O Darwinismo De Roberto Justus

Por Félix Maier | 01/10/2006 | Sociedade

Encerrou-se na noite de 26 de setembro do ano em curso o Aprendiz 3, programa interativo da TV Record, apresentado pelo empresário brasileiro Roberto Justus. Nos dois programas anteriores, os dois vencedores foram contratados pelas empresas do próprio Justus, ao passo que o vencedor da 3ª edição, o gaúcho Anselmo Martini, irá trabalhar na Wunderman, agência de marketing direto sediada em Nova York, com salário anual de R 500 mil.

Não assisti o primeiro programa, quando Viviane Ventura, hoje namorada de Antônio Fagundes, foi a escolhida.  Porém, não perdi nenhum episódio do Aprendiz 2 e do Aprendiz 3, por tratar-se de um programa educativo, certamente do interesse de milhares de acadêmicos recém-formados, ávidos por entrar no mercado de trabalho. Ou mesmo de profissionais já calejados em trabalhar nas selvas humanas, que são as metrópoles do Brasil, em busca de novos desafios. Além disso, foi uma ótima ocasião para comprovar a teoria de Darwin, uma verdadeira guerra de sobrevivência, que é o mundo dos negócios, onde sobrevivem apenas o mais apto e o mais esperto.

Os programas de Justus foram inspirados no reality show que o mega-empresário Donald Trump apresentou na TV norte-americana. A base dos modernos guerreiros da selva darwinista foi o Hotel Hilton, de São Paulo, de onde os participantes partiam para as diversas guerras. Duas coisas me chamaram a atenção: a desenvoltura de Justus frente a uma câmara de TV e a falta de preparo intelectual de grande parte dos participantes. Ao término do Aprendiz 3, Justus afirmou que a TV Record irá apresentar outro programa, dirigido também por ele, no qual o candidato escolhido não trabalhará mais em uma de suas empresas, mas será seu sócio. Um prêmio merecido a Justus, pelo sucesso alcançado na televisão, quando demonstrou simpatia, grande cultura, inteligência privilegiada e uma língua afiada, apresentando pronta resposta para todas as situações. Enfim, Justus é rápido no gatilho, item imprescindível para quem deseja ser um bom apresentador de TV.

Por outro lado, os aprendizes decepcionaram bastante. Não é concebível que um acadêmico fale seje em uma apresentação, dando a entender que existe o verbo sejar. Afirmar que a Revolução Francesa dá início à era moderna foi outro erro grave cometido pelos aprendizes. O correto é a Tomada de Constantinopla, ocorrida em 1453. Porém, me surpreendi quando um dos participantes afirmou que o escritor Joseph Conrad era polonês. Algo quase tão difícil quanto saber que George Eliot é na verdade uma escritora, pseudônimo de Mary An Evans. Tá bem, não dá mesmo para lembrar qual o significado da sigla LASER. Porém, não dá para acreditar que a sigla Unesco signifique União Nacional das Escolas, como respondeu o líder de um dos grupos participantes, depois de consulta entre eles, durante o quiz do Aprendiz 3. O episódio me fez lembrar dos universitários que participavam do Show do milhão, de Sílvio Santos, quando muitos dos candidatos do milhão de reais foram mais cedo para casa, de mão abanando, por conta da ignorância dos universi-otários, que mais serviam para atrapalhar do que para ajudar.

Roberto Justus, o ex de Adriane Galisteu, é formado em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie e iniciou sua carreira na publicidade em 1981, criando a Fischer, Justus Comunicação. Após 18 anos, deixa a sociedade e funda a Newcomm Comunicação, hoje Grupo Newcomm, do qual é presidente. Em 1997, foi eleito Publicitário do ano, pelo Prêmio Colunistas, promovida pela Associação dos Colunistas de Marketing e Propaganda (ABRACOMP). Em 1998, recebeu o prêmio Líder Empresarial Setorial, concedido pelo jornal Gazeta Mercantil. Em 1999, a revista Marketing o elegeu como o Homem de Marketing. Em 2003, recebeu o prêmio Dirigente do Ano, conferido pela Associação dos Profissionais de Propaganda (APP). No início de 2004, concluiu a operação de associação com o Grupo WPP, reformulando o Grupo Newcomm, agora formado pelas empresas Y&R, Wunderman, Dez Propaganda, Ação Produções Gráficas e Maestro Business & Promotion.

Em agosto deste ano, Justus lançou sua biografia, Construindo uma Vida. Diz o empresário e apresentador: No livro eu faço um relato sobre toda a minha vida nos negócios. Além disso, tem um capítulo, de 40 páginas, em que eu conto sobre minha experiência no comando do reality show O Aprendiz, da Record. Também comento o que ajuda e atrapalha na vida de uma pessoa o relacionamento com algumas celebridades (http://ofuxico.uol.com.br/Materias/Noticias/2006/08/28593.htm).

Depois da apresentação de Justus e seus aprendizes, detenhamo-nos no espírito darwinista que imperou em todos os episódios do programa O Aprendiz 3.

No Aprendiz 3, os 16 participantes (8 moças e 8 rapazes) foram divididos em dois grupos, Águia e Alliance. Como era de se esperar, a competição sempre foi acirrada entre os grupos. Tudo era válido para vencer a tarefa, darwinianamente, porém dentro de conceitos éticos. Para cada tarefa, havia um líder. Os trabalhos dos dois grupos eram sempre levados ao ar aos domingos e às terças-feiras. Com uma edição ágil e enxuta, o alto do programa eram os bastidores, quando uma câmara indiscreta gravava as discussões e algumas desavenças que perduraram por praticamente todo o programa. E também a hora do pato, quando a equipe perdedora se reunia numa sala, verdadeiro palco dos horrores, presidido por Justus, que tinha dois conselheiros ao lado, Walter Longo e Viviane Ventura, ocasião em que um dos participantes da equipe perdedora era demitido. Nessa ocasião, era sempre repetido o mais famoso bordão de Justus, que bradava, com o indicador em riste, num tom que traía quase um êxtase sexual: Você está demitido!

Poderíamos repetir Quincas Borba, dirigindo-se a Rubião, citado por Meira Penna no livro Polemos (): Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. Enquanto que o demitido pegava o táxi que o levava de volta para casa e a equipe perdedora ficava de quarentena no Hotel Hilton, ruminando sua desgraça, a equipe vencedora tinha como prêmio as batatas, um final de semana de marajá, que podia ser uma estada em Lisboa e arredores ou uma esticada para uma casa noturna em Buenos Aires. Além de freqüentar restaurantes chiques e ir a cabeleireiros e esteticistas, para dar uma melhorada no visual. Sempre com um copo de Kaiser na mão (eu preferiria uma Skol ou uma Antártica...). E todos, derrotados e vencedores, com um notebook de última geração na mesa, e um celular da Claro no bolso, para ajudar nos trabalhos em grupo, e para passar alguns torpedos ou gozações, feitos principalmente por quem havia vencido a prova.

Às terças-feiras, logo depois de O Aprendiz 3, Tom Cavalcanti apresentava um simulacro cômico, O Infeliz 3, que reunia duas ou três popozudas e uma dúzia das figuras mais feias já encontradas no planeta. De cômico, apenas Tompete Justus, um autômato, com alto topete e tiques nervosos na face. O mais era baixaria pura, ainda bem que as crianças já estavam dormindo depois da meia-noite.

O Aprendiz 3 apresentou algumas sensações. Num dos episódios, houve o ponto alto do programa, quando o aprendiz Peter Collins, americano com forte sotaque carioca, disse: Sou presidente de minha vida e você, Roberto, está demitido da minha vida. Obviamente, Peter foi demitido (Você está demitido duas vezes, disse Justus), depois de ouvir um sermão de Justus, de que não tinha condições de observar as regras de um contrato que havia assinado. Em entrevista ao jornal Extra (http://exclusivo.terra.com.br/oaprendiz3/interna/0,,OI1136416-EI7410,00.html), Peter disse que Justus é excessivamente egocêntrico. É, dois bicudos não se beijam...

O Aprendiz 3 teve dois recordes, dignos de constar no Guinness Book. Numa das reuniões de planejamento de um dos grupos, o brainstorming durou 14 horas! Em outro episódio, quando as tarefas foram desenvolvidas em Boston, EUA, em que apenas o líder e um assessor viajaram àquele país, tendo, no entanto, o apoio dos outros participantes que ficaram no Brasil, uma das apresentações, feita em inglês, tinha mais de 200 erros. Será que Maria Cândida já foi avisada, ela que é a apresentadora do Guinness na Record?

Uma das tarefas teve como pano de fundo as Cataratas do Iguaçu, quando as equipes tiveram que improvisar no meio do mato para resolver alguns problemas. Rapel, arborismo, canoagem e outras atividades foram desenvolvidas pelos participantes, os mais balofos tendo alguma dificuldade em chegar ao final.

Depois de 14 tarefas darwinianas executadas pelos grupos Águia e Alliance, O Aprendiz 3 chegou à grande final, quando se enfrentaram o candidato Anselmo Martini e Beatriz Queiroz. Tanto Anselmo, quanto Beatriz, a Bia, tiveram, cada um, três ex-companheiros para ajudá-los na tarefa definitiva, que consistia em arrecadar fundos para duas instituições beneficentes, à beira da falência, com graves problemas estruturais. Anselmo ficou com uma casa de idosos, Bia com um abrigo para crianças. Roberto Justus, antenado com os novos tempos, fez questão de incutir o conceito de responsabilidade social nos aprendizes. Para Justus, além de ganhar dinheiro, o que é uma obrigação, para se manter no mercado, as empresas não podem fugir de sua responsabilidade frente aos mais necessitados.

As duas instituições escolhidas passaram por uma recauchutagem geral. Em tempo recorde, foram obtidos os recursos financeiros para a melhoria dos abrigos: as instalações foram pintadas pelos próprios aprendizes, banheiros e cozinhas foram reformados por pessoas contratadas, uma brinquedoteca foi adquirida para a criançada, a onipresente Casas Bahia forneceu mobiliário e eletrodomésticos, enfim, a casa de idosos e o abrigo para crianças se tornaram casas dignas de se viver.

A apresentação final de Roberto Justus foi ao vivo, como nas duas vezes anteriores, em frente de um auditório lotado. Na sala de reunião, aquela dos horrores, Justus afirmou aos conselheiros que não sabia ainda quem contratar, apesar das escolhas feitas por Longo e Viviane. Como último teste, chamou os dois aprendizes finalistas, para uma dinâmica de grupo, com apresentação de slides, em que pretendia conhecer melhor o caráter de cada candidato. Em uma das escolhas, Bia se identificou com o leão, aquele que é forte, porém tem um cuidado especial pela família (embora, segundo Bia, a leoa é quem vai buscar a caça...). Anselmo se identificou com a formiga, que trabalha em grupo em benefício de toda a coletividade.

Venceu Edward Wilson, o fundador da sociobiologia, que tinha seus ninhos de cupins e abelhas para os estudos das sociedade de seus insetos preferidos, em Harvard. Ou seja, a formiguinha Anselmo (http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u64685.shtml), em seu persistente e profícuo trabalho durante as 15 tarefas do concurso, foi o grande vencedor de O Aprendiz 3, deixando para trás uma forte concorrente, um verdadeiro trator, que foi Bia no transcorrer de todo o programa apresentado por Justus. Isso prova que hoje não basta ser o mais forte, como no tempo dos homens das cavernas, para sobreviver no disputadíssimo mercado de trabalho. Muito mais do que ser forte, ditatorial, darwiniano, é preciso, antes de tudo, saber adaptar-se às condições impostas. Provavelmente, Anselmo venceu também por ter morado em Nova York e, sem dúvida, já ter dado suas mordidas na Big Apple. Sem dúvida, deve dominar bem o inglês, imprescindível por quem deseja trabalhar no maior centro comercial e financeiro do mundo. Antes do reality show, Anselmo morava em Los Angeles. Ou seja, está em casa.

Feliz da vida, Anselmo saiu da TV Record dirigindo um Fiat zero, com ar-condicionado, recebido da empresa que foi uma das anunciantes do programa. Esperemos, pois, o próximo programa de Justus, que irá contratar um sócio. Com certeza, será mais um programa de sucesso, especialmente pelo aprendizado que todos podem ter, participantes e telespectadores, nesses tempos em que impera a mediocridade na televisão brasileira.

() MEIRA PENNA, José Osvaldo de. Polemos Uma análise crítica do darwinismo. Editora UnB, Brasília, 2006 (www.editora.unb.br editora@unb.br).