O Dano Moral Decorrente Das Relações Paterno Filiais
Por LíviaDuarte Pimentel Vinhadelli | 12/02/2015 | Direito
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INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO SUPERIOR DE ITUMBIARA
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
LIVIA DUARTE PIMENTEL VINHADELLI
O DANO MORAL DECORRENTE DAS RELAÇÕES PATERNO FILIAIS
Itumbiara
2014
LIVIA DUARTE PIMENTEL VINHADELLI
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O DANO MORAL DECORRENTE DAS RELAÇÕES PATERNO FILIAIS
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Itumbiara
2014
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LIVIA DUARTE PIMENTEL VINHADELLI
O DANO MORAL DECORRENTE DAS RELAÇÕES PATERNO FILIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, Goiás, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharela em Direito.
Data: ______/______/______
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Professor Piter Borges Azambuja
Orientador
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Professor (a)
Avaliador (a)
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Professor (a)
Avaliador (a)
Agradeço a Deus, por tudo.
Ao meu esposo Wilian Santos Vinhadelli e a meus filhos Lucas Pimentel Vinhadelli e Maria Fernanda Pimentel Vinhadelli, por todo amor, compreensão e incentivo, durante esses cinco anos de graduação. Motivos pelos quais concluo com honra e orgulho de ter ao meu lado pessoas únicas e tão especiais que nunca me deixaram sozinha em momentos difíceis.
À minha família, pelos valores, pela educação e pelo carinho incondicional, em todos os dias da minha vida.
Ao meu orientador, Professor Píter Borges Azambuja, pela atenção e pelas sugestões sempre pertinentes durante a realização desse trabalho.
A todos os professores e funcionários do ILES-ULBRA que tanto me auxiliaram no decorrer do curso, diante da absoluta impossibilidade de citar cada nome.
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Aos meus filhos, por mudarem minha vida, completando o vazio existente com uma imensa alegria de viver.
Ao meu esposo, por todo companheirismo e compreensão nesta fase da minha vida.
Aos meus pais, pelo apoio e amor incondicional, pois eles são exemplos de caráter, amor e honestidade, pilares basilares na minha vida.
Aos meus irmãos, por todo companheirismo, fidelidade e amor.
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Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
Ministra Nancy Andrighi
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RESUMO
O tema deste trabalho foi o dano moral decorrente das relações paterno filiais, resolvendo a problemática: O direito brasileiro entende possível a reparação por danos morais em decorrência do abandono paterno? Desta forma, o objetivo geral foi comparar o entendimento jurisprudencial acerca da temática, tendo-se em forma de objetivos específicos demonstrar o conceito de família, sob análise da evolução histórica familiar; caracterizar os elementos da responsabilidade civil, quais sejam, dano, nexo de causalidade e ato ilícito; verificar se os Tribunais de Justiça Estaduais atualmente aplicam o entendimento emitido pela 3ª turma do STJ. A hipótese configurada é que apesar do demonstrado pelo STJ, não se tem uma uniformidade nas decisões dos Tribunais de Justiça. O método de abordagem desta pesquisa acadêmica é o indutivo, pois se utiliza neste trabalho uma situação particular para torná-la geral, ou seja, entende-se que deve-se aplicar o julgado no Recurso Especial 1159242/SP em outras situações iguais. Trata-se de uma pesquisa com caráter teórico em que a técnica de pesquisa a ser utilizada em seu desenvolvimento foi a da documentação indireta, por meio de pesquisas documentais (leis e jurisprudências) e bibliográficas (livros e periódicos científicos), que serviram de mediação prática para a realização desta pesquisa.
Palavras chave: Dano moral. Abandono Paterno. Responsabilidade Civil.
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ABSTRACT
The theme of this paper was the moral damage resulting from parents and children relationships, solving the problem: Does the Brazilian law consider possible reparation for moral damages as a result of parental neglect? Thus, the overall objective was to compare the jurisprudential understanding of the subject, having specific goals such as: demonstrating the concept of family, under the analysis of historical and family development; characterizing the elements of the civil liability, namely, damage, causation and illicit act; verifying whether the Courts of Appeals currently apply the understanding issued by the 3rd Panel of the Superior Court of Justice. The set hypothesis is that despite the demonstrated by the Superior Court of Justice, there is no uniformity in the decisions of the Courts of Appeals. The approach method is the inductive one, because it is used a particular situation to make it general, in other words, it is understood that one should apply the judgment of Special Appeal 1159242 / SP in other similar situations. This research has a theoretical approach in which the technique to be used in its development was the indirect documentation through documentary (laws and jurisprudence) and bibliographical (books and journals) sources, which worked as a practical mediation for this research.
Keywords: Moral damage. Parental neglect. Civil liability.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO |
10 |
1 –AS RELAÇÕES FAMILIARES |
13 |
1.1 O nascimento da família no Direito Brasileiro |
14 |
1.2 Noções de parentesco e filiação |
17 |
1.3 Afeto: O princípio do Direito |
20 |
1.4 O afeto abandonado |
22 |
2 – DEVER E REPARAÇÃO |
25 |
2.1 A responsabilidade em seus primórdios |
26 |
2.2 Os liames da causalidade |
28 |
2.3 Com culpa ou sem culpa: responsabilidade objetiva e subjetiva |
30 |
2.4 O dano ainda que apenas moral |
32 |
3 – A REJEIÇÃO QUE GERA INDENIZAÇÃO |
34 |
3.1 A falta de afeto |
35 |
3.2 A negação dos Tribunais Estaduais |
37 |
3.3 STJ - A mudança na concepção |
43 |
3.4 A razão da Corte Infraconstitucional |
45 |
CONSIDERAÇÕES FINAIS |
48 |
REFERÊNCIAS |
50 |
INTRODUÇÃO
Este trabalho cientifico estudou o dano moral decorrente das relações paterno filiais. Neste contexto desenvolveu-se a ideia que o genitor que abandona totalmente seus filhos, não provendo com o desenvolvimento psicológico e emocional deste deverá reparar civilmente o dano sofrido. É sabido que na infância a figura paterna influi significativamente no desenvolvimento da criança e que o descaso nesta fase da vida pode acarretar severos abalos psíquicos e passionais.
A problemática desenvolvida tratou o questionamento: O direito brasileiro entende possível a reparação por danos morais em decorrência do abandono paterno? Tratando ao longo dos capítulos o estabelecimento das relações familiares, a caracterização do dano e, por conseguinte, o exclusivamente moral, bem como foi produzida a análise dos julgados nos Estados e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O objetivo geral deste foi comparar o entendimento jurisprudencial sobre o tema, pois ainda que o STJ tenha se pronunciado favorável ao dano moral em casos excepcionais e de total abandono, os Tribunais de Justiça (TJ) demonstram a dificuldade na aplicação do entendimento.
Os objetivos específicos foram compostos em demonstrar o conceito de família, sob análise da evolução histórica familiar; caracterizar os elementos da responsabilidade civil quais sejam, dano, nexo de causalidade e ato ilícito; verificar se os Tribunais de Justiça Estaduais aplicam o entendimento emitido pela 3ª Turma do STJ no Recurso Especial 1159242/SP. A justificativa para a confecção do trabalho foi o pouco conteúdo encontrado sobre o tema, pois considera-se ainda recente a decisão; tendo-se ainda como justificativa social que a família é base da sociedade e todos os assuntos diretamente ligados à ela devem ser estudados exaustivamente como garantia do bem estar social.
A família é a base para o desenvolvimento do menor e a ausência da figura paterna acarreta severos abalos psicológicos, pois quando criança e mesmo na idade adulta, ele buscará responder o porque do abandono. Este trabalho demonstra a busca incansável pela tutela jurisdicional de filhos que nunca obtiveram amor de seus pais. Salienta-se desde já, que este amor não pode ser reparado, pois não se pode obrigar ninguém a amar; contudo o cuidado com a família é expresso constitucionalmente e a falta deste cuidado gera o dever de indenizar.
Destarte, trabalhou-se para responder a hipótese configurada, que apesar do demonstrado pelo STJ no Recurso Especial 1159242/SP não há uniformidade nas decisões emitidas pelos Tribunais de Justiça Estaduais.
O método de abordagem deste TCC foi o indutivo, pois utiliza-se inicialmente um caso particular (Resp 1159242/SP) para torná-lo uma premissa geral, aplicada aos demais casos. Sob ótica do método indutivo deve-se aplicar o entendimento do STJ à todos os casos que apresentem condições semelhantes à premissa particular. A pesquisa foi bibliográfica e documental, valendo-se de fontes primárias e secundárias – ou seja, foram analisados documentos sem pré-análise, como leis e jurisprudências; e bibliografia previamente tratada como livros e artigos científicos, sendo a técnica de pesquisa a documentação indireta.
Quanto aos objetivos da pesquisa, ela é exploratória, pois se busca ofertar conteúdo sistematizado acerca do tema após desenvolver a pesquisa bibliográfica sobre a responsabilidade civil do genitor em casos de abandono afetivo, estudando ainda o disposto na legislação e na Jurisprudência. A abordagem do problema é feita de forma qualitativa, pois prioriza-se as ideias encontradas e não a quantidade destas.
O objeto de estudo é interdisciplinar, feita a sistemática no âmbito do Direito de Família e na Responsabilidade Civil. O marco teórico bibliográfico foi o Recurso Especial 1159242/SP, que teve como Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012.
O primeiro capítulo abordou a perspectiva de família, desde sua concepção – a idealização do modelo adotado. Tem-se as linhas retas e colaterais nas relações de parentesco e os princípios constitucionais do direito de família que norteiam as legislações sobre o tema. Vislumbrou-se ainda a falta de afeto nas relações intrafamiliares e o parecer emitido pelo STJ em Recurso Especial.
O segundo capítulo estudou a responsabilidade civil: o dano e a reparação que o fato gerado ocasiona, tendo-se em vista os pressupostos da caracterização da responsabilidade, quais sejam: o nexo de causalidade, o dano e a ação do agente. Ab initio, visualizou-se ainda o nascimento da responsabilidade civil, da Lei do Talião àLex Aquilia, com os contornos que a prosperidade da sociedade deu ao tema. O dano apenas moral, garantido constitucionalmente é estudado no capítulo dois para garantir que a busca pela reparação moral do abandono afetivo é possível, sendo que foi também analisada a responsabilidade objetiva e subjetiva.
O último capítulo trabalha a falta de afeto nas relações paterno filiais e a extensão desta conduta. Demonstra-se com jurisprudências os entendimentos jurisprudenciais estaduais de antes da decisão do STJ, bem como os proferidos após o entendimento que é passível o dano moral nas relações paterno filiais. Por fim, analisa-se a concepção do STJ sobre a reparação civil nos casos de abandono afetivo, a divergência entre a ideia da 3ª e da 4ª Turma e os votos dados por cada ministro no Resp1159242/SP.
1. AS RELAÇÕES FAMILIARES
Em minúcias, vê-se neste capítulo primeiro a formação das relações familiares – o desenvolvimento ainda na antiguidade do conceito de família. Percebe-se que o patriarcado, existente ainda em dias atuais iniciou-se ainda naquele tempo, em que o homem era o chefe da família e responsável por todos que habitavam seu lar. Em um salto histórico, remonta-se ao período medieval de senhores feudais, vassalos e suseranos, nos quais a família se torna mais ampla devido às relações da nobreza.
Percebe-se que durante a era medieval inicia-se a concepção das linhas de parentesco para fortalecimento das riquezas do feudo. Considerava-se parentesco até a 11ª linha colateral, o que é demasiadamente diferente dos dias atuais. Assim, tem-se as noções de parentesco: linha reta, colateral; parentes consanguíneos e por afinidade. Nota-se que o Código Civil de 2002 aboliu qualquer forma discriminatória acerca dos filhos, de forma que para o direito todos são filhos – não importando a origem destes filhos. Qualquer terminologia diferente, como adulterino ou bastardo, está excluído do diploma legal por incompatibilidade com o disposto pela alteração do Código. Salientando-se ainda que a alcunha de filho adotivo também não permanece, pois independente do laço sanguíneo preza-se pelo afeto.
Neste contexto faz-se necessário ressaltar os princípios familiares como o respeito à dignidade da pessoa humana, a igualdade jurídica entre os cônjuges e imperioso a este trabalho, o afeto. As decisões do STF e do STJ acerca das famílias – e não apenas da família reconhecida comumente como pai, mãe, filhos – versam sobre o afeto nas relações familiares, a importância deste princípio e deste sentimento. Destaca-se que afeto não é amor, não se implora ou se impõe constitucionalmente que se ame a outra pessoa, mesmo que esta seja seu filho: mas pode-se obrigar que o genitor conviva com a criança/adolescente em garantia do crescimento psicológico e emocional saudável dele(a), e isto é afetividade.
A falta de afeto, antes sem nenhuma consequência, agora é tema de discussão no judiciário. Pois reconhece-se que o abandono paterno filial acarreta severas consequências aos filhos abandonados desde o berço por genitores que mesmo diante do reconhecimento jurídico da paternidade, nunca reconheceram esta aos olhos da sociedade. São casos nos quais existe o pagamento de alimentos, mas a visitação nunca foi exercida.
Confunde-se a visitação como um direito do genitor, quando no entanto ela é um direito do filho. Para o pai ela é um dever, pois acompanha o dever de assistir, acompanhar o crescimento de seu filho. O tempo passado entre pai e filho, a convivência destes momentos dará ao menor suporte para a vida adulta, sendo que a inexistência deste traz severos abalos ao jovem adulto que questiona o porque do abandono. A análise dos julgados será produzida no capítulo 3, mas adianta-se que as situações se repetem: questiona-se judicialmente o abandono afetivo; genitores que pensavam que o dinheiro supriria a convivência, os laços familiares e filhos que após anos de ausência procuraram o judiciário em busca de amparo jurisdicional.
1.1 O nascimento da família no Direito Brasileiro
Família, sob a análise empírica, trata-se de pai, mãe, irmãos, avós, tios e primos. Ou para os mais reservados sentimentalmente família são os pais e irmãos, restando aos demais o título de parentes.
Ademais, esta ideia é difundida desde a antiguidade, pois Hammurabi – na antiga Babilônia – já defendia o patriarcado, o testamento, a adoção e o bem de família. (PEDROSA, 2008, p. 71-85). Os institutos do direito familiar já eram adotados na época da Lei do Talião, bem como a estrutura adotada na época respeitava o poder do chefe da família, sugerindo o respeito e integração no grupo familiar.
No período medieval, marcado pelas cantigas e trovas, têm-se a criação dos Clãs dentro da sociedade feudal. Nestes clãs as famílias de vassalos trabalhavam em regime de sucessão para a família do suserano, senhor feudal das terras. Destaca-se nesta época o papel dos filhos da nobreza: o filho mais velho era herdeiro de todo o patrimônio, restando aos mais novos servir ao clero ou junto ao Rei para obter seus próprios recursos. (CASTRO,2008, p.120-125).
Vê-se que o Direito de Família e as relações afeto familiares sempre existiram – e desde que a escrita existe, foram documentadas. Entretanto, a maior influencia no Direito de Família moderno é o Direito Romano. A maioria dos institutos familiares e sucessórios correspondem aos criados na época – com alterações motivadas pelo cotidiano de cada país.
O Direito Romano de Família não segue apenas um ramo, ele subdivide-se em pessoas e coisas. Ou seja, dá o tratamento adequado à família, ensejando também os direitos reais advindos desta, como a sucessão, seja ela testamentária ou não. Tendo como fontes a Lei das Doze Tábuas – as quais, a quarta (quatro itens) e a quinta tábua (oito itens) tratam do direito de família e sucessões -, o Codex, o Digesto, as Institutas e as Novelas (PEDROSA, 2008, p.153-168); Pretório e Justino (os mais famosos imperadores Romanos e responsáveis pela elaboração das leis supracitadas) forneceram uma extensa base de dados para os juristas que os sucederam. No referente ao trabalho em questão, vê-se a extensão do Pátrio Poder em Roma:
A história do Direito Romano muito tem a ver com o Pátrio Poder (pátria potestas) exclusivo do pater familias. Como uma balança , quanto maior era o poder do pater familias, menor era o Poder do Estado e, conforme o tempo passou, esta balança tendeu a dar a vitória ao Estado em detrimento ao pater familias. [...] O poder do pater familias englobava vários poderes: a pátria potestas– sobre os filhos, a manus sobre a esposa, a dominicapotestas– sobre os escravos e o mancipium– sobre pessoas livres,alien iuris que passaram de um pater famílias a outro pela venda, por exemplo. O pátrio poder implicava, em termos patrimoniais, o direito amplo do pater famílias. Como as pessoas sujeitas ao poder dele não tinham plena capacidade jurídica de gozo, todo e qualquer coisa adquirida o era para o pater famílias. ( CASTRO, 2008, p.98).
Destarte, continua-se a ideia concebida já na Antiguidade da família predominamente patriarcal, em que o homem é o chefe da família e responde por aqueles que lhe deviam respeito. É importante frisar que dá mesma forma que o filho possuía o dever de obedecer ao patriarca, era recíproco ao patriarca zelar do filho menor.
Uma vez que o Direito Português possui influencia direta do Direito Romano, nota-se que nas Ordenações Portuguesas (leis que vigoraram em Portugal e no Brasil Império), o sistema adotado era o patriarcal, no qual o pai era o chefe da família e possuía o dever de educar e zelar pelo bem estar dos filhos. (PEDROSA, 2008).
O luso direito correspondia às regras absolutistas, e como forma de impedir disputas de reinados ou mesmo garantir estes reinados, as linhas de parentesco eram deverás extensas. Com o passar do tempo e maior estreitamento dos vínculos familiares – sem as manipulações e maquinações presentes nas Cortes, estas linhas de parentesco foram diminuindo. Outrossim, o direito dos pais continua forte, mas os filhos ganham direitos, conforme ressalta José Fernando Simão:
A família começa a assumir forma nuclear e restrita, em que pese ser o início de um longo processo que só se completa em fins do Século XX. Exemplo desta mudança do conceito de família que será cada vez mais nuclear e menos ampla se revela em direito das sucessões. No Brasil, até 1907, com a Lei Feliciano Penna, os parentes colaterais até 10º grau afastavam o cônjuge da sucessão. Em suma, no início do século XX assistimos a um mudança significativa para derrubar noção histórica e secular pela qual o parentesco era mais importante que o casamento para a construção de vínculos familiares. Ainda sob a égide das Ordenações, mantém-se o poder do pai de castigar moderadamente os filhos, e surge o poder de os entregar aos magistrados de polícia se forem incorrigíveis. Quanto aos bens, os filhos passam a ter propriedade dos bens se provierem de herança, doação ou de seu trabalho. (SIMÃO, 2013)
Desta forma, percebe-se que inicia-se o esboço do atual modelo de família para o Direito, em linha reta e colateral, com descendentes, ascendentes e parentes por afinidade, conforme ver-se-á adiante. Para fins acadêmicos, restringir-se-á o estudo ao parentesco em linha reta de ascendentes e ascendentes, trabalhando as relações afeto familiares e o direito/dever gerado por pais/filhos.
Em conformidade ao retro citado o processo de estreitamento dos vínculos familiares terminou apenas no fim do século XX, inicio do século XXI – o qual é importante ressaltar a mudança do Código Civil brasileiro logo em 2002, que trouxe a igualdade entre mãe e pai (extinguindo a família regida apenas pelo homem) já antes vislumbrada pela Constituição Federal de 1988 (CF/88).
No tocante a CF/88, considerada como a Constituição Cidadã por abranger direitos que habitualmente não seriam resguardados por uma constituição, ela foi além e declarou os deveres dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais, conforme explica José Afonso da Silva, definindo ainda o conceito de família na constituinte:
A família é uma comunidade natural composto, em regra, de pais e filhos, aos quais a Constituição, agora, imputa direitos e deveres recíprocos, nos termos do art.229, pelo qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da relação do casamento (art.227§6º), ao passo que os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.[...] A Constituição é minuciosa e redundante na previsão de direitos e situações subjetivos de vantagens das crianças e adolescentes, especificando em relação a eles direitos já consignados para todos em geral, como os direitos previdenciários e trabalhistas, mais estatui normas tutelares de menores, especialmente dos órfãos e abandonados e dos dependentes de drogas e entorpecentes (art.227§3º). Postula punição severa ao abuso, violência e exploração sexual da criança e do adolescente. (SILVA, 2004, p.848-849)
Ante o exposto, vislumbra-se que a CF/88 não desamparou a família dando-lhe o devido amparo criando o princípio da afetividade para os momentos aos quais as Leis se mostrassem omissas. Este princípio será melhor estudado adiante, mas em antemão, utiliza-se das palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.24) que diz acerca “tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir. Demonstra a intenção do legislador de torná-lo mais humano.”
É perceptível a ampla tentativa do legislador de estabelecer diretrizes e normas que efetivamente garantam o cumprimento dos direitos/deveres familiares. A família hoje é defendida inicialmente pela CF/88 em seu art. 227 e na princípiologia constituto familiar, pelo Código Civil – em um capítulo apenas seu que detalha minuciosamente a legislação acerca do casamento, a filiação, a adoção, entre outros – e em leis especiais, como a Lei de Alimentos, e mais recentes, como a Lei que dispõe acerca da Prática de Alienação Parental.
Para uma melhor concepção de família no direito brasileiro e fechamento do conteúdo histórico, necessário faz-se a análise de Caio Mário Pereira da Silva:
Na verdade, em sentido estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons e maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se pratica e desenvolve em mais alto grau o princípio da solidariedade doméstica e cooperação recíproca. Em razão dos efeitos sucessórios, a família somente compreende as pessoas chamadas por lei a herdar umas das outras. Assim, considerada, ora se amplia, ora se restringe, ao sabor das tendências do direito positivo, em cada país e em cada época. (PEREIRA, 2005, p.20)
Não se pode dizer que o conceito de família seja imutável, pois em dias atuais abrangeu-se este conceito tornando-o amplo. Antes, por exemplo, não se considerava a família monoparental – somente um dos genitores e o filho, contudo hoje trata-se de um molde familiar comum no cotidiano. Completa-se ainda com os dizeres:
Demais disso, a família não tem suas normas somente no Direito. Como organismo ético e social, vai hauri-las também na religião, na moral, nos costumes, sendo de assinalar que a sua força coesiva, é antes de tudo, um dado psíquico. A família, como conjunto não recebe tratamento pacifico e uniforme. A ordem jurídica enfoca-a em razão dos seus membros ou de suas relações recíprocas. A observação é de tal monta que suscitou em autores este reparo, quanto ao direito francês: embora discipline em minúcia os direitos de família, o Código Napoleão não menciona o vocábulo nem ao menos na designação de títulos e capítulos, senão para qualificar o “conselho de família”, no proposito de remediar a destruição parcial dela, pelo fato da morte de um dos pais. (PEREIRA, 2005, p.22)
Isto posto, entende-se que definir Direito de Familia e os direitos gerados por esse direito não é tarefa fácil, uma vez que o próprio Caio Mário – jurista conceituado no âmbito – traz a complexidade desta designação. Impor ou despor sobre um direito familiar e tornar isto como verdade incontestável é impossível, pois o que a evolução histórica demonstra é a mutabilidade do direito para acompanhar a mudança dos hábitos da sociedade.
Outrora, inconcebível seria a concepção artificial ou o casamento homoafetivo – exemplo ultimo previsto nas Ordenações Afonsinas como crime de Lesa Majestade – portanto, necessária é uma visão inovadora e realista do Direito de família para conceber que o abandono de um pai – não o material, mas o afetivo – gera severo dano moral que deve ser compensado, e é a conclusão do STJ e o estudo deste trabalho cientifico.
1.2 Noções de Parentesco e Filiação
As relações do ser humano, desde o berço, via de regra são reguladas pelo parentesco – seja ele consanguíneo ou por afinidade. Logo ao nascer, sabe-se pelo registro civil quem são os pais e os avós paternos e maternos do nascituro. Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe a prevalência da verdade biológica, dando a todos o direito de saber quem lhes concebeu. Em contrapartida, a CF/88 dá amparo ao afeto e o coloca acima do sangue ao decidir pela paternidade sócio afetiva em detrimento da biológica.
Contudo, o que sabe-se de toda a narrativa retro mencionada é que não existem apenas pai e mãe. Existem outros vínculos que geram laços de afeto e sucessórios como avós, primos, tios; aquém, também existem os vínculos não sanguíneos como genros, sogras, cunhadas.
Sem maiores delongas, explicar-se-á neste estudo o parentesco em linha reta, pois trata-se da linha que ensejou o dano moral, nos liames da decisão do STJ acerca do abandono afetivo. Sabe-se da existência do parentesco em linha colateral, mas este não altera a relação afetiva para fins deste trabalho cientifico.
Roberto Senise Lisboa, explica as relações familiares, anteriormente ao parentesco:
Parentesco é a relação existente entre sujeitos oriundos de um tronco ancestral comum, por natureza ou em decorrência da lei. Tronco ancestral é o antepassado do qual se originou a família ou parte dela. O parentesco por natureza se dá em razão da consanguinidade. Consanguíneos são os parentes de linha reta ou colateral, em relação aos seus respectivos progenitores. O parentesco por pelo se dá em razão de norma jurídica expressa. Exemplo: a adoção. O parentesco pode ainda ser simples ou duplicado. Parentesco simples é a relação de família entre seus integrantes por um vínculo jurídico. Exemplo: a relação entre pai e o seu filho. Parentesco duplicado é a relação de família entre os seus integrantes, por dois vínculos jurídicos. Exemplo: os filhos de um irmão que se casam, cada qual, com as filhas do outro irmão, são, respectivamente, parentes duplicados (primos). O parentesco pode se estabelecer em linha reta, em linha colateral e por afinidade. (LISBOA, 2006, p.50)
Confuso pareceria aos olhos dos estudiosos o parentesco se ele não se se estabelece em linhas, e estas linhas se estabelecessem em graus. Destarte, contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo numero de gerações, e, na colateral, também pelo numero delas, subindo, porém, de um dos parentes até ao ascendente comum e descendo, depois, até encontrar o outro parente.
Carlos Roberto Gonçalves demonstra a questão:
A linha reta é ascendente quando se sobe de determinada pessoa para os seus antepassados (do pai para o avô etc.). Toda pessoa, sob o prisma de sua ascendência, tem duas linhas de parentesco: a linha paterna e a linha materna. Esta distinção, ganha relevância no campo do direito de sucessões, que adota para partilhar a a herança, o modo denominado “partilha in lineas”. A linha ascendente, depois de bifurcar-ser entre os ascendentes do pai e os ascendentes da mãe, prossegue em sucessivas bifurcações, pois cada pessoa se origina em duas. Por isso, fala-se em “árvore genealógica”A linha reta é descendente quando se desce dessa pessoa para os seus descendentes. Tal assertativa igualmente repercute no direito das sucessões, quanto ao modo de partilhar a herança in stirpes, tendo em vista que cada descendente passa a constituir uma estirpe relativamente aos seus pais.(GONÇALVES, 2011, p.312)
As linhas de parentesco são demasiadamente utilizadas no Direito Sucessório – pois definem os herdeiros do de cujus quando existentes ou não filhos. Destaca-se ainda aafinidade que é o parentesco que liga o cônjuge aos parentes de seu companheiro.
Ademais, a filiação exerce ainda papel de extrema relevância no parentesco, pois trata-se de descendência em primeiro grau – parentesco em linha reta - assim, de acordo com os arts. 227 da CF/88 e 1596 do CC/02, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas a filiação. Atualmente, são considerados filhos para todos os efeitos legais aqueles tidos na constância ou não do matrimônio, e mesmo os adotados. Os filhos podem ser reconhecidos a qualquer tempo independentemente do estado civil de quem os reconhece. No entanto, o reconhecimento de filho maior depende de seu consentimento.
Os filhos enquanto menores estão sujeitos ao poder familiar, que será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer a autoridade judiciária para solucioná-la.
Assim, Washington de Barros Monteiro estabelece:
O vinculo de parentesco estabelece por linhas. Há duas linhas: a reta e a colateral. A linha reta é quando pessoas descendem uma das outras. O Código Civil de 2002, no art. 1591, dispõe precisamente que “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para as outras na relação de ascendentes e descendentes”. São parentes em linha reta: o bisavô, o avô, o filho, o neto e o bisneto. A linha reta é ascendente e descendente, segundo se sobe da pessoa considerada para os seus antepassados (do filho para o pai, deste para o avô, etc) ou se desce da pessoa considerada para os seus descendentes (do avô para o filho, deste para o neto e assim por diante). [...] Na linha reta não há limite algum de parentesco; ela é infinita, por mais afastadas que estejam as gerações, sempre serão parentes entre si. (MONTEIRO, 2011, p.424)
Como a linha reta possui contagem infinita, cada geração significa um grau. Desta forma, o pai possui com o filho parentesco em primeiro grau, com o neto parentesco em segundo grau, em terceiro grau com o bisneto, em quarto grau com o tataraneto e vice-versa, pois conta-se na ordem ascendente e descendente.
Na linha reta ascendente a pessoa possui duas linhas de parentesco: a materna e a paterna, desta maneira, surgem subgrupos denominados de estirpes que acolhem as pessoas advindas de um mesmo descendente. Silvio de Salvo Venosa exemplifica:
Dois netos de filhos diferentes são parentes de segundo grau, provenientes de duas estirpes diversas. Essa diferenciação tem importância no Direito Hereditário, porque pode a herança ser atribuída por estirpe ou por cabeça, quando ocorre o direito de representação (art.1851 e ss), quando houver igualdade de grau e diversidade de linhas quanto aos ascendentes (art.1836§2º). (VENOSA, 2011, p.220)
Conclui-se que em conformidade a história da família, o ramo familiar – a estirpe, as linhas e o parentesco é de extrema importância para o crescimento da pessoa, pois como ao iniciar foi dito, nasce-se com pai e mãe, e direito à verdade biológica. Necessário é analisar quando este genitor não acompanha o crescimento do nascituro – e o parentesco nunca é conhecido, sendo a estirpe, ignorada.
Se o tronco ancestral é um direito de quem utiliza o nome da família e a CF/88 preconiza o afeto, o que fazer em casos que este afeto não é exercido e o parentesco é ignorado? O STJ tenta entender com base na Princípiologia familiar.
1.3 Afeto: O princípio do Direito
Os princípios adotados pelo Código Civil de 2002 (CC/02) do tocante ao direito de família e as relações familiares sintetizam a vontade do legislador em preservar a coesão do grupo familiar e os valores da convivência em grupo. Importante ainda ressaltar que alguns princípios constitucionais foram incorporados ao CC/02 e consequentemente ao direito de família.
Neste contexto surge o Princípio do Respeito à dignidade da pessoa humana, decorrente do art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Este princípio, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 23) é a “base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art.227).”
Gustavo Tepedino dispõe ainda sobre a disposição constitucional deste princípio no referente às relações familiares:
A milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos. (...) Não se consegue explicar a proteção constitucional às entidades familiares não fundadas no casamento (art.226 §3º) e as famílias monoparentais (art.226 § 4º); a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (art.226 §5º); a garantia da possibilidade de dissolução da sociedade conjugal independentemente de culpa (art.226 §6º); o planejamento familiar voltado para os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art.226 §7º) e a previsão de ostensiva intervenção estatal no núcleo familiar no sentido de proteger seus integrantes e coibir a violência doméstica (art.226 §8º), sem que se aplique ao direito de família o princípio da dignidade da pessoa humana. (TEPEDINO, 1997)
Em conformidade ao princípio supracitado há o Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, que resta estabelecido no art. 226 §5º da CF/88, que dispõe, in verbis “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Destarte, o enfoque deste princípio é garantir que não exista hierarquia entre os cônjuges e que as decisões sejam tomadas conjuntamente, com base no afeto. Salienta-se ainda que o Código Civil de 1916 previa a supremacia hierárquica do marido, inferiorizando os direitos do cônjuge virago, assim, com o advento da CF/88 e a isonomia prevista por esta, tal dispositivo tornou-se incompatível com a Constituição, não sendo recepcionado pela mesma.
Além da igualdade entre os cônjuges, a CF/88 e posteriormente o CC/02 suprimiram a distinção entre os filhos havidos dentro ou fora da constância do matrimônio, bem como, aos filhos adotivos, sob égide do Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos. Tem-se por este princípio que todos os filhos possuem direitos iguais perante seus genitores, proibida qualquer tipo de discriminação. Outrossim, as alcunhas de filho adulterino, filho ilegítimo e filho adotivo não mais subsistem, pois para o direito todos são filhos de igual maneira.
Carlos Roberto Gonçalves dispõe sobre a aplicação deste princípio:
O princípio ora em estudo não admite distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão; permite o reconhecimento, a qualquer tempo, de filhos havidos fora do casamento; proíbe que conste no assento do nascimento qualquer referencia à filiação ilegítima; e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (GONÇALVES, 2011, p. 24)
Existente também o princípio da paternidade responsável e planejamento familiar, disposto no art. 226 § 7º da CF/88, que salienta ser de livre arbítrio do casal o planejamento familiar, proibida qualquer tipo de coerção ou sanção por parte da administração pública e/ou privada no sentido de proibir um casal de ter determinada quantidade de filhos, não ter filhos, ou ao contrário, de ter filhos quando não o desejam. Neste sentido, criou-se a Lei 9.253/96 disciplinando as diretrizes a serem adotadas pelo Poder Público, bem como promulgou-se o art.1.565 do CC/02 neste mesmo contexto. Neste sentido, Paulo Lôbo fomenta:
Entendemos que o princípio da paternidade responsável estabelecido no art. 226 da Constituição não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, que é dever jurídico cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória. (LÔBO, 2009, p.287)
Ademais, tem-se o Princípio da comunhão plena de vida baseada na afeição entre os cônjuges e conviventes, que resta disciplinado pelo art.1.511 do CC/02, também denominado como princípio da Afetividade, como traz Maria Berenice Dias:
Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e as relações individuais. [...] Com a consagração do afeto como direito fundamental resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a sócioafetiva. [...] O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. (DIAS, 2011, p.70-71)
O afeto não é exposto como princípio de forma clara, trata-se uma série de exposições no texto constitucional que demonstram sua existência. Trata-se de direito fundamental, sendo que já se prioriza as relações de afeto sobre a verdade biológica, garantindo-se por exemplo o direito a paternidade socioafetiva.
Importante ainda ressaltar, que qualquer pessoa possui a liberdade de constituir comunhão de vida familiar, seja pelo casamento ou pela união estável, sob égide de um princípio com a mesma nomenclatura e que recentemente restou reafirmado pelo STF com o reconhecimento da união homoafetiva. Este princípio consagra ainda a equiparação constitucional entre o casamento e a união estável, tendo-se que qualquer norma contrária a esta disposição é claramente inconstitucional.
Não se pode questionar o papel do afeto nas relações familiares... Mas pode-se comprar afeto? Amor, não. Mas se o afeto é considerado a convivência no seio familiar, ele deve ser dado. E se não for? O STJ inova e diz que o afeto não dado ocasiona dano irreparável – dano moral. O direito de família reestruturou-se e instaurou uma nova ordem, atribuindo valor jurídico ao afeto. E se ele é o norteador do direito de família, nada mais justo que sua falta neste ocasione repercussão, conforme ver-se-á adiante.
1.4 O afeto abandonado
Aos vinte e quatro dias do mês de abril do ano de dois mil e doze, a Ilustre Ministra do STJ Nancy Andrigui, mais uma vez abriu precedentes na história do judiciário deste país. A jovem Luciane, recorrida no processo qual o TJ/SP já havia dado provimento, ganhava mais uma vez a luta pelo abandono afetivo que pleiteava. O porquê do abandono, não se sabe. Seu reconhecimento foi feito muitos anos antes e ela anunciava que sofreu severos abalos durante a vida, sempre à espera de seu pai – de sua presença e não de presentes. A ementa traz o resumo de uma decisão que pesou não apenas a lei – mas a justiça e o princípio mais utilizado nas ultimas decisões dos Tribunais Superiores: o afeto.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF⁄88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ,2012)
A decisão repercutiu em todo País. O conhecimento empírico sobrepondo o conhecimento jurídico da Corte Infraconstitucional. Os mais leigos, diziam “tudo é dinheiro, e tudo é por dinheiro”. Os pais que nunca exerceram seu direito/dever de visitação, todos preocupados com o efeito da sentença em seus próprios filhos. O teor dos votos, o qual apenas o Ministro Massami Uyeda votou contra, será estudado no capítulo 3 – pois a razão de cada ministro deve ser minuciosamente estudada.
Ressalta-se ainda que no Recurso Especial supracitado o genitor arcava com o valor alimentar, contudo nunca manifestou a vontade de conviver com a filha. Mesmo diante da insistência da filha de conviver com ele, ouve o total descaso e ela nunca pôde participar do convívio familiar paterno. Seus irmãos não lhe reconheciam e seus parentes colaterais tampouco tinham convivência, apesar de todos saberem de sua existência e reconhecimento. Nos fatos, ela exalta buscar amparo jurisdicional por ser o último recurso após a total negativa de estabelecimento dos laços familiares.
Outrossim, vê-se que a ementa não fala de amor: ela traz o dever dos pais de cuidar dos filhos, assim como os filhos possuem o dever de cuidar dos pais na velhice. A inexistência de cuidados de um pai para um filho, conforme descrito no item 4 da ementa advém dificuldades na formação psicológica do menor e depois adulto. Tudo isto, com base no já demonstrado anteriormente mostram que o afeto nunca será totalmente compensado monetariamente – mas como será demonstrado no capítulo 2, acerca dos geradores do dano – não se pode simplesmente esquecer que este afeto nunca foi dado.
Percebe-se que duas vertentes doutrinárias foram colocadas em discussão, a primeira defensora de que o direito de família deve resolver-se com o próprio direito familiar, destituindo o poder familiar daqueles que abandonaram seus filhos e a outra, considerando que a pecúnia imposta é o modo de compensar o filho pelo dano causado por seu genitor e que não há nada de errado em aplicar a responsabilidade civil no direito de família.
Neste sentido, assinalou a ministra Nancy Andrigui: “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no direito de família” (STJ, Resp 1159242 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24.04.12, DJe 10.05.12).
O CC/02 diz que aquele que causa dano deve repara-lo, não faz distinção se este dano é gerado pelo pai. E isto será discutido no Capítulo 2.
CAPÍTULO 2 – DEVER E REPARAÇÃO
Ouve-se dizer que alguém estragou alguma coisa, se este alguém estragou deve reparar. Esta concepção da reparação encontra-se em um dos livros mais antigos, a Bíblia – porém com uma reparação que concebível aos dias atuais. A vingança hoje é punível aos olhos da lei penal, mas na época era considerada normal e legal – era o direito daquele que sofreu o dano, ou da família deste, caso a morte fosse o sofrido.
Apenas com a instauração da Lei de Aquilia, reconhecida como maior contribuição do Direito Romano, teve-se o vislumbre dos atuais termos da responsabilidade civil – a prestação pecuniária como forma de reparação do dano gerado. Neste sentido, o que antes mesclava-se com o Direito Penal neste momento não mais se confunde, separando-se integralmente a responsabilidade criminal da civil, ressaltando-se ainda que a reparação pode ocorrer nos dois âmbitos.
Com a tecnicidade do tema tem-se os pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade entre os dois. Nestes termos, discute-se ainda a responsabilidade objetiva e subjetiva, pois a segunda acrescenta como pressuposto legal a culpa junto aos narrados anteriormente.
A conduta humana será sempre comissiva ou omissiva, ou seja, gerada por uma ação ou omissão de quem a pratica. Trata-se do ato, a ação praticada que gera um dos elementos constituintes da responsabilidade civil. Daquela ação (ainda que omissiva) gerasse o dano, outro elemento: o prejuízo, pois sem dano, ainda que exista uma ação, ela não será punível. A conduta indenizável é a que gera dano à outrem, porquanto ela não é lesiva sem o dano.
Como visto, existe a junção entre a conduta humana e o dano – trata-se do nexo de causalidade. Aquilo que fez com que da ação gerasse o dano, no caso deste trabalho, o abandono do genitor que trouxe severo dano e abalo moral, emocional e psicológico a sua filha. Percebe-se que neste momento deve-se analisar o diploma legal à procura de uma situação semelhante que implique a responsabilidade objetiva, pois todos os seus casos estão previstos em lei, como neste caso inexiste – busca-se o quarto elemento: a culpa. Entende-se que o pai agiu com negligência, imperícia ou imprudência, bases para constituição da culpa.
2.1 A responsabilidade em seus primórdios
Empiricamente parece ao adulto que o pai deve cuidar do filho, que quem colide o carro deve pagar o conserto do outro carro e reparar o dano. Mas como chegaram a essa ideia não se sabe, pois ela advém de tempos remotos, nos quais acreditava-se ainda que “olho por olho, dente por dente”, a clássica frase do Talião.
Maria Helena Diniz define o nascimento da responsabilidade – a jurídica civil – que viria a influenciar o conhecimento popular dos dias atuais:
Historicamente, nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um dos seus componentes. Posteriormente evoluiu para uma reação individual, isto é, vingança privada, em que os homens faziam justiça pela próprias mãos, sob a égide da Lei do Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas formas “olho por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante, dano idêntico ao que experimentou. Na Lei das XII Tábuas, aparece significativa expressão desse critério na Tábua VII, Lei 11ª: “si membrumrupsit, ni cum eopacit, taleoesto” (se alguém fere a outrem, que sofra a pena do Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano. (DINIZ, 2011, p.26)
Nota-se que até este momento a “responsabilização” seria pagar o que se cometeu, padecendo pelo mesmo sofrimento da outrora vítima. Os responsáveis pela retaliação eram os familiares, senão a própria vítima, quando sobrevivente.
Contudo, é preciso observar que um Estado Democrático de Direito não permitiria tais exageros, e esta conduta restava fadada ao fracasso com a democratização dos povos. Ademais, além da politicialização, a Igreja começava a exercer sua influencia com o monoteísmo e a regra: “não matarás”.
A Lei Aquiliana foi então concebida, para consagrar a reparação pecuniária dos danos: o sangue não seria mais derramado se o olho fosse retirado, em seus lugar, os cofres seriam esvaziados. Novamente adiciona Maria Helena Diniz à linha do tempo:
Depois desse período há o da composição, ante a observação do fato que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa – para que ele reparasse o dano mediante a prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), à critério da autoridade pública, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à rés pública), e do lesado, se se tratasse de delito privado (efetivado contra interesses de particulares) – do que cobrar a retaliação, por que esta não reparava dano algum depois de punido, ocasionando na verdade, duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor. A Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a ideia de reparação do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o dano da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse agido sem culpa. (DINIZ, 2011, p.27)
Junto com o contexto da reparação civil nasceu a concepção que não se pode enriquecer o outro as custas do empobrecimento de um, tratando-se do locupletamento ilícito. Outrossim, o Estado passou a ser figura fundamental – pois se antes apenas verificava o excesso da reparação, neste momento era necessário para compor o valor a ser pago.
A vingança é trocada pela reparação civil, sabendo-se que caso o ofendido praticasse algum ato após o recebimento ou em razão de vingança, responsabilizado seria também, tornando-se ofensor.
A responsabilidade civil na Idade Média separou-se totalmente da Lei Penal, estruturando por fim, a construção da culpa e do dolo. Em imediato, não identificava-se “responsabilidade civil” como “responsabilidade civil”, pois tal conceito surgiria apenas na França iluminista, com o Jurista Jean Domat que personificou o princípio fundamental da responsabilidade civil subjetiva: ela deriva de negligencia, imperícia ou imprudência. (DINIZ, 2011, p. 28-32).
O Código Napoleônico seria o primeiro a exigir a composição civil, conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves:
O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românticas estabeleceu nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios que exercem sensível influência nos outros povos: direito à reparação, sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligencia ou da imprudência. [...] A noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual foram inseridas no Código Napoleão, inspirando a redação dos art. 1.382 e 1.383. A responsabilidade civil se funda na culpa – foi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo. (GONÇALVES, 2011, p.26)
Assim, o Código Civil Francês adota até hoje a Teoria da Culpa, em que só deverá responsabilizar-se aquele que causar efetivamente o dano. Em contraposição, o Código Civil Italiano assume a Teoria do Risco, na qual o agente só deixa de ser responsável pelo dano, quando comprova ter utilizado de todos os meios para evita-lo.
À princípio não existem informações acerca da responsabilidade civil em tempos remotos em Portugal, o que impossibilita saber sua influencia no Direito Brasileiro. Já na época das ordenações, influenciado era pelo direito romano – influencia esta que trouxe para o Brasil e que depois traria do Direito Francês.
Assim, a responsabilidade civil é o dever de reequilibrar o patrimônio violado; pode ser patrimonial, caso haja dano material, ou extrapratrimonial, caso haja dano moral. O Código Civil ao disciplinar a responsabilidade civil prevê duas formas: a responsabilidade extrapatrimonial, que é aquela decorrente dos atos ilícitos, prevista no art.186 do CC/02, pois a ocorrência de ato ilícito gera a responsabilidade, como dito pelo art.927 do mesmo código; e a responsabilidade contratual que decorre de um vínculo entre as partes, advinda do inadimplemento das obrigações. A responsabilidade contratual é objeto de estudo do direito obrigacional, restando a responsabilidade civil a responsabilidade extrapatrimonial.
Por força da Lex Aquilia, acima vislumbrada, a responsabilidade extrapatrimonial é também conhecida como aquiliana e trata de uma regra de conduta da pessoa em sociedade. Assim, se em face de uma ação ou omissão consciente e voluntária, ou em razão de uma conduta culposa, por imperícia, imprudência ou negligência, ocorrer a violação de um direito patrimonial ou moral, o causador do dano, em decorrência dessa conduta será obrigado a indenizar a vítima, por expressa previsão do art.927 do CC/02.
O Código Civil de 1916 perfilhou-se a teoria subjetiva, ou seja, a Teoria da Culpa e embora o Código Civil de 2002 não tenha alterado tal situação, tornou-o adepto de uma Teoria Mista, sui generes, que engloba a teoria objetiva nos casos expressos em Lei e nos demais, a teoria subjetiva que depende da comprovação da culpa, que será estudada adiante. (PEREIRA, 2006, p.553-568)
Assim, após o advento do Código Civil de 2002 não se pode dizer que o Brasil adota apenas a Teoria da Culpa para aplicação da responsabilidade civil. Trata-se de uma mescla da Teoria da Culpa e da Teoria do Risco, considerando-se ainda os danos in re ipsa, nos quais a culpa é presumida.
2.2. Os liames da causalidade
Como dito alhures, responsabilidade civil é a obrigação imposta a uma pessoa de ressarcir os danos sofridos por alguém. Já o Código Civil impõe em seu art.927 do CC/02 traz que “todo aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo”.
Destarte é possível compreender que a aplicação da responsabilidade civil apresenta quatro grandes funções: ressarcitória do dano; compensatória da lesão; punitiva do ofensor; e educativa da conduta lesiva. Ela sempre será patrimonial, são os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem que ficam sujeitos à reparação do dano causado. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação, análogo previsão do art.942 do CC/02.
São considerados elementos da responsabilidade civil a conduta humana, o dano, o nexo causal. A conduta humana é considerada elemento ante a ação ou omissão voluntaria do agente causador. O ato praticado pelo humano, a ação é considerada por Maria Helena Diniz:
A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. Ação, o fato gerador da responsabilidade, poderá ser ilícita ou licita. [...] O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão, a não observância de um dever de agir ou de prática de certo ato que deveria realizar-se. A omissão, é em regra, mais frequente no âmbito da inexecução das obrigações contratuais. (DINIZ, 2011, p.56)
O dano é o prejuízo causado, seja ele material e/ou moral, pois enquanto o prejuízo moral refere-se aos prejuízos econômicos sofridos pelo ofendido, o moral engloba o abalo dos sentimentos de uma pessoa, provocando-lhe dor, tristeza, desgosto, depressão.
Maria Helena Diniz ensina que:
O dano é um dos pressupostos das da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a se reparar. (DINIZ, 2011, p.77)
Assim, considera-se que em razão da conduta do causador do dano, a vítima sofre uma violação em seu patrimônio ou no bem imaterial, decorrendo daí a violação à moral. Não há responsabilidade civil sem dano.
O dano é punido ainda que exclusivamente moral, conforme ver-se-á adiante. Para que haja pagamento de indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.
O Direito Civil brasileiro adota o nexo de causalidade, a teoria da causalidade adequada. Assim, só haverá o nexo causal quando o dano for causado direta e imediatamente pela conduta, ou seja, quando o dano for uma consequência normalmente previsível em razão da conduta.
Assim, a responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o promoveu. O vínculo existente entre o dano e a conduta humana denomina-se nexo de causalidade. Silvio de Salvo Venosa, explica a relação tripartite:
O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que se conclui quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito. (VENOSA, 2010, p. 57).
O nexo de causalidade é o fato gerador da responsabilidade, que nada mais é que a correlação entre a ação e o dano, ou seja, a vítima somente sofreu o dano em razão de uma ação do causador. Nesse sentido pode-se afirmar que se não houvesse uma conduta comissiva ou omissa, culpável do agente, ocorreria o dano.
Ademais, salienta ainda as questões a serem analisadas:
Na identificação do nexo causal, há duas questões a serem analisadas. Primeiramente, existe a dificuldade em sua prova; a seguir, apresenta-se a problemática da identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, principalmente quando este decorre de causas múltiplas. Nem sempre há condições de estabelecer a causa direta do fato, sua causa eficiente. Avulta a importância da definição do nexo causal é, na verdade, nesse campo, a única defesa eficaz que tem o indigitado pela indenização. Aponta-se a denominada teoria da equivalência das condições ao se cuidar do nexo causal. (VENOSA,2010, p.57)
Pertinente ainda, comentar que em regra geral existente ainda um quarto elemento: a culpa em sentido amplo, que pode consistir na culpa em sentido estrito (enquanto violação do dever objetivo do cuidado, geradora de imprudência, negligencia ou imperícia) ou então no dolo (intenção deliberada de provocar o ato). Eis a regra em nosso sistema: a responsabilidade é subjetiva exigindo-se a comprovação da culpa do causador do dano.
Conforme será visto no próximo tópico e já foi delineado, o Brasil atualmente adota um sistema misto.
2.3 Com culpa ou sem culpa: responsabilidade objetiva e subjetiva
A responsabilidade, via de regra depende da culpa, contudo haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, conforme salientado pelo art.927, parágrafo único do CC/02. Tem-se então, no campo da responsabilidade objetiva, sem culpa, que se embasa na ideia de risco inerente a algumas situações. Se o individuo está envolvido em uma circunstancia potencialmente causadora de danos, ele deve arcar com os possíveis prejuízos que porventura surjam, independentemente de culpa.
Para Washington de Barros Monteiro a teoria da responsabilidade subjetiva é:
É a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligência, imprudência ou imperícia. (MONTEIRO, 2003, p.449)
Em contrário sensu, tem-se a responsabilidade objetiva, a qual relata Carlos Roberto Gonçalves:
A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, à reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. (GONÇALVES, 2011, p.48)
Assim, diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa do agente, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsabilidade do causador do dano, pois somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa.
Já em alguns casos, presume-se a culpa – responsabilidade objetiva impropria -, noutros a prova da culpa é totalmente prescindível – responsabilidade objetiva propriamente dita. A responsabilidade objetiva somente é possível quando expressa em lei, aplicando-se nos outros casos, a responsabilidade subjetiva.
Assim, na teoria objetiva basta haver o dano e a conduta para existir o nexo de causalidade, o quarto elemento, qual seja, a culpa, é ausente.
Caio Mário da Silva Pereira adverte:
A regra geral que deve presidir à responsabilidade civil é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva. É nesse sentido que os sistemas modernos se encaminham, como por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da imputabilidade do fato lesivo. Insurgir-se contra a ideia tradicional da culpa é criar uma dogmática desafinada de todos os sistemas jurídicos. Ficar somente com ela é entravar o progresso. (PEREIRA, 2006, p.507)
Destarte, pode-se analisar que a responsabilidade civil no Brasil não pode mais caracterizar-se como apenas subjetiva, tampouco adotar totalmente a teoria do risco. Eis o sistema misto, sui generis que caminha ao equilibro de responsabilizar todo aquele que causa dano a repara-lo.
2.4. O dano ainda que apenas moral
O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica. A CF/88 fortaleceu, de maneira decisiva a posição da pessoa humana, e de sua dignidade, no ordenamento jurídico, logrando a determinação do dever de reparar todos os prejuízos injustamente causados a pessoa humana. Preconiza a Magna Carta:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Visualiza-se que o texto constituinte traz que o dano pode ser material ou moral, não exigindo a existência do dano material para a configuração do outro. Assegura-se o direito a reparação do dano mesmo que ele seja apenas moral, com confirmação feita pelo art. 186 do CC/02: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
O dano moral existe sozinho, sem o acompanhamento do material – que traz prejuízos quantitativamente mensuráveis. E é esta outra questão do dano moral, não se consegue mensurar o dano moral da mesma forma que o material, tornando a tarefa do magistrado muito mais complexa. Assim, os tribunais tem reconhecido a existência de dano moral não apenas nas ofensas à personalidade, mas também sob a forma de dor, sofrimento e angustia. Há situações em que o incomodo ou o mero aborrecimento é invocado como causa suficiente para o dever de indenizar.
Carlos Roberto Gonçalves divide ainda o dano moral em direto e indireto:
Dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integralidade corporal, a liberdade, a honra,o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). O dano moral indireto consiste na lesão a um interesse tendente à satisfação ou gozo de bens jurídicos patrimoniais, que produz um menoscabo a um bem extrapatrimonial, ou melhor, é aquele que provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial, devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima. Deriva, portanto, do fato lesivo a um interesse patrimonial. É a hipótese, por exemplo, da perda do objeto de valor afetivo. (GONÇALVES, 2011, p.378)
Desta forma, é possível o dano exclusivamente moral – caso que será visualizado no capítulo 3 de forma mais aprofundada, pois o pai que abandona o filho gera dano moral. E este dano, na concepção doutrinária retro mencionada é direto pois trata-se da lesão aos sentimentos afetivos e ao estado de família. O dano moral decorrente do abandono afetivo não aborda a lesão de bens patrimoniais, mas de um direito à personalidade e um atributo a pessoa.
3 – A REJEIÇÃO QUE GERA A INDENIZAÇÃO
Ninguém é obrigado a nutrir sentimentos por outra pessoa, mesmo que esta pessoa seja seu descendente. Isso foi objeto de discussão do Recurso Especial 1159242 / SP, mas também foi objeto de discussão neste mesmo recurso, a forma que afeto é dever. Gerar uma criança, por vezes é uma opção, mas criar esta criança – nos moldes da CF/88, do CC/02 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – é uma obrigação.
Este terceiro capítulo estuda a busca pela reparação civil feita por filhos que tiveram o reconhecimento registral de seus genitores, mas nunca obtiveram o status familiar, nunca gozaram da convivência com seus parentes. A discussão iniciada à alguns anos nos Tribunais de Justiça Estaduais ganhou repercussão nacional com a manutenção do dano moral no Recurso retro mencionado.
O questionamento acerca do descaso dos pais divide opiniões de magistrados e acadêmicos, pois indaga-se se com a condenação repara-se o dano ou enriquece-se ilicitamente quem ganha a indenização. Não se pode comprar amor, tampouco mensurá-lo numericamente ou equiparar os anos sem amor paterno com qualquer outro dano; contudo, não se pode também deixar de considera que este abandono gerou um prejuízo irreparável na vida daquele que busca amparo jurisdicional.
O TJ-RJ, como será visto adiante, desconheceu qualquer pretensão que os filhos pudessem ter em relação aos pais, ainda em 2004, sendo que no ano de 2006 o TJ-RS também negou provimento à indenização por danos morais em caso semelhante, por crer que não existia abalo psicológico na situação. Contrário a tais decisões o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais reconheceu a pretensão do filho em 2005, por acreditar que o genitor deve incluir-se no desenvolvimento de seus filhos, em 2004.
Isto posto, tem-se ainda a mudança na concepção do Superior Tribunal de Justiça que em 2005 e 2009, julgou em sede de Recurso Especial, contrário a imposição de indenização nos casos de abandono moral paterno familiar. A quarta turma do STJ julgou os dois Recursos Especiais que não reconheceram o dano moral, sendo que em 2012 a pretensão foi acolhida pela terceira turma do STJ.
Percebe-se uma evolução no pensamento da Corte Infraconstitucional, responsável pelo mérito da questão, uma vez que o STF já manifestou-se considerando exaurida todas as instâncias e não tomando a matéria como Constitucional. Assim, deve-se considerar o voto de cada ministro, a ideia tida para entendimento da matéria tão contraditória.
Com análise dos votos vislumbra-se a compreensão do STJ acerca do tema, se a questão versa sobre um caso isolado ou alterou todo o entendimento da Corte Infraconstitucional e dos TJ’s.
3.1. A falta de afeto
Mormente às analises já produzidas, verifica-se que o afeto é princípio constitucional e que todo aquele que gera dano é obrigado a repará-lo. Contudo, as duas condutas ainda não foram colocadas em conjunto: a falta de afeto e o dano.
O abandono, a rejeição de um pai para com um filho desde o berço e sem qualquer motivo aparente divide opiniões no mundo jurídico, quando estes rebentos já adultos buscam amparo jurisdicional em tentativas, por vezes falhas, de compensar o “dano” psíquico e emocional da falta de afeto.
Carlos Roberto Gonçalves torna explícita a situação mencionada pelos filhos:
Não basta pagar pensão alimentícia e fornecer os meios de subsistência dos filhos. Queixam-se estes do descaso, da indiferença e da rejeição dos pais, tendo alguns obtido o reconhecimento judicial do direito à indenização como compensação pelos danos morais, ao fundamento de que a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, o carinho, devendo o descaso entre pais e filhos ser punido severamente por constituir abandono moral grave. (GONÇALVES, 2011, p.419)
A busca pela compensação do afeto por vezes não é entendida pelos magistrados que salientam a reparação patrimonial. Em análise à sentenças em que se busca a reparação de danos tem-se várias vezes tratar de “mero aborrecimento”, entretanto resta impossível dizer tal coisa na falta de um genitor.
O salientado nos casos de abandono afetivo é a busca incessante durante anos por um convívio familiar, que não excluiu apenas o genitor – mas toda sua família. Por muitas vezes, são irmãos que nunca se conheceram e até estudaram no mesmo colégio ou frequentaram os mesmos lugares; irmãos que até mesmo foram educados para ignorar o filho “abandonado”.
Como será analisado adiante, cada situação de abandono afetivo envolve uma série de peculiaridades que tornam o caso mais fácil e ao mesmo tempo mais difícil à apreciação judicial. O abandono afetivo não é um dano in reipsa, ou uma situação em que simples provas documentais possam determinar a extensão da reparação: trata-se de uma vida, de pessoas que foram privadas do convívio familiar por vontade de um genitor – que via de regra, deveria lhe dar amor.
Maria Berenice Dias explica:
A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influencia do contexto familiar para o desenvolvimento sadio das pessoas em formação. Não se podendo mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim a convivência dos filhos com os pais não é direito, é dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. (DIAS, 2011, p.460)
O dano moral, como estudado no capítulo 2, trata das sequelas de ordem emocional, portanto nada mais justo que exista a compensação do dano afetivo, pois a existência dele não é questionada. Novamente, Maria Berenice Dias justifica:
O adimplemento do dever de visita sempre ficou exclusivamente à mercê da vontade do genitor, que escolhia a seu bel prazer a hora, o dia e a periodicidade de buscar os filhos. A estes só cabia aguardar pacientemente que o pai resolvesse vê-los. Também decorrente do sentimento de abandono pela separação e, não raro, do inadimplemento da obrigação alimentar. Também é possível, ainda, imaginar hipóteses em que a “culpa” pelo abandono afetivo da prole possa ser imputado a ambos os genitores. [...] A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados dos filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o principio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. E quem causa dano moral é obrigado a indenizar. (DIAS, 2011, p.460-461)
Reconhecido o dano moral – ou seja, o severo abalo emocional e psicológico causado pelo abandono paterno – tem que falar na reparação deste dano. A análise do caso concreto irá demonstrar o valor a ser fixado, salientando-se que a não fixação de valores somente incentivará cada dia mais pais a abandonarem seus filhos – principalmente os gerados fora do matrimonio – por saber que a justiça nada fará contra eles.
Em análise comparativa sobre a presunção do dano, vê-se os seguintes fatos:
- Tícia, de boa índole e caráter inquestionável, sempre zelou por seu crédito na cidade, pagando suas contas em dia. Tem seu nome negativado indevidamente por uma empresa de telefonia que cadastrou lhe um telefone em uma cidade à 700 km, a qual ela nunca visitou. Ela sequer ligou para a empresa questionando o registro, ingressou com uma declaratória de inexistência de débito cumulada com danos morais.
- Mévia, tem 32 anos é casada, com dois filhos. Quando nasceu, seu genitor recusou-se a registra-la mesmo presentes todas as presunções de paternidade, assim, aos 8 anos ingressou com uma ação judicial de reconhecimento de paternidade a qual obteve êxito e na qual fixaram-se alimentos e visitação. Todos na cidade conhecem seu genitor e sua história, sendo que sempre lhe foram pagos em dia o valor à título de alimentos. Mas Mévia nunca conviveu com seu genitor, nunca pode visitar sua residência e lhe foi negada a comunhão com seus irmãos. Seu pai nunca esteve presente nas apresentações escolares, mesmo com o aviso de sua mãe, e a família paterna sempre ignorou-lhe. O casamento foi outra data ignorada por toda a família e seus filhos não tem convívio com o avô paterno ou tios e primos. Após anos, ela ingressou com uma ação de danos morais por abandono afetivo.
Sob este prisma e após a elucidação da responsabilidade civil vê-se logo que Tícia foi lesada, ferida em sua dignidade – pois macularam seu nome. O caso, visto como dano in reipsa pelos Tribunais Estaduais, ou seja, dano presumido, não possui discussão de mérito, uma vez que a empresa de telefonia tem responsabilidade objetiva (relações de consumo) e o Código de Defesa do Consumidor defende o hipossuficiente, no caso, Tícia. Não existem discussões sobre isso, apenas sobre o quantum indenizatório a ser fixado.
Já o segundo caso não traz apenas uma história, mas a síntese fática de ações de dano moral por abandono afetivo. Mesmo após o julgamento do STJ em 2012, vê-se juízes de primeira instância e TJ’s sem entendimento da extensão do julgado – pois não se trata de jurisprudência uníssona, em que seguem reiteradas as decisões, apenas a 3ª Turma manifestou-se. Mévia encontraria ainda muitos obstáculos no julgamento do mérito, pois uma parte da doutrina entende que ela possui o direito a indenização pelo dano sofrido, outra traz que isso é enriquecimento ilícito, ou como dito no segundo capítulo, “tudo por dinheiro”.
A não fixação do dano em casos como o de Mévia apenas incentivaria mais pais a abandonarem seus filhos, pois para estes, aos olhos da sociedade e da justiça nada ocorreria. A destituição do poder familiar para estes genitores que abandonam os filhos não é uma punição: é uma benção. Eles nunca desejaram conviver com suas proles e a justiça se assegurará disto.
3.2A negação dos Tribunais Estaduais
Discutir o que é dano moral não é tarefa fácil aos magistrados, mesmo em casos que envolvem apenas a responsabilidade civil. O dano moral é intrínseco a pessoa, ao seu interior; e por vezes o que gera dano moral à um, não gera a outro. Nestas condições, em que um conjunto de provas devem demonstrar o dano ou não, estuda-se o papel dos Tribunais estaduais, antes e depois da decisão do STJ em 2012.
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p.420) prenuncia que para a decisão “todas as circunstâncias devem ser levadas em consideração no julgamento de casos dessa natureza, especialmente para não transformar as relações familiares em vindita ou em um jogo de interesses econômicos”.
Assim, na Apelação 2004.001.13.664, julgada na 4ª Câmara Cível do TJ-RJ pelo Desembargador Relator Mário dos Santos Paulo em Setembro de 2004 julgou-se da seguinte forma:
1. Indenização. 2. Dano moral. 3. Objetivo indenizatório deduzido por filha contra o pai, visando compensação pela ausência de amor e afeto. 4. Ninguém está obrigado a contemplar quem quer que seja com tais sentimentos. 5. Distinção entre o direito e a moral. 6. Incidência da regra constitucional, pilar das democracias mundo a fora, e a longo tempo, esculpida no art.5º, II da nossa carta política segundo a qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. 7. Pretensão manifestamente mercantilista, deduzida na esteira da chamada indústria do dano moral, como sempre protegida por deferimento de gratuidade de justiça. 8. Constatação de mais de uma tentativa de ganho fácil, sendo imperioso evitar a abertura de larga porta com pretensões do gênero. 9. Sentença que merece prestigio. 10. Recurso improvido. (Ap.2004.001.13664, 4ª Câmara Cível. Rel. Des. Mário dos Santos Paulo, Dje, 4-11-2004)
Mesmo que já antiga, esta decisão revela o pensamento de muitos magistrados e Tribunais ainda no presente momento. A ideia de que o dano moral afetivo é uma pretensão mercantilista, decorrente da indústria do dano moral é o cerne da questão e a motivação das sentenças produzidas. A concepção até então era afastar qualquer caso envolvendo o dano moral intrafamiliar, pois geraria ainda maiores transtornos ao judiciário. Sob este mesmo raciocínio decidiu o TJ-SP em 2008:
Indenização. Dano moral. Abandono afetivo do genitor. Ausência de ato ilícito. Ao relacionamento desprovido de vínculo afetivo entre pai e filho não se atribui dolo ou culpa aptos a ensejar reparação civil. Inexistência de ato ilícito no âmbito do direito obrigacional. Indenização indevida. Recurso provido.(TJ-SP - AC: 5995064900 SP , Relator: Maia da Cunha, Data de Julgamento: 11/12/2008, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/12/2008)
Neste caso o TJ-SP considerou que não existe ato ilícito na inexistência de vínculo afetivo estabelecido entre pai e filho, entendendo que não há necessidade de reparação pelo disposto no art. 927, in casu, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Na ausência da ilicitude do ato, considerado como o dano, não há o que se falar em indenização pecuniária. O TJ-DFT compreende o fato da mesma forma:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO GENITOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. "A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PRESSUPÕE A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO, NÃO RENDENDO ENSEJO À APLICABILIDADE DA NORMA DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 O ABANDONO AFETIVO, INCAPAZ DE REPARAÇÃO PECUNIÁRIA... (RESP 757411 / MG, 4ª TURMA, RELATOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, DJ 27.03.2006 P. 299)". 2. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJ-DF - APC: 20050610110755 DF , Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 02/04/2008, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: DJU 07/04/2008 Pág. : 51)
A ilicitude da conduta, decorrente da culpa do agente não existe na percepção destes nobres julgadores. No ordenamento jurídico pátrio qualquer ato ilícito qualifica-se pela culpa, como diz Maria Helena Diniz (2011, p.57): “O ato ilícito é praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão.”
Assim se não há ilicitude na ação praticada e todo dano decorre de ato ilícito, não há dano e não existem pressupostos ensejadores da condenação por dano moral. Contudo, como salientado, viola-se direito subjetivo – e direitos subjetivos são inerentes a cada individuo. Para tanto, o TJ-RS entendeu em 2011 que as demonstrações de afeto devem ser naturais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70044341360, TJ-RS , Relator: André Luiz PlanellaVillarinho, Data de Julgamento: 23/11/2011, Sétima Câmara Cível)
A consideração feita pelo TJ-RS, tendo-se ainda em consideração a natureza da ação, que buscava além da reparação moral a obrigação de visita paterna para manutenção de vínculo, é contrária ao princípio da paternidade responsável, bem como ao estabelecido na CF/88 em seu art.226 e nos CC/02 e no ECA. A visitação, como dito alhures não é apenas um direito do genitor, é um dever. Mantem-se na ementa a concepção que não existe ilicitude na conduta do agente, no caso o genitor pois não pode-se obrigar o outro a ter carinho. O TJ-SC alude a consideração feita sobre não poder obrigar o outro a nutrir sentimentos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SUSCITADO CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENDIDA PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE ELEMENTOS DE PROVA, ESPECIALMENTE DOCUMENTAL, SUFICIENTES À PLENA CONVICÇÃO DO JULGADOR. PRELIMINAR AFASTADA. ALEGADO ABANDONO MATERIAL E AFETIVO DO GENITOR. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE REALIZADO APENAS MEDIANTE AÇÃO JUDICIAL. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. É curial que a produção de provas (pericial e testemunhal) é dirigida ao juiz da causa e portanto, para a formação de seu convencimento. Logo, se este se sentir habilitado para julgar o processo, calcado nos elementos probantes já existente nos autos, pode, sintonizado com os princípios da persuasão racional e celeridade processual, desconsiderar o pleito de produção de tais provas, sem cometer qualquer ilegalidade ou cerceamento de defesa. 2. Os sentimentos compreendem a esfera mais íntima do ser humano e, para existirem, dependem de uma série de circunstâncias subjetivas. Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo. (TJ-SC - AC: 292381 SC 2010.029238-1, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 30/06/2010, Terceira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau)
Percebe-se que o magistrado, sem mesmo analisar as provas testemunhais, restava convicto da impossibilidade jurídica do pedido, entendendo-se que como não se pode obrigar a nutrir carinho e amor, o abandono afetivo, qual seja, o não estreitamento dos vínculos familiares e a não participação do genitor e de sua família na vida do descendente, não é passível de indenização.
O TJ-SP reconheceu o direito a indenização por abandono afetivo na seguinte ementa:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DA PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS ATÉ A MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Desta decisão foi interposto Recurso Especial e em 2012 a 3ª Turma do STJ reconheceu o direito à reparação do dano moral sofrido pelo abandono afetivo, como foi visto no capítulo 1. Entretanto o posicionamento da suprema corte infraconstitucional do Brasil não alterou o pensamento de alguns tribunais que em decisões recentes refutaram o parecer emitido.
Destarte, eis o exposto no voto do Desembargador Coelho Mendes, em recente decisão:
[...] Insiste em imputar ao genitor culpa por suas adversidades naturais e psicológicas, em razão do abandono afetivo, sofrendo diferença de tratamento relativo ao meio irmão, requerendo indenização para suprir os danos emocionais.
Não tem razão.
Não há que se falar em falta de oportunidade probatória, considerando que a questão controvertida é essencialmente de direito, exigindo o mero exame quanto ao cabimento ou não de ressarcimento econômico pela falta de estreitamento afetivo entre pai e filho, entendendo o magistrado a quo pela impossibilidade da pretendida reparação civil.
De fato, a ciência jurídica foi criada para disciplinar as relações sociais, mas evidentemente ela não vincula todas as relações vivenciadas entre os indivíduos.
No campo afetivo é impossível impor aos cidadãos, por meio de sanção econômica, a obrigação de sentir afeto pelos demais semelhantes, mesmo que seja um filho.
Sabe-se que a família é o primeiro núcleo social do ser humano, constitui referencial de vida, transmite valores, fornece experiências, enfim é a entidade responsável pelo estreitamento afetivo entre os membros que a compõem.
No presente caso, o apelante, advindo de uma relação extraconjugal do seu genitor e tendo sua paternidade reconhecida por meio de ação judicial e quando já contava com 8 anos de idade, parece razoável o argumento de que não manteve estreito vínculo de parentesco e afetivo com seu pai.
Todavia isto decorre das vicissitudes da vida que infelizmente não podem ser resolvidas na órbita jurídica, talvez com o auxílio da ciência da psicologia. De fato, a afetividade nem sempre decorre naturalmente da existência do vínculo genético, infelizmente não é produto resultante da mera vontade das pessoas, mas fruto de aproximação espontânea, verdadeira e incondicional.(Apelação nº 3003780-23.2013.8.26.0136, TJ-SP, Relator: Coelho Mendes, Data de Julgamento: 11/03/2014, 10ª Câmara de Direito Privado)
In casu, oportuno salientar que não houve sequer a possibilidade de se apresentar todo o conteúdo probatório, eis porque o recorrente pugnava pela anulação do processo. Uma vez que impõe-se o dever de cuidar, zelar pelo filho, não há o que se questionar a origem ou qualquer outro fato semelhante, até porque o CC/02 proíbe quaisquer distinções entre os filhos. O “parecer razoável” de não manter contato pelo filho advir de uma relação extraconjugal não é razoável para a criança que nunca teve contato com seu genitor e cresceu sem o apoio familiar, citado pelo desembargador como referencial da vida.
Do mesmo modo, o TJ-RJ indeferiu o pedido de indenização por danos morais decorrente da relação paterno familiar:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA PELAS FILHAS EM FACE DO GENITOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO DO JULGADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PRATICADO. RECUSA DELIBERADA DAS FUNÇÕES PARENTAIS NÃO VERIFICADA. O Estudo Psicológico e Social atestou que, atualmente, não existe um relacionamento de intimidade entre pai (Apelado) e filhas (Apelantes). Parecer técnico que concluiu que o distanciamento existente entre o Apelado e as Apelantes foi motivado, principalmente, pelo fato de terem elas uma relação de afeto mais estreita com seu padrasto. Comportamento do genitor que se apresentou como sendo fruto de imaturidade, em não saber separar as funções de pai, das de ex-companheiro. Demanda judicial que foi importante para reforçar os laços de afeto existentes entre o Apelado e a segunda Apelante. Primeira Recorrente que se demonstrou disposta a retomar o contato com seu genitor. Acervo probatório que confirma que não restou configurado o abandono afetivo alegado. RECURSO CONHECIDO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ - APL: 00368486320098190002 RJ 0036848-63.2009.8.19.0002, Relator: DES. MARIA REGINA FONSECA NOVA ALVES, Data de Julgamento: 18/03/2014, DÉCIMA QUINTA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 16/04/2014 16:25)
Verifica-se que procura-se subterfúgios para a negativa do dano, outrora concedido pelo STJ, pois na ementa acima tem-se a ausência de intimidade entre as partes, comprovado por Estudo Social, mas justifica-se esta falha na imaturidade do genitor que não soube discernir seu papel como pai e ex-cônjuge. Não se vê o nexo de causalidade entre o comportamento do genitor e o dano ocasionado as filhas.
Os dois casos demonstrados, em que não se foi aplicado o dano moral, demonstrar em seus acórdãos e até mesmo em suas ementas que os Tribunais estaduais hesitam em aplicar o dano moral nas relações intrafamiliares. Busca-se qualquer outra justificativa para o dano, mas não se concede a reparação.
Ante estes casos, apenas um julgado foi encontrado em sentido contrário mas demonstra que pode haver uma mudança no entendimento, desde que entenda-se que o genitor é responsável pelo filho – não apenas materialmente, mas por sua formação. Neste sentido, vota o Desembargador Barros Levenhagen:
Segundo a teoria clássica da responsabilidade civil (art. 186, Código Civil), o dever de indenizar pressupõe a presença de três requisitos: dano, ilicitude do ato e nexo de causalidade entre a conduta antijurídica e o prejuízo causado; inexistindo um dos requisitos acima mencionados, não há que se falar em responsabilidade civil.
O caso concreto enseja a aplicação deste lineamento e revela como imperativa a confirmação da sentença no tocante à caracterização do dano moral causado ao menor V. L. C. P. em razão do deliberado e lamentável desinteresse do demandado, seu genitor, em com ele estabelecer contato de qualquer natureza.
A justificativa apresentada pelo réu para sequer conhecer o filho se apresenta irrelevante face ao prejuízo sofrido pelo menor decorrente do abandono paterno, asseverando sua conduta ainda mais repreensível por se tratar, o réu, de médico, cuja formação deveria clarificar a gravidade e repercussão da rejeição (laudo de fls. 132/133-TJ).
De fato, a gravidez ainda que não planejada, concebida durante crise conjugal do casal, após vários anos de relacionamento (autos da Investigação de Paternidade em apenso), não possui o condão de eximir o recorrente do exercício de suas obrigações de pai.
Justo ressaltar que a responsabilidade pela concepção de uma criança e o próprio exercício da parentalidade responsável não devem ser imputados exclusivamente à mulher, pois decorrem do exercício da liberdade sexual assumido por ambos os genitores. (TJ-MG - AC: 10145074116982001 MG , Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2014)
Em seu voto, o ilustre desembargador preconiza ser dever de ambos os genitores o exercício da paternidade, não aquiesquendo com quaisquer justificativas do pai para desinteresse na vida do menor. No entendimento do julgador, as justificativas são irrelevantes e ele define como imperativa a caracterização do dano. O Desembargador Revisor, Versiani Penna, emitiu ainda o seguinte parecer:
Cediço é que a paternidade não se resume ao dever de prestar assistência material, mas também assistência moral, psíquica e afetiva.
Por óbvio que a falta de cumprimento de quaisquer desses deveres geram transtornos na vida da criança, mas, em especial, o dever de assistência afetiva é, a meu ver, o mais doloroso e talvez seja o que mais traga prejuízos psicológicos para o menor. A rejeição e a indiferença são um dos piores sentimentos que um indivíduo pode sofrer, quanto mais uma crianças.
Sendo assim, não há dúvida de que essa forma de violência e agressão moral é danosa para o filho, na medida em que lhe causa angústia, insegurança, tristeza, ou seja, transtornos psicológicos de toda ordem que poderão refletir por toda a sua vida. (TJ-MG - AC: 10145074116982001 MG , Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2014)
Vê-se que os desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais emitem a preocupação com o desenvolvimento saudável da criança, entendendo como insustentável a rejeição e o abandono sofridos por esta. O Revisor ainda sustenta que:
Frise-se, por oportuno, que não se pretende com a indenização obrigar o genitor a amar o filho, mesmo porque isso seria impossível, mas responder pelo mal causado pela sua omissão e negligência. De mais a mais, a imposição de condenação por danos morais aos genitores que abandonam seus filhos constitui uma forma de chamar a atenção da sociedade para que compreendam que a participação dos pais na vida dos filhos é um dever inerente a sua condição de genitor - paternidade responsável - e que a sua omissão é passível de ser objeto de reparação civil. Assim, atribui-se um caráter até mesmo psicológico a essa condenação. (TJ-MG - AC: 10145074116982001 MG , Relator: Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 23/01/2014)
Esta é atualmente a opinião do STJ, que não pode obrigar ninguém a amar, mas a omissão do dever de cuidar configura ilicitude e é punível. Ademais, a condenação por dano moral nestes casos, como atenta o Desembargador Versiani Penna é uma forma de demonstrar para outros pais negligentes que esta conduta não é mais condenada apenas socialmente, ela também é judicialmente punível. Caso os pais não exerçam a paternidade responsável é dever da justiça conceder amparo jurisdicional a estes filhos abandonados.
O direito é mutável, portanto não deve-se ter como absolutos os pensamentos emitidos em contrariedade à reparação do dano, uma vez que os Tribunais também devem se ater ao entendimento emitido pelo STJ, que já mudou seu pensamento e hoje favorece a reparação do dano.
3.3 STJ – A mudança na concepção
Como antes dito, o STJ reconheceu em 2012 o direito à reparação por dano moral pelo abandono afetivo. Contudo, o que não foi amplamente divulgado é que a corte infraconstitucional já havia emitido outrora parecer ao contrário. Em 2005 o Ministro Relator Fernando Gonçalves julgou improcedente a pretensão ajuizada, nos seguintes termos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS.IMPOSSIBILIDADE.1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária.2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299)
Traz-se novamente a questão da ilicitude da conduta praticada, que não foi considerada ilícita – portanto, ausente a culpa e os pressupostos para a reparação do dano. Entendeu o STJ na época que impossível reparar pecuniariamente o dano moral. Neste sentido, votou o Ministro Fernando Gonçalves:
No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral.
Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso. (REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299)
Ocorre que a destituição do poder familiar para um genitor que nunca desejou exercer esse poder familiar, não se trata de uma punição severa como dita pelo Ministro, mas sim de uma forma legal de escusar-se do cumprimento de seu dever constitucional de zelar pelo filho. Quanto a transferência de sentimentos ruins, deve-se ser analisado todo o conjunto probatório e verificada a interferência produzida, qualificada como alienação parental.
O genitor que não deseja a convivência com a criança e nunca a exerceu, encontra amparo jurisdicional em magistrados que entendem a retirada do poder familiar como melhor solução a lide. O Ministro Barros Monteiro, na ocasião foi contra o voto dos demais colegas e pronunciou-se:
Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo.
Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso. (REsp 757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 27/03/2006, p. 299)
Esta foi a primeira manifestação do Tribunal no sentido de reconhecer o dano moral afetivo, mas revelou-se voto vencido, pois os demais ministros votaram com o relator. Outrossim, é importante salientar que o Ministro Barros Monteiro evidencia a existência do dano, que é comprovado, em seus dizeres, pelo sofrimento, dor e abalo psíquico sofridos pelos genitores. Em 24/04/2012 a 3ª Turma do STJ modificou o entendimento de que não existe dano moral nas relações paterno familiares por considera-lo um ramo externo ao Direito de Família, e nesse sentido expôs, no voto da Ministra Nancy Andrighi:
Faz-se salutar, inicialmente, antes de se adentrar no mérito propriamente dito, realizar pequena digressão quanto à possibilidade de ser aplicada às relações intrafamiliares a normatização referente ao dano moral.
Muitos, calcados em axiomas que se focam na existência de singularidades na relação familiar – sentimentos e emoções – negam a possibilidade de se indenizar ou compensar os danos decorrentes do descumprimento das obrigações parentais a que estão sujeitos os genitores.
Contudo, não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar⁄compensar, no Direito de Família.
Ao revés, os textos legais que regulam a matéria (art. 5,º V e X da CF e arts. 186 e 927 do CC-02) tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, de onde é possível se inferir que regulam, inclusive, as relações nascidas dentro de um núcleo familiar, em suas diversas formas.(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
Assim, afastaram-se as ideias do STJ de que seria indenizável o dano moral nas relações familiares. O voto da ministra mostra a possibilidade jurídica da ausência das obrigações legais serem compensadas civilmente. O direito de família não está impossibilitado de conviver com os outros direitos, podendo e devendo interagir com eles quando se fizer necessário para o caso concreto. Em ultimo, analisa-se a compreensão da 3ª Turma do STJ acerca do Tema.
3.4 A razão da Corte Infraconstitucional
Em forma repetida viu-se que o STJ modificou seu entendimento e entendeu indenizável o abandono afetivo das relações intrafamiliares. De todos os modos, visível tornou-se o voto da relatora, que famosa tornou-se pelos dizeres “Amar é faculdade, cuidar é dever”. Entretanto, o julgamento não foi unânime e o Ministro Massami Uyeda demonstrou sua contrariedade em considerar procedente o pedido de reparação:
Agora, o que é a negligência no sentido do dever, do pátrio dever? Não sei. Nós mesmos, como pais, avós, temos inúmeras falhas. As crianças, os filhos, hoje, já são adultos e podem até reclamar, e até com muita razão.
Então, abrir essa porta aqui, reconhecer isso como um direito não podemos, com todo o respeito. Existe uma lesão à estima. Todos nós... A nossa vida é feita de perdas e ganhos, talvez até mais de perdas do que de ganhos. .(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
Percebe-se que mesmo sabendo da existência do dano, não se poderia reconhece-lo pois seria um precedente com demasiada amplitude para o tribunal. Considerou então o ministro que o abandono afetivo seria apenas mais uma perca da vida e não suscetível de reconhecimento judicial.
O ministro ainda ressaltou no mesmo julgamento que caso julgassem procedente a ação, o tribunal iria “cuidar de mágoas”. Já o Ministro Sidnei Benneti entendeu que a lei não aufere distinção em quem pode ou não ser civilmente indenizado, não havendo proibição para reparação do dano intrafamiliar:
É que, reconhecida a indenizabilidade do dano moral pelo sistema jurídico, não há nele, sistema jurídico, causa dele excludente fundada em relação familiar, cujos direitos e obrigações recíprocos não podem, segundo o sistema jurídico, ser erigidos em cláusulas de não indenizar, não declaradas como tais pela lei. Assim, em princípio, é possível a indenização por dano moral, decorrente do abandono de filho, agravado por tratamento discriminatório em comparação com outros filhos, não importando seja, o filho lesado, havido em virtude de relacionamento genésico fora do casamento, antes ou depois deste, nem importando seja o reconhecimento voluntário ou judicial, porque a lei não admite a distinção, pelos genitores, entre as espécies de filhos – naturais ou reconhecidos. .(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
Deste modo, entendeu que não pode haver descriminação entre os filhos – devendo todos serem considerados da mesma forma, sendo que a distinção é agravante para o abandono que gerou severo abalo emocional na autora da ação principal.
O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino manifestou sua cautela:
As relações travadas no seio da família, por afetarem a esfera íntima das pessoas, são especialmente carregadas de sentimentos. De um lado, representam o aspecto mais espontâneo do humano e, de outro, tendem a causar, em aparente contradição, mais fortúnios e infortúnios do que em qualquer outra espécie de relação.
Assim, pela própria natureza delicada dos relacionamentos familiares, a responsabilidade civil no Direito de Família não pode ser equiparada à responsabilidade civil extracontratual em geral, sob pena de se exigir, no trato familiar diário, uma cautela incompatível com as relações que se firmam no âmbito da família, além de se conduzir a uma indesejável patrimonialização das relações pessoais, justamente em seu viés mais íntimo.
Não se pode olvidar que as frustrações experimentadas no seio familiar, além de contribuírem para o crescimento e para o desenvolvimento do indivíduo, são, em parte, próprias da vida e, por isso mesmo, inevitáveis.
Sendo assim, entendo que o reconhecimento de dano moral em matéria de família é situação excepcionalíssima, devendo-se admitir apenas em casos extremos de efetivo excesso nas relações familiares. .(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
A conclusão do ministro foi no sentido que excepcionalmente, no total abandono caracterizado, deve-se dar deferimento as ações. Pois não se pode também deixar de analisar o prejuízo irreparável causado pelo abandono do genitor.
Heterogenizar o direito de família com os demais ramos do direito civil é um medo dos operadores do direito, como salientou o Ministro Massami Uyeda, principalmente porque todos estão preparados para lidar com o concreto, o objetivismo e assuntos como este são carregados de subjetividade, fazendo-se necessária extensa análise do caso concreto. Não se deve banalizar para sugerir que qualquer ausência seja dano moral, mas é dever dos pais cuidarem dos filhos e caso um destes genitores não o faça, ele deve reparar o dano.
No REsp 1159242/SP decidiu-se por fim caracterizar o dano moral decorrente do abandono familiar, considerando-se que cuidar é dever constitucional e que o genitor no caso nunca exerceu tal dever. Prover economicamente com um filho não é o único dever de um pai, salientou a alta Corte Infaconstitucional do País.
Os ministros Sidnei Benneti e Paul de Tarso Sanseverino votaram no sentido de diminuir o valor pecuniário, estabelecido no TJ-SP em R$ 400.000,00. Para eles tratava-se de um valor exacerbado, a sentença foi estabelecida em R$ 200.000,00.
O STF foi instado a manifestar-se em Recurso Extraordinário, entretanto demonstrou que não há matéria constitucional a ser discutida e não conheceu o recurso protocolado. Portanto, a sentença já transitou em julgado.
A ministra Nancy Andrighi considerou por fim que deve-se ter em consideração os laços de afeto:
Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar.
Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.
Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica. por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal.
Discute-se novamente a imposição de amar. O sentimento não é obrigatório, é de foro intimo e pessoal. Mas constitucionalmente, o art.226 da CF/88 impõe o dever de cuidar, zelar do filho e isso é inquestionável.
Fixado esse ponto, impõe-se, ainda, no universo da caracterização da ilicitude, fazer-se pequena digressão sobre a culpa e sua incidência à espécie.
Quanto a essa monótono o entendimento de que a conduta voluntária está diretamente associada à caracterização do ato ilícito, mas que se exige ainda, para a caracterização deste, a existência de dolo ou culpa comprovada do agente, em relação ao evento danoso.
Eclipsa, então, a existência de ilicitude, situações que, não obstante possam gerar algum tipo de distanciamento entre pais e filhos, como o divórcio, separações temporárias, alteração de domicílio, constituição de novas famílias, reconhecimento de orientação sexual, entre outras, são decorrências das mutações sociais e orbitam o universo dos direitos potestativos dos pais – sendo certo que quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém (qui iure suo utitur neminem laedit).
De igual forma, não caracteriza a vulneração do dever do cuidado a impossibilidade prática de sua prestação e, aqui, merece serena reflexão por parte dos julgadores, as inúmeras hipóteses em que essa circunstância é verificada, abarcando desde a alienação parental, em seus diversos graus – que pode e deve ser arguida como excludente de ilicitude pelo genitor⁄adotante que a sofra –, como também outras, mais costumeiras, como limitações financeiras, distâncias geográficas etc.
A ministra Nancy Andrighi abriu precedentes no STJ e mesmo sob suspeita do ministro Massami Uyeda, definiu que o afeto deve ser priorizado mesmo em detrimento dos laços biológicos. A definição de um valor pecuniário em reparação da dano moral afetivo pode separar ou aproximar completamente um pai e uma filha, pois um processo judicial não deixa de trazer para perto as pessoas. Resta ainda dizer que nenhum valor irá substituir o papel do papel na educação de um filho, mas o caráter punitivo da responsabilidade civil deve existir.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empiricamente, o amor paterno é natural, como se decorresse da existência de um ser que lhe é dado como filho. Não se questiona nome, cor ou qualquer outra distinção: apenas crê-se que o pai deve amar o filho, assim como o filho o pai. Contudo, na atualidade, as relações interpessoais superficiais e o agito cotidiano dificultam até mesmo o acesso de pais à filhos. São crianças nascidas de relações casuais ou pais que se separam e não sabem contornar o desgaste do casal, atrapalhando a convivência com o filho.
Isto posto, visualiza-se que as pessoas abandonadas por seus genitores de alguma forma devem ter o abalo psicológico e emocional sofridos reparados pecuniariamente. Salienta-se ainda que a destituição do poder familiar, consequência prevista para o abandono dos filhos é inaplicável na maioria dos casos em que se busca a reparação, por tratar-se de pessoas já adultas e que buscam um resguardo jurisdicional ante a falta de amparo paternal.
O problema abordado respondeu-se no sentido que a Suprema Corte Infraconstitucional brasileira, o STJ, reconhece como possível a reparação por danos morais em decorrência do abandono paterno. Assim, caso um pai abandone afetivamente seu filho de forma total, ainda que lhe preste assistência material, poderá ser civilmente responsabilizado pelas mazelas que sua ausência causou. Salienta-se ainda que para caracterização do abandono afetivo e consequente reparação, o genitor não deve ter possuído qualquer envolvimento na criação do menor, impossibilitando o convívio familiar paterno e o desenvolvimento emocional saudável.
De forma geral, a jurisprudência indica que o posicionamento do STJ não vinculou totalmente os tribunais e encontram-se dificuldades na aplicação do entendimento. Tem-se a conclusão que a análise da falta de afeto é tarefa difícil ao magistrado, pois os acórdãos refletem uma total descaracterização do dito pelo STJ. Em que se pese, apenas o TJ-MG emitiu parecer favorável e semelhante ao do Tribunal Superior, em um acórdão que demonstra a preocupação do judiciário com a formação do individuo.
A família, base da sociedade e não mais composta apenas de homem, mulher e criança, foi devidamente conceituada no primeiro capítulo, demonstrando-se a herança cultural deixada pelos antepassados e incorporada em dias atuais. A proteção familiar é objeto constitucional, pois preconiza-se como dever o cuidado com a família, e este é o embasamento encontrado para sustentar a reparação do abandono afetivo.
Não se pode obrigar um individuo a amar o outro, mas cuidar é dever constitucional, sendo que a CF/88 traz que se pode obrigar alguém a fazer algo, desde que em virtude de Lei. A Lei neste caso dá como dever aos genitores o cuidado, o afeto que é princípio constitucional e garantia do bem estar da criança e do adolescente. Ninguém deve ser privado durante sua formação do convívio com a família, com seus parentes consanguíneos e por afinidade e é isso que a Ministra Nancy Andrighi buscou estabelecer com o Resp1159242/SP.
Desde que caracterizados os elementos ensejadores da responsabilidade civil, em principal a conduta do agente (no caso, o abandono total do genitor) entende-se como possível condenação à reparação por danos morais decorrentes do abandono afetivo.
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