se a quantidade de pulsão de vida (não se sabe quanto dessa pulsão cada um traz ao nascer) não for suficiente para que haja uma maior introjeção das boas experiências sobre as más, não haverá fortalecimento do “núcleo do ego”, como conseqüência, o bebê não faz a transição da posição esquizoparanoide para a depressiva.
Na posição esquizoparanoide a criança não sabe diferenciar o “eu” do “objeto”, na posição depressiva, começa perceber que o objeto que gratifica é o mesmo que frustra, assim, começa a aprender a simbolizar, dar sentido, elaborar suas frustrações. Na teoria kleiniana, essa lógica se estende a vida adulta, não é fixa, depende das circunstancias todos podem sair da posição depressiva para a esquizoparanoide, mas essa, não pode ser algo corrente, se o núcleo do ego foi bem formado, normalmente fica mais tempo na posição depressiva. A cisão pode ocorrer eventualmente, mas recobra-se a capacidade de integração.
Winnicott diz que para a criança aprender a simbolizar; e assim integrar corpo/mente, é preciso viver as experiências sem interrupção através do ambiente mediado pela “mãe suficientemente boa”. Em Winnicott a pessoa poderá ter uma estrutura “não neurótica”, se a mãe não for suficientemente boa, se as interrupções forem muito extensas e as angustias forem predominantes, assim, o bebê desenvolverá um “falso Self” que se sobreporá ao verdadeiro, consequentemente a criança não terá capacidade simbólica. O bebê desenvolve “Self” verdadeiro quando vive as experiências espontaneamente, para isso, é preciso que tenha condições para que as frustrações não sejam agudas e produzam “angustias inomináveis”.
O ego ainda arcaico vivenciará suas experiências e construirá seu Self, mas se houver interrupções com grande freqüência, o bebê desenvolverá um “Falso Self” como defesa para se adaptar ao ambiente. Dessa forma, a integração psique/soma ficará precária. Se a frustração é importante para a integração no desenvolvimento, a angustia que vai além da capacidade do ego suportar, faz com que o bebê viva a sensação de “desintegração”, a angustia de não existir.
A angustia fará com que haja um aceleramento da mente como tentativa de dar respostas para uma experiência que o bebê não tem estrutura egóica para simbolizar, como efeito, a mente se desenvolverá desconexa do corpo, assim, haverá um amadurecimento precoce, onde o desenvolvimento físico não acompanha o mental, a pessoa poderá se tornar com alta capacidade de reflexão (os ‘nerds’ normalmente são pessoas pouco sociáveis), mas precários de afetos. Se a frustração ajuda na construção do psiquismo, o excesso faz com que haja uma sobreposição da psique (mente) em relação ao soma (corpo).
Freud, Klein e Winnicott concordam que é preciso um ambiente suficientemente bom para que a criança se desenvolva, não é a ausência de frustrações, mas que as representações internalizadas de gratificação sejam em maior proporção que as más (Freud), que haja maior internalização do seio bom do que o seio mal (Klein) e; a mãe seja suficientemente boa na mediação com o ambiente para que haja condições do bebê criar o objeto transicional, adquirir capacidade de simbolizar, para assim, suportar suas frustrações e desenvolver o seu verdadeiro Sefl (Winnicott).
O "não neurótico" em Klein, internalizou mais as experiências do “seio mal” do que a do “seio bom”, ou seja, introjetou mais as experiências de frustração do que gratificação. Se a excitação for excessiva, o ego não suportará; como defesa, ele se divide, volta à posição esquizoparanoide. Na clinica kleiniana, é preciso ajudar o paciente voltar à posição depressiva para então sintetizar, unificar o “seio bom” e o “seio mal”.
O trauma em Freud é a fuga de uma experiência devido o ego não ter maturidade suficiente para suportar a angustia. Na clinica freudiana da neurose é preciso: “trazer o passado para o presente”, a representação precisa romper as barreiras do recalque para que haja elaboração. Na psicose, o paciente regride a uma fase arcaica do desenvolvimento, isso porque, seu aparelho psíquico não tem capacidade simbólica, assim, não tem como elaborar o trauma, é preciso um setting que vá para além da associação livre, é preciso uma "maternagem" (Klein) ou um Holding e Handling (Winnicott).
Analista e ambiente precisam dar sustentação para que o paciente possa atualizar o trauma através da transferência, ajudar o paciente a elaborar a vivência que o ego não suportou (Freud), mudar da posição "esquizoparanoide" para a "depressiva" (Klein) ou, fazer com que viva a experiência que não foi vivida, preencha o "buraco" causado pela ruptura na continuidade da existência do Ser (Winnicott).
Na clinica Winnicottiana é preciso que o paciente “não neurótico” viva a experiência que não foi vivida, seu sofrimento é pela experiência que não viveu, a psicose é efeito de uma experiência não realizada, e por isso, a angustia de não poder elaborar. No setting, o analista precisa exercer a função da “mãe suficientemente boa”, fazer o “holding” e o “handing” para que o ambiente proporcione sustentação ao paciente, para que ele viva a experiência que não pode vivenciar, dê continuidade de onde parou, é preciso continuar a existir.