O DESENVOLVIMENTO DA SOCIALIZAÇÃO NAS CRIANÇAS PORTADORAS DE AUTISMO INFANTIL E SÍNDROME DE ASPERGER
Por Cláudia Facchin | 20/05/2011 | PsicologiaUNIVERSIDADE FUMEC
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS - FCH
CLÁUDIA TERESINHA FACCHIN
O DESENVOLVIMENTO DA SOCIALIZAÇÃO NAS CRIANÇAS
PORTADORAS DE AUTISMO INFANTIL E SÍNDROME DE ASPERGER
BELO HORIZONTE
2009
UNIVERSIDADE FUMEC
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
CLÁUDIA TERESINHA FACCHIN
O DESENVOLVIMENTO DA SOCIALIZAÇÃO NAS CRIANÇAS
PORTADORAS DE AUTISMO INFANTIL E SÍNDROME DE ASPERGER
Monografia apresentada ao Departamento de Pós-Graduação da Universidade FUMEC - Departamento de Neuropsicologia - como requisito parcial para obtenção do título de neuropsicóloga.
Orientadora: Carla Monteiro Girodo
BELO HORIZONTE
2009
"Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos"
William Shakespear
Agradeço a Deus por mais esta extraordinária oportunidade de aprendizado.
Dedico este trabalho à minha paciente autista, com quem tanto tenho aprendido, e por ter despertado em mim a motivação e a inspiração para escrevê-lo;
e também a seus pais por a terem trazido até mim.
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre o desenvolvimento da socialização nas crianças portadoras de autismo infantil e síndrome de Asperger, bem como avaliar a relação existente entre o potencial cognitivo, e o desenvolvimento da socialização nestas crianças. Autismo infantil e a síndrome de Asperger são Transtornos Globais do Desenvolvimento caracterizados por alterações nas habilidades comunicativas, e sociais e originam-se de alterações precoces e fundamentais no processo sociocognitivo, provocando diversos impactos no desenvolvimento da comunicação e da interação social, entre outros comprometimentos.
Os resultados deste estudo demonstraram que de maneira geral, o desempenho cognitivo está relacionado ao desenvolvimento da socialização nas crianças autistas e portadoras de síndrome de Asperger. Observa-se notadamente um melhor desempenho no desenvolvimento social das crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger, com capacidade cognitiva dentro da faixa de normalidade, em relação às crianças autistas com prejuízo cognitivo. Entretanto, não existe ainda um consenso em relação a esta questão, sendo necessário que pesquisas futuras continuem investigando que variáveis poderiam influenciar o desenvolvimento das habilidades sociais nestes indivíduos.
PALAVRAS-CHAVE: síndrome de Asperger; autismo; cognição social; intervenção terapêutica.
ABSTRACT
This study aims at reviewing the literature about the social developmet of autistic and Asperger syndrome children, as well as analysing the relationship between the cognitive potential and the social development between these children. Autism disorder and Asperger Syndrome are common neurodevelopmental disorders that is characterized by a broad continuum of severity with impairments in social interactions, communication abilities and originates by early and fundamental alterations at the social-cognitive process. It causes several in the communication and in the social interaction development.
The results of this study suggest that, the cognitive behaviour is connected to the social development on those autistic and Asperger children. It can be noted better results in the social development of high functioning autistic children and Asperger syndrome children whose cognitive capacities are normal when comparing with autistic children with cognitive impairment. Despite of that, this finding is not a consensus. Future research is necessary to investigate this question and the variables that could influence the development of the social abilities in those children.
KEY-WORDS: Asperger syndrome; autism; social cognition; terapeutic intervention
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 16
TABELA 2 17
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1- AUTISMO INFANTIL E SÍNDROME DE ASPERGER 13
1.1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS 13
1.2 - AUTISMO INFANTIL 18
1.3 - SÍNDROME DE ASPERGER 20
2 - COGNIÇÃO SOCIAL 22
2.1 - TEORIA DA MENTE 26
2.2 - AUTISMO, SÍNDROME DE ASPERGER E COGNIÇÃO SOCIAL 30
2.3 - AUTISMO DE ALTO FUNCIONAMENTO, SÍNDROME DE ASPERGER E SOCIALIZAÇÃO 36
3 - INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS 39
3.1 PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL EM AUTISMO DE ALTO FUNCIONAMENTO
E SÍNDROME DE ASPERGER 40
4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 44
REFERÊNCIAS 48
INTRODUÇÃO
O autismo infantil e a síndrome de Asperger pertencem a uma classe denominada de Transtornos Globais do Desenvolvimento que apresentam em comum, alterações nas habilidades comunicativas, falhas na interação social recíproca e presença de estereotipias de comportamento, interesses e atividades, sendo que os prejuízos qualitativos que definem estas condições representam um desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do indivíduo. (DSM IV ? TR, 2002)
Questões referentes ao desenvolvimento da interação social e sua relação com os aspectos cognitivos nas crianças autistas tem sido amplamente estudadas nos últimos anos. (BARON-COHEN, 2000; LOPES-HERRERA, 2004 KLIN, 2006; SAULNIER E KLIN 2007). Alguns autores sugerem o melhor desempenho no desenvolvimento social das crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger em relação às crianças autistas com prejuízo cognitivo. (LOPES-HERRERA, 2004; STANLEY, KONSTANTAREAS, 2007; MELO et al, 2007).
O processo de desenvolvimento social da criança é um ponto de grande importância dentro do processo global de desenvolvimento do indivíduo. Todas as ocorrências de interação social precoce são de extremo valor para a criança, uma vez que representam oportunidades que possibilitam o exercício de habilidades sociais, no plano real ou imaginário, facilitando a sua utilização em idades posteriores. (CARVALHO, 2000; LAMPREIA, 2007; FRITH E FRITH, 2007)
Como o maior prejuízo apresentado pelas crianças autistas e portadoras de síndrome de Asperger refere-se justamente às áreas de interação social e comunicação, (LOPES-HERRERA, 2004; KLIN, 2006; COLLE, BARON-COHEN, 2006) e como se observa que este prejuízo é proporcionalmente mais grave nas crianças autistas com rebaixamento na capacidade cognitiva, principalmente naquelas em que a severidade do quadro autístico compromete o processo de imitação do comportamento social, torna-se necessário o estabelecimento da relação existente entre o grau de capacidade cognitiva e o desenvolvimento da socialização nestas crianças. Outra questão importante é avaliar quais as áreas da cognição são mais relevantes ou mais diretamente relacionadas ao desenvolvimento da socialização, ou seja, até que ponto e de que maneira a capacidade cognitiva exerce influências sobre o desenvolvimento da socialização nestas crianças.
Para isso, foram elencadas algumas perguntas para nortear o nosso trabalho:
 A inabilidade das crianças autistas e com síndrome de Asperger em imitar o comportamento de seus pares em idade precoce traria prejuízos irreversíveis no desenvolvimento futuro da socialização?
 Até que ponto os déficits na interação social poderiam privar estas crianças de experiências importantes, comprometendo o seu desenvolvimento simbólico futuro?
 Crianças autistas de alto funcionamento e síndrome de Asperger apresentariam um melhor desenvolvimento da interação social precoce por apresentarem capacidade cognitiva dentro da normalidade?
 Esta capacidade cognitiva poderia favorecer o processo de imitação, criando melhores condições para o desenvolvimento posterior da socialização?
 Que habilidades cognitivas poderiam estar envolvidas neste processo?
 É possível intervir terapeuticamente com no sentido de promover ou aumentar o desenvolvimento da socialização em crianças autistas e com síndrome de Asperger?
O presente estudo teve como objetivo analisar estudos que abordem o desenvolvimento da socialização nas crianças portadoras de autismo infantil e síndrome de Asperger. Além disso, pretendeu-se verificar a relação existente entre desempenho cognitivo e socialização, avaliando qual é o grau de importância que a capacidade cognitiva exerce sobre o desenvolvimento da socialização, uma vez que se observa que as crianças portadoras de autismo de Alto Grau de Funcionamento e síndrome de Asperger, com nível cognitivo normal ou próximo do normal, demonstram um melhor desenvolvimento e adaptação social do que as crianças autistas com algum grau de retardo mental.
O estudo foi baseado em pesquisa bibliográfica sobre o tema, realizada por meio de busca eletrônica e, também, por intermédio de livros e artigos publicados em revistas especializadas: Bireme; Lilacs; Medline; Cochrane; Scielo; compreendidas entre o período de 1943 e 2008.
A amostra compreendeu as publicações ? livros e artigos ? sobre autismo e síndrome de Asperger, tendo em vista apresentar o conceito destes transtornos em seu contexto histórico. O material foi selecionado a partir de uma leitura prévia, escolhido por meio do seguinte critério de inclusão: abordagem do tema autismo e síndrome de Asperger; socialização e cognição; idioma de publicação: livros publicados em português e artigos publicados ? na íntegra ? em português e/ou inglês; modalidade de produção científica: foram incluídos livros e artigos científicos pertinentes ao tema, tendo como critério norteador as perspectivas da criança autista e portadora de síndrome de Asperger e sua socialização.
1. AUTISMO INFANTIL E SÍNDROME DE ASPERGER
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O autismo infantil pode ser definido como um transtorno global do desenvolvimento, caracterizado pelo comprometimento na interação social, comunicação e comportamento focalizado e repetitivo (CID 10, 1996), que se manifesta precocemente, antes dos 36 meses de idade, e de etiologia pouco conhecida até o presente momento. (DSM IV ? TR, 2002; SCHMIDT, BOSA, 2003; BOSSA, 2006; KLIN, 2006) Pertence a um quadro de desordens mais abrangente denominado de Transtornos Globais do Desenvolvimento que reúne crianças cujo comportamento caracteriza-se por falhas na interação social recíproca; dificuldade na comunicação e comprometimento da imaginação com repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. O prejuízo de interação social recíproca e na linguagem verbal e não verbal, seriam aspectos centrais destes transtornos que englobam o transtorno autista, o transtorno de Rett, o transtorno de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento sem outras especificações (DSM-IV ? TR, 2002). Este grupo de transtornos foi denominado de espectro autístico por Lorna Wing (1988) e complementado mais tarde por Bishop (1989), devido ao fato de os indivíduos portadores destes transtornos apresentarem manifestações semelhantes, dentro de um continuum, com variados graus de severidade. Estes autores propunham a definição de uma entidade nosológica única para os quadros de autismo infantil - de baixo ou alto funcionamento, juntamente com a síndrome de Asperger uma vez que a diferenciação destes quadros estaria na intensidade das alterações de linguagem, déficits cognitivos e interação social.
O autismo foi descrito pela primeira vez em 1942 pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner, e publicado em 1943 no artigo intitulado "Autistic Disturbance of Affective Contact" (Distúrbios autísticos de contato afetivo) baseado na observação de 11 crianças que apresentavam características comuns tais como incapacidade de se relacionarem com outras pessoas; ausência de contato afetivo; severos distúrbios de linguagem, com presença de ecolalia e inversão pronominal, e comportamento repetitivo e esteriotipado com intolerância à mudanças. (KANNER 1943). Embora houvesse grande variação no grau dos distúrbios, a inabilidade no relacionamento com pessoas ou situações era um ponto comum em todas elas. Um ano mais tarde, ele denomina este distúrbio como "autismo infantil precoce", por observar que tais sintomas se manifestavam antes dos 30 meses de idade. (BALTIMORE; KANNER, 1944; LOPES-HERRERA, 2004).
O caso das onze crianças estudado por Kanner destacou como denominador comum, alto nível intelectual e sociocultural dos pais das crianças avaliadas, além disso, notava-se um comportamento frio e obsessivo nas relações familiares ? entre casais e/ou pais e filhos. Contudo, Kanner também questionou o papel da psicopatologia parental como possível etiologia do autismo, concluindo que o autismo origina-se de uma incapacidade inata de estabelecer o contato afetivo habitual e biologicamente previsto com as pessoas, mas não excluiu a importância dos aspectos ambientais no desenvolvimento (SCHMIDT , BOSA, 2003).
A partir de 1976, com o estudo realizado por Ritvo, surgem as primeiras alterações da concepção realizada por Kanner. Ritvo (1976) associa o autismo a um déficit cognitivo, considerando-o como um distúrbio do desenvolvimento. Esta teoria foi reforçada, posteriormente, por Burack (1992), ao afirmar que o autismo tem sido, nos últimos anos, abordado sob o enfoque desenvolvimentista, relacionando-o com a deficiência mental.
Em 1944, um ano após o relato inicial de Kanner, outro médico austríaco, Hans Asperger, sem tomar conhecimento do trabalho por ele realizado, descreve um quadro similar sob a denominação de "psicopatia autística" (ASPERGER, 1994; LOPES-HERRERA, 2004). Ele aponta como características principais do quadro, alterações na comunicação verbal e não verbal, inclusive da expressão facial, e dificuldades de contato, ou seja, na área da linguagem e do comportamento social. Mesmo sem apresentar problemas de ordem intelectual, as crianças apresentavam uma notável pobreza na comunicação não-verbal, que envolvia tanto gestos como tom afetivo de voz, empatia pobre e uma tendência a intelectualizar as emoções, uma inclinação a ter uma fala prolixa, em monólogo e às vezes incoerente, uma linguagem tendendo ao formalismo ? denominado por Asperger como ?pequenos professores? ? interesses que ocupavam totalmente o foco de atenção envolvendo tópicos não-usuais que dominavam sua conversação, e incoordenação motora (KLIN, 2006).
Embora os estudos de Asperger não tenham tido a mesma repercussão de Kanner, por terem sido escritos durante o período de guerra e terem ficado restritos à língua alemã, ambas as descrições são relevantes, sendo que a síndrome de Asperger foi reconhecida internacionalmente na década de 90, no "Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição" (DSM-IV,1995), como uma classificação distinta do autismo.
Nas observações realizadas por Kanner e Asperger, embora as crianças avaliadas apontassem diferenças relevantes em relação ao uso da linguagem nos dois quadros, assemelhavam-se em relação ao comportamento, especialmente no que se refere ao apego a objetos e rotinas e às falhas na interação social, apesar de existirem relatos de melhor relacionamento social na síndrome de Asperger.
As crianças descritas no trabalho de Asperger não eram tão retraídas ou alheias, como aquelas descritas no trabalho realizado por Kanner. Além disso, elas também desenvolviam, às vezes precocemente, uma linguagem altamente correta do ponto de vista gramatical, impossibilitando o diagnóstico desta síndrome nos primeiros anos de vida (KLIN, 2006).
O diagnóstico tanto do autismo quanto da síndrome de Asperger é essencialmente clínico, isto é, é feito por meio de observações que caracterizam o quadro, de aspectos comportamentais, e análise do histórico de vida do paciente, e devem obedecer aos critérios internacionalmente reconhecidos. O mais recente esquema de diagnóstico utilizado é o descrito no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, revisado, (DSM-IV-TR, 2002) da Associação Americana, bem como o da Classificação Internacional de Doenças, décima revisão, (CID-10). Essas classificações passaram a denominar o Autismo Infantil com o nome de Transtorno Autista. (Tabelas 1 e 2).
TABELA 1
Critério diagnóstico para Transtorno Autista (DSM-IV - TR, 2002)
A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3):
1) Comprometimento qualitativo da interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes aspectos:
(a) comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social,
(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento,
(c) ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por exemplo, não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse),
(d) ausência de reciprocidade social ou emocional.
2) Comprometimento qualitativo da comunicação, manifestado por pelo menos um dos seguintes aspectos:
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de compensar por meio de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica,
(b) em indivíduos com fala adequada, acentuado comprometimento da capacidade de iniciar ou manter uma conversa,
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática;
(d) ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos próprios do nível de desenvolvimento.
3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes aspectos:
(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse, anormais em intensidade ou foco,
(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais,
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (p. ex., agitar ou torcer mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo),
(d) preocupação persistente com partes de objetos.
B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.
C. A perturbação não é melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno Desintegrativo da infância.
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DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed., rev. Trad. Cláudia Dornelles. Porto Alegre: Artmed, 2002.
TABELA 2
Critério diagnóstico para Transtorno de Asperger (DSM-IV - TR, 2002).
A. Comprometimento qualitativo da interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes quesitos:
1) Comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social,
2). Fracasso em desenvolver relacionamentos apropriados ao nível de desenvolvimento com seus pares
3) Ausência de tentativas espontâneas de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (p. ex. não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse a outras pessoas)
4) Ausência de reciprocidade social ou emocional
B. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes quesitos:
1) insistente preocupação com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesses, anormal em intensidade ou foco,
2) adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não funcionais,
3) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (p. ex., dar pancadinhas ou torcer as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo),
4) insistente preocupação com partes de objetos,
C. A perturbação causa comprometimento clinicamente importante nas áreas social e ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.
D. Não existe um atraso geral clinicamente importante na linguagem (p.ex., utiliza palavras isoladas aos 2 anos, frases comunicativas aos 3 anos).
E. Não existe um atraso clinicamente importante no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de habilidades de autocuidados próprios da idade, no comportamento adaptativo (outro que não na interação social) e na curiosidade acerca do ambiente na infância.
F. Não são satisfeitos os critérios para um outro Transtorno Global do Desenvolvimento ou Esquizofrenia.
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DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed., rev. Trad. Cláudia Dornelles. Porto Alegre: Artmed, 2002.
1.2 AUTISMO INFANTIL
Se utilizarmos os critérios aceitos atualmente para definir o autismo, verificamos que este não é um distúrbio raro. A prevalência de autismo, dependendo dos critérios de inclusão, tem variado de 40 a 130 por 100.000, ocupando o terceiro lugar entre os distúrbios do desenvolvimento, na frente das malformações congênitas e da síndrome de Down. (GILBERG, 1992; FROMBONNE, 2002; GADIA, TUCHMAN, ROTTA, 2004). Entretanto, dentro deste contexto, encontramos uma variação notável na expressão dos sintomas e um enorme leque de manifestações, com diferentes graus de severidade e comprometimento cognitivo que geram um considerável potencial para diagnósticos equivocados, especialmente nos extremos dos níveis de funcionamento intelectual.
Mesibov e Shea (1996) afirmam que o diagnóstico do autismo é evidenciado por número, gravidade, combinação e interação de problemas, que resultam em deficiências funcionais significativas. Portanto, trata-se de um compósito de déficits, não uma característica isolada.
Estima-se que de 60 a 70% das crianças autistas apresentem retardo mental, o que se denomina "baixo funcionamento". (KLIN, 2006). Estas crianças caracterizam-se normalmente pela mudez completa ou em grande parte, e pelo isolamento social extremo ou com poucas e débeis incursões sociais sendo que as que se desenvolvem um pouco mais podem aceitar a interação social passivamente, mas não a procuram. Nesse nível, pode-se observar alguma linguagem espontânea. Entre as que possuem um grau um pouco mais alto de funcionamento e são um pouco mais velhas, observa-se um estilo de vida social diferente, no sentido de que elas podem interessar-se pela interação social, mas não podem iniciá-la ou mantê-la de forma típica (KLIN, 2006). Os casos mais severos costumam apresentar os primeiros sintomas logo no início da vida, portanto, é plausível supor que essas características exerçam um impacto no cotidiano das famílias e nas relações entre seus membros (BOSA, 2003).
Um pequeno grupo de crianças autistas, conhecidas como "autistas de alto funcionamento", apresentam linguagem comunicativa e capacidade cognitiva dentro da normalidade, com sintomas autísticos menos deficitários, permitindo melhor adaptação social e condições de manifestar suas preferências, tomar decisões e comunicá-las. (KANNER, 1943; ELIAS, ASSUMPÇÃO, 2006).
As alterações mais evidentes observadas no autismo, referem-se à área da linguagem, seja pela ausência ou atipicidade da fala, seja pela presença de fala sem função comunicativa. (LOPES-HERRERA, 2004). Algumas características são típicas na linguagem das crianças autistas, tais como a inversão pronominal, a ecolalia (imediata ou tardia), a rigidez de pensamento e a dificuldade na compreensão da linguagem figurada ou abstrata. Mesmo nas crianças autistas falantes, a função pragmática da fala está de alguma forma comprometida ou limitada, gerando prejuízos importantes na interação social e consequentemente na evolução da criança em todas as áreas do desenvolvimento. As dificuldades de comunicação nas crianças autistas antecedem a linguagem oral sendo que já nos primeiros anos de vida observa-se a falta de responsividade aos estímulos externos, a limitação ou ausência do contato visual e poucas respostas à fala humana. (MELLO, MIRANDA, MUSKAT, 2005)
As limitações comunicativas variam conforme o grau de severidade do quadro clínico, indo desde a ausência completa de interação comunicativa, até a fala aparentemente normal com uma estruturação sintática e lexical pouco comprometida. Contudo, nos padrões de aquisição e desenvolvimento da linguagem dessas crianças, ocorrem não apenas um atraso, mas desvios semânticos (significados), sintáticos (estruturação frasal) e pragmáticos (funcionalidade da linguagem). Como a comunicação envolve aspectos sociais, cognitivos, perceptuais, motivacionais e emocionais, mesmo que o vocabulário e a sintaxe estejam relativamente preservados, a comunicação provavelmente ficará prejudicada, uma vez que há prejuízos na compreensão das pistas sociais e dos aspectos abstratos e metafóricos da língua. (HOWLIN, 1987).
Bishop (1989) afirmou que os prejuízos na linguagem das crianças autistas atingem tanto o nível verbal quanto o nível não verbal, uma vez que a associação das dificuldades semântico-pragmáticas com as dificuldades sociais gera um prejuízo muito mais de comunicação do que de linguagem.
No que se refere ao comprometimento da interação social, este se caracteriza por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas, onde se observam dificuldades na espontaneidade, imitação, jogos sociais e uma inabilidade em relacionar-se com companheiros da mesma idade; além disso, nota-se o comprometimento acentuado no uso de comportamentos verbais e não-verbais, e falta de reciprocidade social e emocional (BOSA, 2003).
Para Hobson (1995), a interação social do indivíduo autista é seriamente prejudicada pela limitação ou deficiência na sua capacidade de ter um "sentido da relação pessoal" e de experimentar essa relação, ou seja, o indivíduo autista apresenta um prejuízo na capacidade de criar um significado para a interação social e conseqüentemente para participar dela.
1.3 SÍNDROME DE ASPERGER
Segundo Klin (2006), a síndrome de Asperger caracteriza-se por prejuízos na interação social, bem como interesses e comportamentos limitados, entretanto, seu curso de desenvolvimento precoce está marcado pela falta de qualquer retardo clinicamente significativo na linguagem falada ou na percepção da linguagem, no desenvolvimento cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na curiosidade sobre o ambiente. (KLIN, 2006).
Outros autores, entretanto, contestam a existência de um desenvolvimento normal da linguagem, pois, apesar das crianças com síndrome de Asperger apresentarem os aspectos formais da linguagem preservados, a compreensão como um todo estaria comprometida, uma vez que demonstram uma tendência a compreender literalmente o que lhes é dito, não abstraindo o conteúdo metafórico da língua. Este aspecto é especialmente importante em relação ao uso pragmático da linguagem, uma vez que, os indivíduos com síndrome de Asperger não conseguem abstrair o duplo sentido das expressões lingüísticas, o que acarreta uma série de dificuldades no estabelecimento de relações interpessoais. Dessa maneira percebe-se que, embora os indivíduos com síndrome de Asperger procurem o contato social, não apresentando o isolamento tipicamente observado em crianças autistas, eles não conseguem estabelecer uma interação social satisfatória, uma vez que "decoram" as regras sociais e as palavras ou expressões apropriadas para cada situação, dando a impressão de embotamento afetivo.´(SCHWARTZMAN, 1992; LOPES-HERRERA, 2004).
Klin (2006) observa que na síndrome de Asperger, há interesses circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da atenção do indivíduo. A tendência a falar em monólogo, e a incoordenação motora, também são aspectos típicos da condição, mas não são fatores imprescindíveis para o diagnóstico.
A fala pedante, ou seja, o uso de palavras pouco usuais para a idade, é outra característica marcante das crianças com a síndrome de Asperger, provocando um tom falso ou pouco espontâneo. (LOPES-HERRERA, 2004).
De acordo com Howlin (1987), as crianças com síndrome de Asperger "falam como adultos" ou seja, fazem o uso de palavras pouco usuais para sua idade, porém na maioria das vezes fora de contexto, até mesmo nos estágios iniciais do desenvolvimento da linguagem, apesar de manterem um nível de interação lingüística simples (tipo pergunta-resposta) e utilizarem preferencialmente o meio verbal de comunicação em detrimento do uso de outras pistas comunicativas. A entonação é geralmente atípica e pouco melódica. Em um levantamento mais recente, Howlin (2003), analisando os estudos que comparam o autismo de alto funcionamento e a síndrome de Asperger, constatou que os autistas de alto funcionamento apresentariam maiores déficits nas habilidades sociais e de linguagem, e mais interesses bizarros, estereotipias e alterações no desenvolvimento inicial de linguagem. Os indivíduos com síndrome de Asperger por outro lado, apresentariam maior número de desordens de pensamento, alterações motoras e associação de patologias psiquiátricas, apresentando também melhor desempenho em testes verbais (de memória verbal e de habilidades verbais), sendo que não manifestariam problemas no desenvolvimento inicial da linguagem. (LOPES-HERRERA, 2004)
2. COGNIÇÃO SOCIAL
No início dos anos 70, Lamb e Sherrod (1981) iniciaram as pesquisas no campo da cognição social definindo-a como a forma através da qual os indivíduos percebem e compreendem outras pessoas. Esses autores salientaram que a cognição social situa-se na intersecção das áreas perceptiva, cognitiva, social, emocional, e do desenvolvimento da personalidade.
Forgas (2001) sugere que pesquisas realizadas nos últimos anos, principalmente no campo da Neurociência, apontam para o fato de que a cognição e o afeto são áreas intimamente entrelaçadas e inseparáveis do desenvolvimento social humano, uma vez que as emoções possuem um papel importante na adaptação social e apresenta importantes efeitos na cognição, tanto nos processos de pensamento, (como pensamos), quanto no conteúdo do pensamento, (no que pensamos).
Poderíamos assim compreender a cognição social como sendo um processo que norteia a nossa interação interpessoal, orientando-nos a escolher a conduta adequada frente a cada situação específica. A cognição social envolve habilidades cognitivas extremamente sofisticadas, particularmente no campo lingüístico e perceptivo, exigindo um alto grau de flexibilidade e abstração por parte do indivíduo, diferenciando-o subjetivamente em seu grupo social. (TOMASELLO , 2003; BRANTS, 2008)
Segundo Fu, et all (1987), a cognição social vai além da simples percepção e inferências sobre outras pessoas, envolvendo a compreensão da interação entre os próprios sentimentos, pensamentos e ações, em si mesmo e nos outros. Eles afirmam que a organização dos conceitos sociais e a habilidade de integrar e coordenar perspectivas são elementos fundamentais para a compreensão dos laços sociais. (RAMIRES, 2003).
Sperber e Wilson (1995) postulam que uma característica essencial da maior parte da comunicação humana, verbal ou não verbal, é a expressão e o reconhecimento de intenções, ou seja, toda forma de comunicação é interpretada pelo ouvinte como manifestações dos pensamentos e das intenções de quem as produziu, uma vez que o ouvinte está mais interessado nas intenções de quem está falando do que no sentido literal das suas palavras propriamente ditas. (HAPPE,1995)
Diante de uma grande variedade de estímulos, o indivíduo faz uso de suas crenças e conceitos armazenados na memória para escolher algumas suposições em lugar de outras e priorizar os estímulos que são relevantes para ele naquele momento. Um estímulo é relevante para um indivíduo quando, mediante a análise de suas experiências anteriores, produz respostas para uma questão que ele tinha em mente, como por exemplo, aumentar seu conhecimento em certo tópico, esclarecer uma dúvida, confirmar uma suspeita, ou corrigir uma impressão equivocada. (SPERBER e WILSON, 1995)
Portanto, entender as intenções é fundamental, não apenas para compreender a linguagem figurada, mas também, para compreender as conotações e motivações existentes por trás de todo tipo de comunicação. (HAPPE, 1995).
É essencial reconhecer que a capacidade de uma criança em interagir com o ambiente social precede o marco do desenvolvimento da comunicação intencional. Antes do desenvolvimento da linguagem verbal, a capacidade de atenção conjunta de uma criança também antecede a sua habilidade de comunicar-se, não apenas para fins baseados na necessidade imediata, mas também para fins sociais, tais como o de apontar um objeto para compartilhar a observação. (KLIN et al, 2006).
As etapas pré-lingüísticas da aquisição da linguagem se evidenciam pela capacidade da criança em interagir socialmente, através da coordenação e mudança do foco de atenção entre pessoas e objetos, do compartilhamento e interpretação do afeto ou estados emocionais e, eventualmente, do uso de gestos, juntamente com o contato físico ou um olhar fixo para enviar deliberadamente uma mensagem à outra pessoa.
Hobson (2002) considera que o bebê humano já nasce responsivo à emoção dos outros, assim como emocionalmente expressivo permitindo, desde o nascimento, seu engajamento afetivo e social nas interações. Mais tarde, por volta dos nove meses de idade, ele passa compartilhar interesses através da atenção compartilhada. O bebê desenvolve, então, diversas habilidades, tais como: seguir com os olhos, apontar, mostrar e imitar. (CARPENTER, NAGELL & TOMASELLO, 1998; LAMPREIA, 2007).
A atenção compartilhada tem sido considerada a mais importante habilidade dos bebês por ser a precursora da compreensão das intenções comunicativas dos outros, da imitação e da linguagem. (LAMPREIA, 2007)
Carpenter e Tomasello (2000) afirmam que a linguagem parece emergir de atividades não lingüísticas de atenção compartilhada. Para adquirir um símbolo, a criança precisa ser capaz de compreender a intenção comunicativa do outro e se engajar em imitação com inversão de papéis. Isso significa que a criança precisa ser capaz de decifrar as intenções do outro sendo necessário compreender em quê o adulto quer que ela focalize, através da atenção compartilhada. (LAMPREIA, 2007).
Em um estudo recente, Frith e Frith (2007) destacam a notável capacidade do cérebro humano para processar os sinais sociais. Estes sinais representam a maior fonte de aprendizado sobre o comportamento das outras pessoas e é a base fundamental para a criação de um mundo social compartilhado. Segundo elas, os sinais sociais podem ser processados automaticamente pelo cérebro e transmitidos inconscientemente nas relações sociais, sendo responsáveis por praticamente toda a aprendizagem social no primeiro ano de vida. O aprimoramento perceptivo dos sinais sociais, entretanto, envolve um esforço consciente de reflexão e aprendizagem tanto em relação ao efeito do nosso comportamento sobre os outros, quanto à capacidade de perceber e fazer inferências a respeito do ponto de vista das outras pessoas.
Assim sendo, a aprendizagem tem um papel fundamental no processo da socialização, pois é necessário reconhecer o significado dos sinais sociais inerentes às relações sociais de forma que o emissor e o receptor decodifiquem as mensagens não verbais subjacentes aos sinais, tornando a comunicação efetiva. A cognição social, portanto, desempenha um papel fundamental na criação de um universo compartilhado, onde as pessoas possam interagir e se relacionar socialmente. (FRITH, FRITH, 2007).
Carvalho (2000) demonstrou que desde muito cedo, a criança começa a estabelecer relações com quem cuida dela e, a partir deste contexto, é que ocorre a maior parte da socialização. A aquisição das habilidades lingüísticas e emocionais é bastante influenciada pelas pessoas próximas à criança, não só nas relações que ela observa, mas também naquelas em que participa, fornecendo modelos importantes que serão usados na construção das suas futura relações. Através das brincadeiras com outras crianças, podemos observar padrões de proteção e cuidado, que imitam o comportamento do adulto, emergirem a partir do primeiro ano de vida. Os fatores relacionados ao ambiente em que a criança vive influenciam diretamente na manifestação desse comportamento e assim, "brincar de cuidar" torna-se particularmente importante para o desenvolvimento da criança, pois representa uma oportunidade de exercício das habilidades pró-sociais, no plano real ou imaginário, facilitando a manifestação delas em idade posterior.
Gallese (2003) examinou três aspectos fundamentais das relações interpessoais: a imitação, a empatia e a atribuição de intenções. Ele sugere que estes diferentes níveis e modos de interação compartilham, em um nível básico, uma característica comum crucial constituída a partir de um espaço intersubjetivo compartilhado. Esse mecanismo é automático, pré-reflexivo e inconsciente e constitui a base das relações interpessoais, uma vez que, possibilita a modelagem do nosso comportamento a partir da observação do comportamento das outras pessoas.
Essa idéia começou a ser desenvolvida já na década de 90. Em um estudo realizado com macacos rhesus, Gallese et all (1996) e Rizzolatti et all (1996) descobriram que alguns neurônios (neurônios espelho), localizados no lobo frontal destes animais, eram ativados quando realizavam um movimento com uma finalidade específica, mas também quando os animais observavam um outro indivíduo (macaco ou ser humano) realizando a mesma tarefa. (LAMEIRA, GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006). Observa-se que os neurônios espelho, quando ativados pela observação de uma ação, permitem a percepção automática da mesma (de modo pré-atencional) que pode ou não ser seguida por etapas conscientes levando a uma compreensão global da situação através de mecanismos cognitivos mais sofisticados (GALESSE, 2005; LAMEIRA, GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006).
Os neurônios espelho são ativados, por exemplo, quando observamos a ação de um outro indivíduo, e a partir daí, imitamos inconscientemente aquilo que observamos, sem acionarmos, necessariamente, a ação da memória. Os neurônios espelho permitem também a compreensão das intenções das pessoas, e o significado social do seu comportamento. (LAMEIRA, GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006).
As emoções também podem ser espelhadas, por exemplo, quando vemos alguém chorando ou rindo, compreendemos a expressão dos sentimentos que estão por trás da manifestação comportamental e evocamos lembranças de momentos que nos fizeram sentir sentimentos semelhantes. Esse mecanismo é denominado de "empatia" e é um dos principais meios pelo qual começamos a desvendar os mistérios da socialização humana. Os neurônios - espelho também são responsáveis pela percepção de uma série de elementos não verbais da comunicação, como pequenas mudanças na expressão facial ou no tom de voz, que nos ajudam a compreender os pensamentos e sentimentos dos outros. (DOBBS, 2006; LAMEIRA, GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006). Este fenômeno pode ser percebido claramente em nossa vida diária nas situações em que nos colocamos no lugar do outro, compartilhando seus sentimentos, por exemplo, quando choramos diante de um filme triste ou nos sentimos alegres ao presenciar a felicidade de uma criança recebendo um presente muito desejado.
Extensos estudos têm sido realizados avaliando a associação dos neurônios espelho às diversas modalidades do comportamento humano e a sua relevância para a para a imitação do comportamento, para a evolução da linguagem e para a Teoria da Mente. (GALLESE, 2005).
2.1. A TEORIA DA MENTE:
Para podermos inferir a respeito dos estados mentais dos outros é necessário que tenhamos adquirido a capacidade de desenvolver um sistema de referências que nos permita fazer comparações entre nosso mundo interno (subjetivo) e o mundo externo (dos outros) a partir da compreensão do que os outros pensam, sentem, desejam, acreditam ou duvidam. Esta capacidade denomina-se "Teoria da Mente" (PREMACK & WOODRUFF, 1978).
Segundo estes autores, um indivíduo tem uma Teoria da Mente se ele imputa estados mentais para si mesmo e para os outros, e afirmam que o termo "teoria" é muito apropriado uma vez que tais estados não são diretamente observáveis e este sistema pode ser usado para fazer teorizações sobre o comportamento dos outros. (CAIXETA, NITRINI, 2002).
Pode-se avaliar se uma criança apresenta a Teoria da Mente através de testes que verifiquem a compreensão da criança sobre crenças falsas, ou seja, sobre suas crenças pessoais conflitantes com a realidade. Com base nisso, Wimmer e Perner (1983) desenvolveram uma tarefa chamada de "crença falsa", com o objetivo de verificar se as crianças pequenas eram capazes de interpretar comportamentos através do que elas achavam que outra pessoa pensava a respeito de alguma coisa. Segundo eles, a importância prática de poder representar a crença falsa de outra pessoa consiste na utilização desta representação como marco de referência de predição ou antecipação da ação da outra pessoa. (JOU, SPERB, 2004)
A tarefa de "crença falsa" de Wimmer e Perner (1983) foi baseada nos experimentos com chimpanzés da década de 1980, na área da cognição animal, a partir do questionamento sobre a possibilidade dos chimpanzés serem hábeis em atribuírem estados mentais a si e aos outros, por meio da interpretação da intenção de um ser humano. (ROAZZI, SANTANA, 2006). Esta tarefa envolvia um protagonista, que guardava um chocolate em determinado lugar, sendo que sua mãe, logo a seguir, trocava o chocolate de lugar, enquanto o protagonista estava fora. Em seguida, perguntava-se à criança onde o protagonista, quando voltasse , iria procurar o chocolate. Se a criança indicasse o lugar onde o protagonista guardou o chocolate, poder-se-ia concluir que ela estaria representando, ao mesmo tempo, o que o protagonista estava pensando (estado mental) e a realidade (sua própria crença) predizendo, então, a ação deste. Se, ao contrário, a criança indicasse o lugar onde a mãe guardou o chocolate, concluir-se-ia que ela não estaria representando o estado mental do protagonista, resolvendo a tarefa, unicamente a partir da representação da realidade, ou seja, de sua própria crença. Esta criança, portanto, não compreenderia os estados mentais como preditivos de uma ação. Os resultados de Wimmer e Perner mostraram que nenhuma das crianças de 3 a 4 anos de idade, 75% das de 4 a 6 anos e 86% das de 6 a 9 anos indicaram o lugar correto. Eles sugeriram, então, que a representação dos estados mentais dos outros indivíduos surgem entre os 4 e 6 anos de idade. (JOU, SPERB, 2004).
Segundo Astington (2000), o desenvolvimento da Teoria da Mente mantém estreita relação com o desenvolvimento da linguagem, especialmente da metalinguagem, (pensar sobre a linguagem) uma vez que as crianças apresentam um uso espontâneo de verbos metalingüísticos em situações cotidianas antes de apresentarem um bom desempenho nas tarefas de crença falsa.
De Villiers (2007) argumenta que a construção da linguagem é um pré-requisito necessário para a aquisição da representação de uma Teoria da Mente. Ela afirma que pesquisas recentes sugerem o desenvolvimento muito precoce de inferências sobre a Teoria da Mente nas crianças, presentes já no senso mais rudimentar da percepção das intenções, que abriria o caminho para a correção dos conceitos durante o surgimento das primeiras palavras. Parece provável que a atenção dispensada às pessoas e aos seus gestos, é desenvolvida muito cedo nos bebês, se não inata, precedendo a aquisição da linguagem e tornando-a possível. Entre os dois e quatro anos de idade, parece existir uma forte correlação entre o desenvolvimento conceitual e lingüístico, entretanto, nenhuma pesquisa até agora foi conclusiva acerca de como a linguagem poderia assessorar a cognição. Podemos supor que o diálogo exerça um importante papel na construção do significado das expressões, levando a um maior domínio dos conceitos lingüísticos de um modo geral. (DE VILLIERS, 2007).
Em seus estudos acerca do desenvolvimento da cognição humana e da linguagem, Vygostsky (1998) pressupõe que a cognição individual constitui-se a partir da interiorização dos aspectos sociais das interações humanas. Uma de suas premissas principais é de que o funcionamento mental no ser humano deriva de processos sociais, pois não se pode estudar o comportamento dos indivíduos em contexto isolado, e sim em interação com os outros indivíduos. Além disso, o processo de interação social é responsável por transformações no comportamento individual, pois os processos sociais e psicológicos são moldados por formas de mediação e se dão a partir da transformação de objetos em signos culturais. (VYGOTSKY, 1988).
Para Vygotsky (1993), cognição e linguagem são processos interdependentes, desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, moldando o pensamento e favorecendo o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem normatiza a experiência direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento. Assim sendo, a linguagem tem um papel definitivo na organização do raciocínio, pois age de maneira decisiva, reestruturando diversas funções psicológicas, como a atenção, a memória e a formação de conceitos.
Segundo Tomasello (2003), para que as crianças compreendam que as crenças dos outros acerca do mundo divergem das suas próprias crenças, é necessário que se estabeleçam diálogos nas quais essas diferentes perspectivas fiquem claras - seja por um desacordo, um mal-entendido, um pedido de esclarecimento ou uma conversa reflexiva. Isso não exclui outras formas de interação tais como a observação do comportamento dos outros indivíduos, entretanto, a troca lingüística proporciona uma fonte particularmente rica de informação acerca do pensamento das outras pessoas.
Em um estudo realizado em Pernambuco, Roazzi e Santana (2006) investigaram a compreensão das crianças sobre a influência de crenças e emoções no comportamento. Nesse estudo, embora os resultados tenham indicado que a habilidade das crianças em predizer ações baseadas na crença falsa já esteja presente por volta dos quatro anos de idade, os autores observaram uma notável influência do nível socioeconômico nos resultados da pesquisa. Apesar de haver uma melhora crescente conforme a idade em relação às respostas de crença falsa, as crianças de nível socioeconômico mais baixo apresentaram um desempenho inferior às de nível socioeconômico médio, na idade de quatro anos. Entretanto, em um curto período de tempo, esta aparente desvantagem é superada à medida que se submetem ao processo formal de alfabetização. Esse argumento vem legitimar a interpretação de que as diferenças encontradas nos dois grupos, possivelmente vinculam-se ao processo de alfabetização mais precoce das crianças de nível socioeconômico mais alto que consequentemente estimularia o desenvolvimento da linguagem e da metalinguagem, favorecendo a compreensão dos termos lingüísticos mais cedo e possivelmente minimizando o impacto do contexto experimental a ponto de aproximar o desempenho em situações de teste e naturalísticas. É importante ressaltar que as desvantagens apresentadas pelas crianças de nível socioeconômico mais baixo desaparecem entre as crianças mais velhas.
Em suma, percebe-se que a Teoria da Mente é uma aquisição importante e necessária que emerge do próprio processo de desenvolvimento subjetivo do sujeito. Esta habilidade permite à criança diferenciar-se do outro, percebendo-se como sujeito que possui seus próprios pensamentos, intenções, sentimentos e crenças, que a faz única e que a torna capaz de provocar mudanças no comportamento das outras pessoas. Ao mesmo tempo, a Teoria da Mente proporciona a inclusão da criança no ambiente social uma vez que, a partir da compreensão implícita e da construção de conceitos, ela pode fazer generalizações sobre estados mentais das outras pessoas, construindo, assim, modelos de funcionamento cognitivo que utilizará em suas interações futuras. (ALVES, et al, 2007).
2.2. AUTISMO, SÍNDROME DE ASPERGER E COGNIÇÃO SOCIAL:
A Neuropsicologia do autismo envolve as áreas sensoriais, perceptuais, cognição, afeto, linguagem, comportamento social e capacidades de aprendizagem. O nível de funcionamento intelectual parece interferir significativamente sobre os sintomas, comportamentos e no desenvolvimento global da criança autista. Embora crianças autistas com baixo e alto funcionamento tenham a mesma condição de base, elas são muito diferentes a nível funcional. Isso é particularmente observado nas crianças com síndrome de Asperger que se encontram no limiar mais alto de capacidade cognitiva e de linguagem e são menos isoladas socialmente. (MELLO et al., 2007).
Prior (1979) sugeriu que as habilidades sensoriais e perceptuais básicas não estariam tão alteradas no autismo. Entretanto, sabe-se que crianças autistas mostram padrões de respostas desviantes para vários tipos de estímulos sensoriais, denotados por hiper ou hipo-responsividade observadas em diferentes graus entre indivíduos autistas. Observam-se alterações perceptuais na estimulação auditiva, visual, tátil, olfativa e gustativa. Problemas com o processamento sensorial podem causar distração e desorganização, resultando em uma hiperfocalização repetidamente do mesmo estímulo. Esta repetição pode ser encarada, em parte, como um meio de criar ordem no meio caos. (QUILL, 2000).
Mello et al. (2007) afirmam que várias habilidades cognitivas parecem estar prejudicadas no autismo, entre elas as que comprometem a integração sensório-motora, inabilidades para relacionar a experiência passada ao presente, dificuldades para usar símbolos e inabilidade para interpretar pistas sociais e emocionais.
Zukauskas (2003) investigou aspectos de noção de tempo por intermédio de instrumentos quantitativos e qualitativos em 30 indivíduos com síndrome de Asperger e 30 indivíduos normais de mesma faixa etária. Segundo a autora, a noção de tempo corresponde à compreensão e ao modo de interação individual com o tempo compartilhado, de caráter objetivo e quantificável, mas também pessoal e subjetivo, mediado pelo aspecto afetivo de cada experiência. A temporalidade, por outro lado, diz respeito a um contexto mais amplo, levando em conta a relação contínua do indivíduo com o mundo, dando sentido à suas vivências e à noção de tempo através das experiências passadas e das que ainda estão por vir.
Os resultados obtidos neste estudo sugerem que os indivíduos portadores de síndrome de Asperger apresentam uma temporalidade restrita, evidenciada por prejuízos relacionados à continuidade no contato com o ambiente. Estes indivíduos demonstraram limitações na noção de tempo e na antecipação da perspectiva futura, acarretando prejuízos nos aspectos subjetivos e restringindo não só o compartilhamento do tempo com os outros indivíduos como a formação de projetos de vida. (ZUKAUSKAS, 2003)
Estudos têm demonstrado uma seletiva escassez de linguagem comunicativa, incluindo gestos (apontar para objetos com o intuito de chamar a atenção de outra pessoa), em crianças autistas em estágios verbais e pré-verbais. (BARON-COHEN, 1989). Em geral, as crianças autistas apresentam uma grande dificuldade em compreender as características globais de uma situação, ou seja, de apreender as características mais significativas de um determinado estímulo. (FRITH & BARON-COHEN, 1987).
Devido às dificuldades sociais, comunicativas e comportamentais, crianças autistas apresentam problemas de aprendizagem não formal e formal. Elas, muitas vezes, aprendem por meio de repetição mecânica, sem uma compreensão mais profunda e assim não desenvolvem uma representação operacional ou a habilidade para formar e manipular material simbólico e desenvolver estruturas conceituais. O desenvolvimento das primeiras fases da linguagem parece ocorrer com certa dificuldade, e nem sempre de forma perceptível e bem definida. Com o decorrer do desenvolvimento, quando se espera que a criança adquira habilidades lingüísticas mais especializadas com significados específicos para o sujeito e para o interlocutor, é que os prejuízos lingüísticos nas crianças autistas tornam-se mais evidentes. (MELLO et al., 2007).
Aparentemente, os prejuízos lingüísticos e sociais observados nas crianças autistas e com síndrome de Asperger parecem ser proporcionais ao grau de deficiência mental associada a fatores específicos relacionados ao desenvolvimento da atenção e da memória. Processos atencionais alterados no autismo parecem estar ligados às dificuldades para compreender o sentido dos estímulos ambientais, levando a escolhas muito pobres sobre ao que atentar quando não há pistas e indicações claras. Dificuldades nestas funções restringem a adaptação a novas aprendizagens. Em autistas mais hábeis, aprender regras concretas e estratégias aplicáveis ao contexto parece facilitar o controle atencional e do comportamento e favorecer o desenvolvimento da linguagem e da capacidade de aprendizagem. Assim, quando uma estratégia é aprendida, a criança passa a utilizá-la constantemente, denotando a rigidez cognitiva característica do comportamento autístico. Esta rigidez cognitiva é constatada também ao refazer uma atividade sempre da mesma forma, com perseveração de movimentos, da fala e do comportamento de modo geral, resultando em relações sociais inadequadas e em padrões de conduta social idêntica em todos os ambientes e situações. (MELLO et al., 2007).
De acordo com Girodo, Neves e Correa (2008), indivíduos autistas apresentam comprometimento global da linguagem, envolvendo a recepção e produção fonológica (sons da fala), a sintaxe, a semântica e a pragmática bem como comprometimento na produção e percepção da prosódia.
Apesar de a criança autista apresentar dificuldades em vários componentes lingüísticos, isto não significa que ela não se comunique, entretanto ela o faz principalmente para satisfazer as suas próprias necessidades e pode desenvolver para isso, comportamentos indesejáveis como a agressão, ou a auto-agressão. Assim sendo, percebe-se que os prejuízos de orientação fundamental, incluindo a atenção compartilhada, podem privar a criança autista de experiências sociais importantes, comprometendo seu desenvolvimento simbólico típico. (DAWSON & LEWY, 1989; HOBSON, 2002; MUNDY & STELLA, 2000; LAMPREIA, 2007).
Mesmo crianças autistas de alto funcionamento e síndrome de Asperger apresentam grandes dificuldades em manterem conversações sociais. Seu comprometimento na compreensão de diálogos é ilustrado principalmente na inversão pronominal. (LEE et al., 1994; TAGER-FLUSBERG, 1994). Elas também apresentam comprometimento com as regras convencionais da língua e dificuldades para iniciar diálogos e se engajar em conversações recíprocas, introduzindo comentários irrelevantes à conversa ou desviando-se do tema em curso. (HALE; TAGER-FLUSBERG, 2005)
Nos últimos anos, muitos estudos têm explorado a hipótese de que o comprometimento na linguagem e na utilização efetiva do discurso na interação social poderia estar associado a deficiências na aquisição da Teoria da Mente, uma vez que o sucesso na comunicação depende do compartilhamento de informações, crenças e sentimentos de outras pessoas. (KLEINMAN et al., 2001; KALAND et al., 2002; RUTHERFORD et al., 2002; DIAS, K. Z. 2005 ; HALE; TAGER-FLUSBERG, 2005). Esta hipótese tem sido utilizada para explicar os déficits tanto na comunicação quanto na interação social que são as duas áreas mais afetadas nas crianças autistas. (COLLE, BARON-COHEN, 2006). Observa-se, por exemplo, que indivíduos autistas apresentam dificuldade em julgar o estado mental (por exemplo: alegre ou triste) de uma pessoa ao observar fotografias da região dos olhos. O mesmo ocorre quanto aos estímulos auditivos, ou seja, indivíduos autistas têm dificuldade em detectar pistas auditivas para identificar o estado mental do outro. Foram observadas, por exemplo, dificuldades em realizar inferências, entendimento de aspectos como ironia, linguagem não-literal e pretensão, e em atribuir estados mentais a outras pessoas, inclusive quando o estímulo utilizado é apenas auditivo-verbal. (KLEINMAN et al., 2001; KALAND et al., 2002; RUTHERFORD et al., 2002; DIAS, K. Z. 2005)
Analisando a possível correlação existente entre as deficiências sociais encontradas no autismo e a Teoria da Mente, alguns pesquisadores como, Baron-Cohen, et al (1986), Uta Frith e Baron-Cohen (1987) e Klin et al (1992) apontaram falhas primárias no desenvolvimento cognitivo do sujeito autista. Constataram que as disfunções sociais presentes nestas crianças são decorrentes da incompreensão do ponto de vista dos ouros, indicando a existência de falhas em formar uma metarrepresentação da realidade (DIAS, K. Z. 2005).
Crianças pequenas típicas demonstram uma série de predisposições que as levam a procurar estímulos sociais; os adultos, por sua vez, respondem de forma semelhante, procurando seus filhos, oferecendo e reforçando os contatos sociais. Esta orientação espontânea não é observada em crianças pequenas com autismo. (KLIN, 1991; KLIN et al, 2006).
Devido à grande dificuldade para se expressarem, compreenderem e imitarem sentimentos como medo, alegria ou tristeza, as crianças autistas se isolam em um mundo particular e acabam desenvolvendo sérios problemas de socialização e aprendizado. O comportamento autista reflete um quadro compatível com a falha no sistema de neurônios-espelho, pois, o entendimento de ações (essencial para a tomada de atitude em situações de perigo), a imitação (extremamente importante para os processos de aprendizagem) e a empatia são funções atribuídas aos neurônios-espelho e são exatamente essas funções que se encontram alteradas nas crianças autistas. (LAMEIRA, GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006).
Crianças pequenas com desenvolvimento normal são sensíveis ao afeto e reagem adequadamente aos sinais emocionais (HAVILAND e LELWICA, 1987). Em pouco tempo, elas aprendem a esperar contingência entre suas ações e aquelas de seus parceiros (TARABULSY et al., 1996). O processo de imitação em crianças pequenas parece ser o precursor do desenvolvimento de comportamentos de reciprocidade social. Recém-nascidos imitam as expressões faciais, os gestos manuais e as expressões emocionais observadas nos adultos e também reagem com grande interesse a um adulto que imita suas próprias ações. (FIELD, 1977; FIELD et al, 1982). Estas diversas formas de interação emocional na ação social e a distinção entre o mundo social e o mundo inanimado são deficitárias em indivíduos autistas em todas as idades. (VOLKMAR et al., 1997; ROGERS e BENNETTO, 2000; KLIN et al., 2002a; 2002b ; KLIN et al , 2006 ).
Os estágios de desenvolvimento da imitação diferem muito de um sujeito a outro. Deficiências na imitação são descritas por pais de crianças autistas, desde o primeiro ano de vida, quando normalmente as crianças fazem jogos imitativos que não estão presentes na criança autista. Dificuldades para usar gestos e comunicação imitativa, além de comportamentos sociais inadequados, são persistentes e repetidos no autista de baixo funcionamento, mas nem sempre nos de alto funcionamento, demonstrando um melhor potencial adaptativo nessas crianças. (MELLO et al, 2007).
Em um estudo longitudinal realizado por Hale e Tager-Flusberg, (2005), verificou-se que crianças autistas são capazes de fazer significativos progressos no desenvolvimento das habilidades comunicativas, aprimorando a competência em engajar-se em conversa recíproca ao longo do tempo. Entretanto, este estudo demonstrou que outros fatores além da idade, do nível cognitivo, da linguagem e mesmo da Teoria da Mente, contribuem de forma importante na capacidade da criança autista em engajar-se em interações sociais recíprocas. Estes fatores podem abranger a atenção compartilhada, engajamento social ou outros aspectos da cognição social, não incluídos na Teoria da Mente. Relatos de intervenção terapêutica, especialmente as focadas no desenvolvimento das habilidades sociais, podem explicar algumas das diferenças individuais encontradas na capacidade do discurso das crianças autistas. Além disso, a capacidade de manter uma conversa pode ser significativamente influenciada pela estimulação social familiar, especialmente das mães. Siller e Sigman (2002), por exemplo, constataram que a sensibilidade e a capacidade de algumas mães em adequar seu comportamento ao de seus filhós autistas foi significativamente relacionada com a posterior habilidade comunicativa destas crianças. (HALE E TAGER-FLUSBERG, 2005)
Em outro estudo, Cardoso e Fernandes (2006) verificaram a evolução do perfil funcional da comunicação e do desempenho sociocognitivo de adolescentes incluídos no espectro autístico, atendidos em instituição especializada, em situações comunicativas diversas. Durante um período de 12 meses, foram acompanhados cinco adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos, em três situações comunicativas, as quais foram realizados dois conjuntos de gravações, para cada sujeito. Cada conjunto de gravações foi realizado em três situações diferentes, com duração de 30 minutos: Situação I - terapia de linguagem individual; Situação II - grupo com coordenador e Situação III - grupo sem coordenador. Os resultados do estudo mostraram que existe uma relação entre a evolução do desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação nas três situações comunicativas, no período estudado. Os adolescentes, com diagnóstico dentro do espectro autístico, parecem ter percebido as diferenças pertinentes a cada situação comunicativa e conseguiram se adequar às mesmas, apresentando uma mudança no perfil funcional da comunicação,
Sperber e Wilson (1995) observam que os indivíduos autistas, que demonstram dificuldades para compreender a linguagem figurada devido à sua inabilidade em metarepresentar, provavelmente também possuem uma compreensão peculiar da linguagem literal e não figurada.
Baseada nestes conceitos, Happe (1994) elaborou um conjunto de estórias, (estórias estranhas) onde em cada uma delas um personagem fala algo que não é literalmente verdadeiro, e é pedido ao participante que explique a resposta do personagem. Este estudo teve o intuito de verificar o grau de entendimento das expressões não literais nas situações diárias das crianças autistas. A autora concluiu que os indivíduos autistas demonstraram mais dificuldades com o estado mental apontado nas estórias do que o grupo de controle, e que os indivíduos autistas utilizaram menos estados mentais adequados nas justificativas das ações dos personagens das estórias em ralação aos indivíduos não autistas.
2.3. AUTISMO DE ALTO FUNCIONAMENTO, SÍNDROME DE ASPERGER E SOCIALIZAÇÃO:
Szatmari et al (2003) realizaram um estudo longitudinal para avaliar as habilidades comunicativas verbais e não verbais de crianças com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger e comparar o desenvolvimento destas habilidades em avaliações posteriores. Estes autores concluíram que haveria uma correlação entre a capacidade cognitiva destas crianças e o desempenho futuro nas habilidades comunicativas e sociais, com diminuição dos sintomas autísticos. (LOPES-HERRERA, 2004). Estes autores sugerem, porém, que é necessário investigar mais exaustivamente as variáveis que influenciam no desenvolvimento das habilidades sociais, particularmente nos indivíduos portadores de síndrome de Asperger. (SZATMARI et al, 2003)
Klin (2000) defendeu a idéia de que os indivíduos com boas habilidades verbais, como os com síndrome de Asperger, quando submetidos a situações de testes apresentados de forma verbal onde fossem exigidas respostas verbais (como os testes utilizados pela Teoria da Mente, por exemplo), utilizariam suas habilidades verbais com eficiência e demonstrariam um bom nível de desempenho; porém, quando estas mesmas habilidades fossem exigidas em situações da vida real, eles apresentariam dificuldade para generalizar. Isto ocorre porque, em situações de interação social, os problemas aparecem de maneira menos clara exigindo a análise de diversos elementos sociais do contexto e incluindo a necessidade de uma decisão por parte do indivíduo. (LOPES-HERRERA, 2000).
Um recente trabalho realizado por Saulnier e Klin (2007), sugere que indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger demonstram dificuldades em utilizarem funcionalmente o seu potencial cognitivo em sua vida diária. Baseados na análise da escala de comportamento adaptativo de Vineland - Vineland Adaptive Behavior Scales (SPARROW, BALLA, & CICCHETTI, 1984), (avalia as capacidades de auto-suficiência nos campos da comunicação, habilidades de vida diária, socialização e habilidades motoras); e ADOS - (Autism Diagnostic Observation Schedule (LORD, RUTTER, DILAVORE, & RISI, 1999), (método de observação para avaliar objetivamente a habilidade social, de comunicação e o comportamento de indivíduos autistas), estes autores constataram que embora indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger, com bom desempenho nos testes de QI verbal, tenham demonstrado melhores níveis comunicativos, não apresentaram, necessariamente, melhor desempenho social. Entretanto, observou-se uma curiosa correlação entre o QI não verbal, e o desempenho social sugerindo que o desempenho não verbal está relacionado à aquisição de habilidades sociais.
Segundo estes autores, enquanto a inteligência verbal vem sendo considerada como uma das mais consistentes preditoras de desempenho adaptativo (HOWLIN, GOODE, HUTTON, & RUTTER, 2004), muito menos atenção se tem dado às habilidades não verbais como facilitadoras da comunicação e socialização no autismo. Estudos futuros devem buscar avaliar melhor a relação existente entre as habilidades não verbais e a adaptação social tanto no autismo como na síndrome de Asperger. (SAULNIER; KLIN 2007).
Os resultados obtidos neste estudo coincidem com as observações feitas por Jolliffe e Baron-Cohen (1999) em relação à Coerência Central nos indivíduos portadores de síndrome de Asperger e autismo de alto funcionamento. Coerência Central é a capacidade para integrar informações em uma totalidade, dando-lhe um significado, a partir do contexto em que ela foi apresentada. (FRITH, 1989; DIAS, K. Z. 2005). Esta habilidade envolve a compreensão do todo, sem se ater aos detalhes e refere-se à capacidade de fazer contextualmente conexões significativas entre informações lingüísticas a curto prazo ou memória de trabalho. Os autores testaram a capacidade dos participantes em integrar uma frase ambígua (ou léxica/sintática), ao seu contexto lingüístico, escolhendo a interpretação adequada para uma sentença ambígua. Esse estudo sugere que indivíduos portadores de autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger apresentam grandes dificuldades em utilizarem a Coerência Central, apresentando pouca habilidade em utilizar o contexto lingüístico para interpretar adequadamente uma sentença ambígua apresentada verbalmente. (DIAS K. Z. 2005)
Stanley e Konstantareas (2006) sugerem que muitas características presentes no autismo, tais como menor habilidade cognitiva não verbal, prejuízo lingüístico, ou atraso no desenvolvimento social, contribuem em conjunto e não isoladamente para que haja déficits nas brincadeiras simbólicas. A partir daí, pode-se supor que querer participar de brincadeiras simbólicas produz melhora no funcionamento cognitivo, ou ainda que o desenvolvimento cognitivo seja um pré-requisito para as brincadeiras simbólicas. A explicação mais provável pode ser que a relação entre brinquedo simbólico e capacidade cognitiva é recíproca, com o desenvolvimento de uma habilidade facilitando o desenvolvimento da outra.
Também foi associada à capacidade de expressão lingüística a um melhor desempenho nas brincadeiras simbólicas, provavelmente porque é através da linguagem expressiva que criança pode interagir com as outras crianças, principalmente a nível simbólico. (STANLEY; KONSTANTAREAS, 2006).
Crianças do espectro autístico com comorbidade de retardo mental podem ser ainda menos capazes de aprender através das experiências sociais, possivelmente por situarem-se abaixo do limiar de aprendizagem. Assim sendo, percebe-se que abaixo de uma determinada capacidade cognitiva, neste caso abaixo de um QI não verbal de 66, o grau de comprometimento acarreta um sério prejuízo no desenvolvimento das brincadeiras simbólicas. (STANLEY; KONSTANTAREAS, 2006).
Aparentemente as limitações sociais presentes no espectro autístico podem prejudicar a aquisição da linguagem bem como a compreensão e o desenvolvimento de uma Teoria da Mente, ambas as quais são necessárias para as brincadeiras de faz-de-conta. Em crianças com fracas habilidades cognitivas não verbais, este prejuízo é agravado, sendo um obstáculo para a aprendizagem das competências necessárias ao desenvolvimento das brincadeiras simbólicas. Entretanto, estudos futuros são necessários para avaliar melhor esta hipótese. (STANLEY; KONSTANTAREAS, 2006).
3. INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS:
Crianças autistas e com síndrome de Asperger apresentam um prejuízo simbólico espontâneo nas brincadeiras de uma maneira geral. Entretanto, isso não significa, necessariamente, que exista um prejuízo definitivo na habilidade de simbolizar dessas crianças. Alguns estudos evidenciam que crianças autistas e com síndrome de Asperger podem desenvolver uma capacidade de produzir brincadeiras simbólicas que elas não apresentavam espontaneamente. (JARROLD, BOUCHER, SMITH, 1993). Assim sendo, em virtude da estreita relação existente entre as brincadeiras simbólicas e o desempenho nas esferas cognitivas, lingüísticas e sociais, parece provável que a utilização terapêutica das brincadeiras simbólicas contribuirá para melhorar as competências da criança em outros domínios. Como brincar é uma atividade agradável para as crianças, utilizar terapeuticamente este artifício pode ter efeitos benéficos também em outras áreas de funcionamento. (STANLEY; KONSTANTAREAS, 2006).
Alguns programas de intervenção terapêutica vêm sendo utilizados com o objetivo de promover a socialização e desenvolver as habilidades simbólicas e lingüísticas de crianças autistas e com síndrome de Asperger. Em virtude da grande variação na expressão dos sintomas e dos diferentes graus de severidade e comprometimento cognitivo dentro do quadro autístico, é necessário que cada criança receba um atendimento individualizado, direcionado para suas necessidades específicas. A seguir serão abordados alguns métodos de intervenção terapêutica que vem obtendo bons resultados nesse sentido.
3.1 PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL EM AUTISMO DE ALTO FUNCIONAMENTO E SÍNDROME DE ASPERGER
Lampreia (2007) analisou alguns programas de intervenção precoce no autismo, que seguem a perspectiva desenvolvimentista. A autora observou que o enfoque desenvolvimentista caracteriza-se mais especificamente por uma abordagem eminentemente pragmática e social de desenvolvimento e que estes programas devem ser altamente individualizados, não apenas no que diz respeito ao perfil de habilidades comunicativas da criança-alvo, mas também quanto a outras características, como as de processamento sensorial e formas não convencionais de comportamento.
O modelo SCERTS (modelo de intervenção comunicação-social, regulação emocional, apoio transacional) de Prizant et al. (2000) e o modelo DIR de Greenspan e Wieder (2000), enfocam as diferentes áreas deficitárias da criança autista. Eles não se restringem apenas ao treinamento de comportamentos ausentes de seu repertório, mas procuram desenvolver primeiro os seus precursores em situações naturais ótimas para a criança autista. Estes modelos procuram criar as condições que crianças com desenvolvimento típico encontram naturalmente, adequando-as às peculiaridades encontradas no autismo. Deve- se salientar a importância dada por esses dois modelos aos problemas afetivos e sensoriais da criança autista, quando da elaboração dos programas. (LAMPREIA, 2007).
O modelo SCERTS focaliza os déficits principais que afetam as crianças autistas: comunicação e linguagem, relacionamento social e processamento sensorial. Os déficits em comunicação e linguagem são abordados através da terapia da linguagem sociopragmática que enfatiza o uso funcional das habilidades pré-verbais e verbais de comunicação nas interações naturais e semi-estruturadas. Inclui estratégias para o uso de sistemas de comunicação não verbais como imagens simbólicas.
O modelo DIR tem como objetivo principal permitir que a criança perceba-se como indivíduo intencional, interativo e desenvolva capacidades lingüísticas e sociais. Ele focaliza habilidades de desenvolvimento, denominadas de processos emocionais funcionais, tais como atenção e foco, engajamento e relacionamento social, comunicação não verbal, afeto, resolução de problemas, comunicação simbólica, pensamento abstrato e lógico. Este trabalho tem como objetivo permitir que a criança estabeleça a seqüência de desenvolvimento que foi prejudicada, e ajudá-la a tornar-se mais intencional e afetivamente conectada. O programa DIR focaliza também os padrões motores, sensoriais e afetivos, avaliando se a criança é super ou sub-reativa em cada modalidade sensorial, abrangendo a modulação e o processamento sensorial, o processamento sensório-afetivo, o planejamento motor e a seqüenciação. Finalmente, avalia-se em que medida os pais e outros compreendem o nível funcional da criança e suas diferenças individuais. (LAMPREIA, 2007)
Outro programa muito utilizado atualmente com o objetivo de melhorar o processo de socialização em crianças autistas é o programa TEACCH que significa Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children (Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação). Trata-se de um projeto de saúde pública disponível na Carolina do Norte ? EUA, fundado por Dr. Eric Schopler, que dirigiu o projeto até 1994, sendo substituído pelo Dr. Gary Mesibov.
Mesibov e Shea (2004), afirmam que, de alguma forma, o autismo funciona como uma cultura, sob a perspectiva de que ele produz padrões de comportamento característicos e previsíveis nas pessoas sob esta condição. O papel do professor de um aluno com autismo é semelhante ao intérprete transcultural: alguém que entende ambas as culturas e é capaz de traduzir as expectativas e procedimentos de um ambiente não-autístico para o aluno com autismo. Desta forma, para ensinar um aluno com autismo, deve-se compreender muito bem os pontos fortes e os déficits associados e esse transtorno.
O Programa TEACCH desenvolveu formas de ajudar as pessoas com autismo a viverem inseridas na cultura a sua volta, ou seja, a conviverem socialmente a partir de projetos que levam em conta não só os pontos fortes, mas os déficits fundamentais do autismo. Partindo do principio de que todas as crianças autistas apresentam potencial para desenvolver ou melhorar as suas habilidades, todos os alunos são avaliados cuidadosamente e de forma constante. A partir daí inicia-se um programa educacional através da observação da forma como a criança aborda os materiais oferecidos, e como responde às instruções e atividades propostas pelo educador. O programa TEACCH enfoca principalmente as áreas de comunicação, auto-cuidado, habilidades vocacionais e de recreação e lazer. São priorizadas as necessidades, e só então são estabelecidas as metas em cada área. Além disso, o planejamento educacional deve ser sensível ao ambiente familiar onde a criança vive É importante incluir no programa educacional os desejos e estilos de vida da família do aluno. (MESIBOV; SHEA, 2004).
Klin (2003) observa que as intervenções em indivíduos com síndrome de Asperger devem priorizar ambientes e situações naturais. Em relação à comunicação, é imprescindível abranger a comunicação não-verbal (expressões faciais, uso de gestos), a linguagem não literal (uso de metáforas, ironias, absurdos, humor), traços suprasegmentais da fala (padrões de inflexão e modulação vocal), pragmática (troca de turnos, sensibilidade sobre as reações do interlocutor) e, finalmente, conteúdo e contingência da conversação. É importante evitar a perseveração nos mesmos tópicos de conversação, e dar atenção especial às habilidades metalingüísticas e à reciprocidade comunicativa na conversação. Além disso, pode-se criar situações sociais apropriadas à utilização dos interesses específicos que muitos autistas apresentam em um único assunto ou foco de interesse. (LOPES-HERRERA, 2000).
Rhea (2003) fez um estudo revisando programas de intervenção aplicados em crianças e jovens com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger desde a idade pré-escolar até a adolescência. Segundo ele, crianças normais entre 3 e 5 anos, desenvolvem uma série de habilidades sociais em decorrência dos estímulos recebidos em atividades lúdicas através de brincadeiras específicas sempre conduzidas por um adulto. A fase pré-escolar é de extrema importância na aquisição da linguagem, pois a criança começa a adquirir novas informações sobre o ambiente e sobre fatos ou eventos até então desconhecidos para ela. (LOPES-HERRERA, 2000).
Para as crianças com autismo de alto funcionamento ou síndrome de Asperger, esta é uma fase delicada, pois suas dificuldades sociais as levam ao isolamento. Nesse sentido, programas de intervenção devem ser usados visando à abrangência das habilidades comunicativas verbais em situações naturais mediante a intervenção de adultos utilizando instruções diretas e claras associados a reforços naturais. Uma boa estratégia seria o uso de histórias, compostas de situações-problema, onde o adulto e a criança analisariam a adequação social das respostas, visando à redução de comportamentos que atrapalhem a socialização e estimulando habilidades narrativas.
Norris e Datillo (1999) constataram a eficácia social das histórias combinadas com outras intervenções táticas tais como o uso de fotos e vídeos, por exemplo, uma vez que proporcionam uma versão pictória do contexto social, resultando em melhorias no comportamento em situações naturais.
Na adolescência, as dificuldades sociais são particularmente importantes em indivíduos com síndrome de Asperger uma vez que nessa fase, os jovens encontram-se simplesmente para conversar e utilizam, portanto, a linguagem como meio principal de interação. Como o relacionamento social é a principal dificuldade dos adolescentes com síndrome de Asperger, eles tendem a se sentirem isolados nessa fase com sentimentos de rejeição e frustração. (KLIN, 2003). Além disso, essa limitação social, presente também nos jovem com autismo de alto funcionamento, afetaria também outras habilidades funcionais da vida diária. Desta maneira, a intervenção terapêutica nessa fase deve estar voltada para a criação de estratégias, em que eles se engajassem em conversações, utilizando funcionalmente as habilidades comunicativas verbais, como por exemplo, a solicitação de informações, e a narração de fatos. É importante ressaltar que é necessário se fazer inicialmente, um levantamento de quais habilidades verbais o jovem utiliza, de que forma e com que freqüência. (RHEA, 2003).
Em alguns casos, a terapia comportamental também parece ser eficaz no tratamento de crianças portadoras da síndrome de Asperger, no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades sociais, autocontrole e redução de comportamentos inadequados. (FERNANDES; SOUZA, 2006).
4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento da socialização nas crianças portadoras de autismo e síndrome de Asperger é um tema bastante obscuro, onde inúmeras questões complexas continuam ainda sem resposta, principalmente pela interdependência de inúmeros fatores cognitivos, sensoriais, lingüísticos e afetivos.
Este estudo demonstrou que de fato o nível de funcionamento intelectual parece interferir significativamente sobre os sintomas, comportamentos e no desenvolvimento global da criança autista e com síndrome de Asperger. Os prejuízos lingüísticos e sociais observados nestas crianças parecem ser proporcionais ao grau de comprometimento cognitivo associado a fatores específicos relacionados ao desenvolvimento da atenção e da memória.
O desenvolvimento do comportamento de reciprocidade social nas crianças tem início a partir do processo de imitação que aparece muito cedo no bebê humano, evidenciando sua interação afetiva e social com as pessoas familiares, levando-o a compartilhar interesses com as pessoas à sua volta. A atenção compartilhada tem sido considerada a mais importante habilidade dos bebês por ser a precursora da compreensão das intenções comunicativas dos outros, da imitação e da linguagem.
O bebê autista, entretanto, demonstra uma "frieza" afetiva desde o nascimento, sendo incapaz de interagir social e emocionalmente com as pessoas à sua volta. Estas crianças demonstram uma seletiva escassez de linguagem comunicativa, incluindo gestos, expressões faciais e jogos imitativos, mesmo quando começam a falar. Esta dificuldade em se expressarem, compreenderem e imitarem os sentimentos dos outros, leva as crianças autistas ao isolamento, acarretando sérios problemas de socialização e aprendizagem.
Percebe-se que os prejuízos de orientação fundamental, incluindo a atenção compartilhada, podem privar a criança autista de experiências sociais importantes, comprometendo seu desenvolvimento simbólico típico, prejudicando também a aquisição da linguagem e o desenvolvimento da Teoria da Mente. A comorbidade de retardo mental pode piorar ainda mais a aprendizagem através de experiências sociais, principalmente quando a criança apresenta fracas habilidades cognitivas não verbais. Percebe-se, por exemplo, que abaixo de uma determinada capacidade cognitiva há um sério prejuízo no desenvolvimento das brincadeiras simbólicas de uma maneira geral.
Várias habilidades cognitivas parecem estar prejudicadas no autismo, entre elas as que comprometem a integração sensório-motora, inabilidades para relacionar a experiência passada ao presente, dificuldades para usar símbolos e inabilidade para interpretar pistas sociais e emocionais. Entretanto, apesar de constatarmos que as habilidades cognitivas exercem influências no desenvolvimento da socialização, recentes pesquisas sugerem que indivíduos com autismo de alto funcionamento e síndrome de Asperger demonstram dificuldades em utilizarem funcionalmente o seu potencial cognitivo em sua vida diária. Estas pesquisas evidenciam que, embora estes indivíduos apresentem um bom desempenho nos testes de QI verbal, demonstrando melhores níveis comunicativos, não apresentam, necessariamente, melhor desempenho social. Por outro lado, observou-se uma curiosa correlação entre o QI não verbal, e o nível de adaptação social sugerindo que o melhor desempenho não verbal pode estar relacionado à aquisição de habilidades sociais. A partir destas pesquisas, abriu-se um novo leque de habilidades cognitivas a serem investigadas, pois, enquanto a inteligência verbal vem sendo considerada como uma das mais importantes preditoras de desempenho adaptativo social, muito menos atenção se tem dado às habilidades não verbais como facilitadoras da comunicação e socialização no autismo e na síndrome de Asperger.
Diante destas constatações é possível supor que, devido à dificuldade das crianças autistas de alto funcionamento e síndrome de Asperger utilizarem funcionalmente o seu potencial cognitivo nas situações da vida diária, também o processo de imitação do comportamento social provavelmente não seria diretamente beneficiado ou facilitado por esta capacidade. Porém, muito poucos estudos envolvendo o processo de imitação social nestas crianças foram realizados até o presente momento, para que se possa fazer considerações seguras a este respeito.
Apesar de as crianças autistas e com síndrome de Asperger apresentarem prejuízo simbólico espontâneo, isso não significa necessariamente, que este prejuízo seja definitivo. Alguns estudos evidenciaram que estas crianças podem desenvolver uma capacidade de produzir brincadeiras simbólicas que elas não apresentavam espontaneamente. Como brincar é uma atividade agradável para as crianças, e em virtude da estreita relação existente entre as brincadeiras simbólicas e o desempenho nas esferas cognitivas, lingüísticas e sociais, parece provável que a utilização terapêutica das brincadeiras simbólicas contribua para aprimorar as competências da criança em outros domínios.
Alguns programas de intervenção terapêutica vêm obtendo êxito no desenvolvimento da socialização e das habilidades simbólicas e lingüísticas em crianças autistas e com síndrome de Asperger. Assim sendo, as diferenças individuais encontradas na capacidade do discurso destas crianças, podem ser explicadas, possivelmente, pela intervenção terapêutica que estas crianças receberam, bem como pela influência da estimulação social familiar, especialmente das mães. Alguns estudos constataram que a sensibilidade e a capacidade de algumas mães em adequar seu comportamento ao de seus filhos autistas foi significativamente relacionada com a posterior habilidade comunicativa destas crianças.
Entretanto, em virtude da grande variação na expressão dos sintomas e dos diferentes graus de severidade e comprometimento cognitivo dentro do quadro autístico, é imprescindível que cada criança receba um tipo de cuidado terapêutico e familiar individualizado, direcionado para suas necessidades específicas.
Na adolescência, as dificuldades sociais são particularmente importantes em indivíduos com síndrome de Asperger e autismo de alto funcionamento, uma vez que nessa fase, os jovens utilizam a linguagem como principal meio de interação social. Devido às suas dificuldades comunicativas, estes adolescentes tendem a se sentirem isolados do grupo, com sentimentos de rejeição e frustração. Desta maneira, a intervenção terapêutica nessa fase deve estar voltada principalmente para a criação de estratégias que facilitem a conversação, a partir da utilização funcional das habilidades comunicativas verbais deste jovem, levando-se em conta que habilidades verbais ele utiliza, e quais as situações sociais lhe são mais frustrantes.
Este estudo, como a maioria dos trabalhos nas áreas humanas, apresenta algumas limitações: A grande maioria das pesquisas relacionadas ao autismo e à síndrome de Asperger não são conclusivas e deixam margens para inúmeras interpretações. Este fato pode ser claramente percebido quando pesquisas semelhantes chegam a resultados diversos. Além disso, é impossível isolar todas as variáveis que poderiam influenciar e interferir no resultado destas pesquisas.
Estudos futuros devem considerar a incorporação de uma perspectiva mais ampla sobre os aspectos da comunicação social no autismo e na síndrome de Asperger, incluindo outras áreas da cognição social tais como a atenção compartilhada e a influência familiar no desenvolvimento da socialização.
Além disso, é importante avaliar com mais profundidade a relação existente entre as habilidades cognitivas não verbais e a adaptação social, tanto no autismo como na síndrome de Asperger.
Por fim, é necessário que se investigue mais exaustivamente que variáveis poderiam influenciar, ainda que indiretamente, o desenvolvimento da socialização nas crianças autistas de alto funcionamento e com síndrome de Asperger, e até que ponto a boa capacidade cognitiva destas crianças poderia favorecer o processo de imitação do comportamento social, de forma que se possa intervir cada vez mais precocemente e de forma eficiente, minimizando os prejuízos na socialização destas crianças.
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