O cristianismo surgiu como reação ao imperialismo romano?

Por João Paulo Filgueiras | 21/09/2020 | Religião

O cristianismo surgiu como reação ao Imperialismo Romano?

Uma teoria histórica baseada na filosofia de Friedrich Nietzsche

João Paulo Filgueiras

Dionísio, a tragédia, foram as glórias da civilização grega. Apolo, a filosofia, foi sua decadência.

Friedrich Nietzsche

 

            Nas minhas leituras de obras do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, eu observei que uma das ideias centrais dele seria que os valores culturais de um povo determinam seu sucesso, o que, a meu ver, o aproxima das concepções da História Cultural e o coloca contra o modelo marxista, baseado na Luta de Classes e na análise do Modo de Produção de cada civilização.

            Uma coisa a se observar é que o autor não gostava das filosofias da história, para ele o excesso de análises e de memórias envelhecia uma cultura, fazendo com que se tornasse melindrosa e perdesse a capacidade de inovar. Ao estudar a História da História, descobrimos que a civilização grega, que ele tanto admirava, tinha uma visão mítica e cíclica da história, que depois com Sócrates e as filosofias helenísticas vai sendo refinada e começa a ganhar uma abordagem mais analítica. O advento do Cristianismo foi o grande passo para o desenvolvimento da visão linear da História. Os judeus, dos quais surgiram as bases das crenças cristãs, já tinham uma visão linear dela, feita de esperança de libertação e de um novo recomeço, surgida provavelmente durante o Exílio da Babilônia.

            Com a decadência do Império Romano, essa visão do futuro como um tempo de esperança ganha força, e o cristianismo acaba sendo adotado como religião oficial por Teodósio, em 380. Com a queda do império em 476, diante dos bárbaros Godos, o desespero se instala e a fé católica se torna a base de sustentação da cultura de um mundo decadente, sendo o que restou do pensamento antigo preservado nos mosteiros. O Reino Carolíngio faz ressurgir a esperança de uma unificação e sobrevivência do mundo cristão, servindo de base para o desenvolvimento da Europa Ocidental, mas apenas a partir do Renascimento o Ocidente consegue se recuperar. Voltaire foi um dos primeiros defensores de uma história filosófica, livre de mitos e da metafísica cristã, mas foi Hegel quem formatou o método que serviu de base para os historiadores da Direita e da Esquerda, e muito influenciou pensadores como Karl Marx com sua Historia Social e Econômica.

            Se para Marx era o modo de produção que definia o modo de pensar de uma sociedade, sendo a religião o ópio que as elites usavam para anestesiar o povo e fazer com docilmente desempenhassem a sua função econômica, para Nietzsche, filólogo, os conceitos criados pelas classes sociais eram definidas pela experiência desses grupos.

            Em “O Nascimento da Tragédia” ele se aproxima do pensamento de Freud (que não lhe deu créditos), ao perceber que as pessoas precisam de uma forma de lidar com seus impulsos que não podem ser totalmente satisfeitos na vida social, e que para isso inventaram o Ascetismo como o oriental em particular na Índia que nega a vida por temer demais a morte, a Arte como a Tragédia Grega que afirma a vida, mas liberta o artista e o espectador da dor e do aniquilamento, e o Império, como o Romano, no qual um grupo social impõe aos demais sua vontade e satisfaz seus apetites como faziam os romanos com escravos e povos dominados.

            Foi nesse contexto que o Jesus histórico nasceu. Poucos pesquisadores duvidam da sua existência, existem algumas fontes da época nas quais foi citado, embora sua importância no período tenha sido pouco relevante. Seu povo, o Judeu, tinha uma cultura milenar tendo sido uma Potência Regional durante os reinados de Davi e Salomão, depois de se dividir em dois reinos, de Judá e de Israel, foi sendo dominado por povos vizinhos como os Assírios, os Babilônicos que destruíram seu primeiro templo, os Persas que permitiram a reconstrução do templo e da cidade e os Macedônios que oprimiram cruelmente seu povo, levando a revolta dos Macabeus nas quais foi pedida ajuda de uma Potência Emergente do Mar Mediterrâneo, a República Romana.

            Aos poucos os Romanos foram se tornando os donos de toda a região circundada pelo Mediterrâneo, incluindo a Judeia, a Samaria e a Galileia, onde ficava a pequena Nazaré, onde a família de Jesus vivia. Embora continuasse aliado das elites judias, o Império oprimia duramente o povo judeu com impostos e tropas militares que cometiam atrocidades, inclusive abusando de moças das classes menos favorecidas. Segundo os evangelhos, a própria mãe dele teria sido suspeita de ter concebido o maior homem de todos os tempos fora do relacionamento, tendo sido salva do apedrejamento pelo seu noivo, José, um descendente do Rei Davi, homem justo que não media esforços para proteger a esposa e o filho de quaisquer boatos difamatórios e perseguição.

            Esta opressão inflamava o nacionalismo judeu, havia grupos como os Zelotes, dos quais provavelmente faziam partes Barrabás, um criminoso salvo da morte pelo povo e Judas Iscariotes, que vendeu seu mestre entregando-o à morte na cruz.

            Mas Jesus, do qual pouco se sabe sobre a infância e a juventude, que teria vivido no Egito e conhecido alguns magos do oriente, desenvolveu uma sabedoria que faria dele, humanamente falando, um dos maiores e mais originais filósofos que já viveram. Foi discípulo de João Batista, um profeta e eremita que pregava ideias semelhantes ao cinismo e ao socialismo. De família sacerdotal, parente de Jesus, foi decapitado por ordem do Rei Herodes por denunciar a corrupção de costumes na corte real.

            Com a morte dele, muitos dos seguidores de João passaram a serem discípulos de Jesus, que por ser descendente de uma linhagem real poderia se tornar o Messias, rei poderoso esperado para libertar seu povo de séculos de dominação estrangeira e criar uma nova potência como fez o Rei Davi.

            Em, “O Anticristo” Nietzsche descreve os judeus como o povo mais extraordinário de todos os tempos, porque resistiu culturalmente a todos os ataques por milênios e sobreviveu como povo. Mas logo em seguida emenda uma dura crítica ao dizer que para isso seus sacerdotes criaram uma falsa realidade, a de que seu Deus era superior ao dos outros povos e que se fizessem penitência e expiassem sua culpa, que seria adorar outros deuses e aceitar costumes de outras culturas, seriam redimidos e voltariam ao poder. Dessa forma afetaram o cristianismo, sua cultura e a historia do Ocidente.

            Jesus, cujo pai, José, era um simples carpinteiro, sendo, portanto da classe média baixa da época e conhecedor da opressão e sofrimento que seu povo estava submetido, dirigiu sua pregação contra os principais grupos políticos, econômicos e religiosos de seu país: os Saduceus, sacerdotes do templo e Fariseus, que presidiam as sinagogas. Muitas de suas parábolas como a do pobre Lázaro traziam ideias de justiça social, mas ele evitava afrontar diretamente o poder romano. Sempre rodeado de pessoas das classes menos favorecidas: pescadores, cobradores de impostos, prostitutas, ele ensinava métodos de reabilitação e trazia ideias estranhas aos seus costumes.

            Do ponto de vista histórico, na doutrina dos primeiros cristãos existem conceitos oriundos de diversas culturas com as quais os judeus, nação mercante, estabeleciam contato. A ideia de um Deus ter filhos é notavelmente grega, na qual os deuses se uniam a mortais e criavam heróis. Hercules é um dos principais exemplos destes semideuses. Existem ainda conceitos do Zoroastrismo dos persas, como por exemplo, a ideia de um ser que se opõe ao Deus bom, sendo responsável pelos males do mundo, no caso cristão, o demônio parece uma versão menos poderosa de Arimã, o deus mal dos primeiros que também traz traços da religião dos Fenícios. Fala-se de uma influência do Budismo Theravada através dos Therapeutae ou dos Essênios, duas seitas contemplativas.

            Mas o que nos interessa é saber que tomando emprestado o esquema marxista, tanto a Antiga Grécia com sua democracia de Atenas quanto o poderoso Império Romano baseavam seu modo de produção na mão de obra escrava. No caso Romano, a majestosa capital do império vivia à custa dos duros impostos que eram cobrados dos povos conquistados por suas valentes legiões e da grande população de escravos trazidos de suas fronteiras como prémio de guerra. Carl Seagan, na sua série Cosmos, chega a afirmar que os antigos teriam a capacidade técnica de fazer já naquele tempo a Revolução Industrial, se não o fizeram foi porque não havia interesse em investir na mecanização quando havia um enorme contingente de escravos.

            A moral dos romanos em relação a seus escravos era bem liberal. Sendo uma cultura patriarcal, o patrício tinha um poder enorme sobre todos os que estavam em seus domínios. E no caso dos escravos, era poder de vida e de morte. O escravo era visto como alguém poupado da morte para servir, e com isso, estar vivo já era seu benefício, então ele tinha que se submeter a tudo. Também as mulheres eram oprimidas, embora nas classes mais favorecidas, desfrutassem de privilégios e liberdades.

            Um dos muitos usos de seus escravos, principalmente os mais robustos e guerreiros capturados era nas arenas como gladiadores, o esporte preferido da violenta sociedade romana. E foi em uma destas arenas que um destes gladiadores, Espártaco (109 a.C – 71 a.C), um trácio, liderou uma rebelião que contou com 40 mil escravos chegando a ameaçar o poderio romano.

            Também nas províncias várias nações resistiram, se rebelaram contra a dominação romana, como o Lusitano Viriato e a cidade de Numância, na Península Ibérica e as revoltas judaicas que culminaram com a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano 70. Neste destacou-se a resistência do forte de Massada, no Mar Morto.

            Mas todos os ataques militares, dentro e fora do poderoso território, se mostraram inúteis e foram destruídos pela força de vontade dos romanos, que não se deixavam derrotar. Só que surgiram outras formas de resistência, estas de ordem cultural e religiosa. No mundo Helenístico, surgiu além da tragédia, forma de teatro baseado nas festas dedicadas ao deus do vinho, Dionísio, que segundo Nietzsche representava a vitalidade de uma sociedade humanística, a filosofia, que segundo seus ensaios “A filosofia na era trágica dos gregos”, surgiu adaptando ideias dos povos do oriente, foi sendo segundo ele em “O nascimento da tragédia”, corrompida depois de Sócrates e chegou ao máximo grau de descaracterização no período helenístico. Estóicos, Epicureus, Céticos e Cínicos, buscavam, cada qual ao seu modo, um remédio para a destruição do seu mundo no que se seguiu ao Império Macedônico, e esse modo de pensar, principalmente o estoicismo se difundiu no pensamento romano, tendo inclusive sido adotada por Marcus Aurélius, um de seus melhores imperadores.

            Não se pode culpar a filosofia grega, a meu ver, pela decadência romana, até porque representou o apogeu do Império, dando a este alguma estabilidade social. Os estóicos ensinavam a não sentir compaixão pelo sofrimento, o que de certa forma mantinha o status quo do império, mas ao mesmo tempo pregava limites morais que ajudaram a aliviar o fardo imperial. A maioria dos imperadores tinha costumes desregrados, a corrupção era generalizada e tudo era conquistado pela força. Mas para Nietzsche era isso que dava vitalidade ao império. O preço era bastante alto, imperadores eram assassinados e depostos, generais derrotados tinham que se suicidar para não serem vítimas de uma morte desonrosa.

            Se o estoicismo se espalhou na elite do Império, algumas crenças orientais foram se disseminando nas classes menos favorecidas. Destas, a mais bem sucedida foi sem sombra de dúvida a religião cristã. Se João Batista era um profeta asceta que pregava a justiça social e Jesus um rabino messias que ensinava que Deus era na verdade um pai amoroso e que todas as pessoas deviam se amar como irmãos, surgiu um terceiro personagem chave na história do cristianismo que a tornou a religião mais influente do mundo atual, um fariseu chamado Saulo, um dos maiores perseguidores dos cristãos, depois de ter uma visão, se tornou um dos principais divulgadores da nova fé.

            Mudou de nome para Paulo, pequeno em latim, era um judeu helenizado, nascido em Tarso da Cilícia, na Ásia Menor. Fabricante de tendas, da elite judaica, muito culto e inteligente, ele estruturou e organizou a nova comunidade e fez mais do que isso, Jesus ao que parece, tinha como objetivo reformar a sociedade judaica de sua época, embora tenha feito milagres para outras nações, mas Pedro, um pescador, líder da comunidade e principalmente Paulo decidiram que também os pagãos, como as outras nações eram chamadas pelos judeus, poderiam fazer parte da nova comunidade, e no caso de Paulo, ele defendeu que os pagãos poderiam aderir ao grupo dos cristãos sem precisar se converter e adotar a exigente religião judaica.

            Desta forma o cristianismo foi ganhando adeptos entre escravos, pobres e mulheres, acabou sendo vista como forma de resistência ao imperialismo romano e à medida que se difundia, sua forma de anarquismo se tornava uma ameaça à estabilidade do Império, que não tardou a perseguir e matar seus seguidores que por não terem muito a perder nessa vida e por acreditar em uma melhor no além aceitavam heroicamente o martírio.

            Com o tempo, o Império foi se tornando inviável pela enorme extensão territorial e por não ter mais o que conquistar. O cristianismo, de vilão, passou a ser visto como a última esperança. Constantino em 313 liberou o culto em todo o império e assumiu o controle da religião a partir do Édito de Milão, para alguns, o marco inicial da Igreja Católica.

            Mas se a crença cristã e sua visão da história permitiram que um império decadente sobrevivesse mais alguns séculos, também impediu que ele se revitalizasse ao tirar dele o que Nietzsche chamava de vontade de potência. A crueldade romana fez dela o que se tornou, e o sistema escravista foi sendo substituído por outras formas como o arrendamento de terras aos bárbaros.

            Se as novas ideias transformaram o império e o tornaram fraco a ponto de ser destruído pelos bárbaros, à medida que sua influência crescia, o cristianismo primitivo perdia a pureza dos dogmas iniciais. Paulo estruturou a fé e permitiu que fosse adotada pelos pagãos, mas por não conhecer Jesus, modificou bastante suas ideias. Thomas Jefferson e Nietzsche viam nele o primeiro a corromper as ideias de Jesus. Um dos pontos a notar é que ele se preocupou bem menos com aspectos como justiça social e era menos tolerante aos pecadores do que o mestre.

À medida que se tornava influente, o cristianismo passou a perseguir quem pensava diferente, chegando a cometer atrocidades como o caso de Hipátia, a filósofa assassinada por fanáticos cristãos em 415. Aos poucos, foi destruindo a cultura greco-romana, cujos textos foram preservados na Idade Média pelos mosteiros cristãos e bizantinos e pelos árabes. Também foi assimilando aspectos da religiosidade romana como os santos católicos que seriam uma forma de sobrevivência do politeísmo antigo, embora não sejam deuses, continuam a tradição de padroeiros e protetores que tinham as divindades clássicas.

Um dos aspectos que mais incomodavam Nietzsche na moral cristã eram as questões relativas à sexualidade. Como era comum o abuso de mulheres e escravos pelos patrícios, o sexo era visto com temor por essas classes. Se Jesus tinha pouco a dizer sobre sexo, restringindo a liberdade de se divorciar, e elogiando, nos evangelhos, aqueles que renunciavam a ele e se dedicando ao reino, Paulo por seu turno, defendia a castidade, exigia monogamia aos líderes da igreja e elogiava o celibato, do qual ele mesmo se dizia adepto.

            Em “A genealogia da Moral” Nietzsche dizia que a moral do escravo passou a dominar a sociedade ocidental a partir do cristianismo. Se a cruel sociedade romana se deleitava com a violência dos fortes e desfrutava à vida em sua plenitude, sucumbindo quando ela se enfraquecia, (Um tipo de selva onde a seleção natural eliminava os fracos e selecionava os mais aptos como nas teses de Darwin e Spencer.) no cristianismo, os fracos e derrotados, que deveriam estar mortos, mas foram poupados pelos senhores para servi-los como escravos, ganharam uma nova oportunidade.

Essa moral sobreviveu durante toda a idade média no catolicismo e quase foi extinta no Renascimento porque a própria igreja produziu homens tão corruptos quanto Rodrigo Bórgia, o papa Alexandre VI, e seu filho César. Ambos dormiam com a filha e irmã Lucrécia, e eram admirados por Nietzsche, que dizem, tinha uma afeição doentia pela própria irmã. Curioso notar que para ele a corrupção não era um problema desde que ela fosse uma forma de romper com a ordem estabelecida. E ao contrário da ideia moderna, o Renascimento e o Império Romano, apesar de corrupto, foram brilhantes.

O que salvou a moral cristã, em sua opinião, foi a Reforma Protestante, e a consequente Contrarreforma Católica. Lutero denunciou a corrupção do clero romano, e acabou dividindo a igreja. Antes dele, muitos foram perseguidos como hereges por propor reformas. Outros como Francisco de Assis, conseguiram algum sucesso ao tentar retornar a pureza primitiva, e com Buda foram admirados por Schopenhauer, mas não era muito apreciado por Nietzsche que não via no santo italiano um exemplo de vitalidade.

As ideias de Nietzsche, filho e neto de pastores luteranos, influenciaram outros grandes pensadores, como o historiador e sociólogo também alemão Max Webber, o “Marx burguês” para Eric Hobsbawn, que no seu “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, via no protestantismo calvinista a base do desenvolvimento capitalista por enfatizar o sucesso financeiro, pregar uma vida regrada e estimular a educação, e Michael Focault que desenvolveu algumas ideias de “A genealogia da Moral” em seu “Vigiar e Punir” sobre o desenvolvimento do sistema legal ocidental.

A Reforma se espalhou pela Europa Germânica,[i] e ajudou no desenvolvimento da Inglaterra, que também por causa dela, opinião minha, conseguiu fazer a Revolução Industrial. Também foi importante nos países da Escandinávia, que seguindo o exemplo inglês, criaram suas próprias igrejas nacionais, mas ao contrário dos britânicos, que enfatizaram o desenvolvimento liberal, esses países escolheram um modelo social democrata, sendo, em minha opinião, os melhores exemplos de sucesso do Estado do Bem Estar Social que se viu na história.

Quanto à historiografia que Nietzsche via de forma crítica. Ela tentou dominar a história, produzindo monstros como a justificativa ao Neocolonialismo, que levou as nações europeias a oprimir o mundo menos desenvolvido no tempo do filósofo e no início do século XX fez com que se destruíssem em duas guerras mundiais. E o socialismo que além de nivelar as pessoas, o que só pode ser feito para baixo, ou ao menos para o meio, sendo o inverso do objetivo dele, de evoluir os homens, produziu divisões na sociedade, ditaduras cruéis e graves problemas econômicos nos países comunistas e por outro lado o Estado do Bem Estar Social com sua previdência, saúde e educação gratuita e de boa qualidade em algumas nações socialistas.

Não se pode negar que o socialismo tem muito em comum com algumas práticas do cristianismo primitivo, onde segundo os “Atos dos Apóstolos” os primeiros cristãos dividiam seus bens liderados pelos apóstolos. Esse ideal foi seguido por alguns movimentos católicos como os franciscanos, a teologia da libertação e obras assistenciais sempre foram uma das bases da santidade. Alguns movimentos protestantes como os Diggers (Escavadores ou Niveladores) também tentaram criar paraísos socialistas.

As ideias de Nietzsche foram apropriadas por sua irmã e cunhado, membros do partido Nazista para fazer propaganda do movimento. Duvido que autor teria aprovado esta atitude, mas é inegável que suas ideias, até por terem surgido no mesmo meio social que aquele movimento tem muita coisa em comum, no entanto acho que os EUA do século XX se parecem mais com suas ideias do que o estado nazista, até porque ele amava a liberdade individual e pregasse a superação individual e não um estado totalitário que restringisse esta liberdade.

Acima de tudo, a experiência nazista mostrou que o homem moderno não aceita mais o modelo de guerra dos povos antigos, no qual o vencedor eliminava ou escravizava o derrotado. O cristianismo, ao contrário do que pensava Nietzsche, com todas as suas contradições, com os horrores das Cruzadas e da Inquisição, apoiando a escravidão de ameríndios e africanos, apesar de tudo, em minha opinião, nos tornou melhores. Se o único cristão autêntico, Jesus de Nazaré, o homem sem ressentimento, admirado pelo filósofo do Anticristo, morreu na cruz, não ficamos totalmente insensíveis a ele.

Sobre a história, ele propunha uma menos filosófica, que se aproximasse da arte. Voltaire[ii] destruiu o mito, que ele via como força instintiva, então restava uma abordagem cultural, o mito recriado não pela magia, mas pela criatividade tipo o que hoje é feito pela História Cultural, em minha opinião.

Em O nascimento da tragédia, há uma crítica da história enquanto disciplina acadêmica pelo fato de ser um dos elementos que obstrui a saúde de uma cultura, no caso, a moderna. Na seção §23, a história é considerada um conhecimento cientifico que traz desvantagens para a cultura, eliminando a força vital do mito. Assim, é presumível que “em uma prova severa, quase todo mundo sinta-se tão decomposto pelo espírito histórico-crítico de nossa cultura, que a existência do mito outrora se nos torne crível somente por via douta”; ele continua “Sem o mito, porém, toda cultura perde sua força vital sadia e criadora: só um horizonte cercado de mitos encerra em unidade todo movimento cultural.” (NIETZSCHE, 1992, §23, p.135). Deste modo, a história impede o surgimento dos mitos e danifica a cultura, neste sentido ela é prejudicial para à vida. (ALVES, 2011).

            Outra possibilidade seria fazer uma abordagem histórica baseada na origem das palavras, como ele fazia, para dessa forma compreender a evolução das ideias, Michael Focault era mestre nesta arte.

Enquanto a história social toma os textos como ponto de partida para problemas que vão além dos mesmos, a história dos conceitos ocupa-se especificamente com os textos. Seu foco está nos problemas de caráter linguístico, seu estudo é do âmbito da Linguagem, legando à história social o estudo do Mundo social. Apesar das distinções, os domínios da história social e da história dos conceitos não são excludentes, o mundo social só é apreendido conceitualmente, e os conceitos sempre se circunscrevem neste mundo (KOSELLECK,2006). (IDEM)

Uma das vantagens deste método, é que seria mais livre de ideologias, as filosofias da história pecaram ao tentar recriar o mundo, e dominar o futuro, aceleraram o desenvolvimento, mas produziram monstruosidades. A história artística serviria para entreter e a dos textos libertar dos valores estabelecidos.

Ao mostrar que os sentimentos morais surgem neste mundo, Nietzsche quer desconstruir quaisquer fundamentações metafísicas da existência e dos valores que a orientam. História se alia à Psicologia para constituir um filosofar histórico. “Mas tudo veio a ser; não existem fatos eternos: assim como não existem verdades absolutas. – Portanto, o filosofar histórico é doravante necessário e, com ele a virtude da modéstia.” (2005, §2, p.16). (IBDEM)

            Analisando a história do cristianismo de um ponto de vista da obra de Nietzsche, percebemos que ele se desenvolveu como uma reação das classes menos favorecidas ao Império Romano. Com ele, os oprimidos, aqueles que não tinham vez nesse mundo, passaram a ter esperança de uma vida eterna.

            Mas ao fazer isso, os valores que esses grupos sociais estabeleceram com base na sua traumática experiência se tornou a base da moralidade cristã e se tornou dominante na cultura ocidental. Uma história que estuda a origem dos valores pode libertar a nossa cultura laica destes aspectos doentios.

 

REFERÊNCIAS:

ALVES, Frederick Gomes. O conceito de história de Nietzsche: da metafisica de artistas à Gaia Ciência (1869-1882). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011. Disponível em:          http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300850048_ARQUIVO_apresentacaodecomunicacaoAnpuh.pdf

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou Helenismo e Pessimismo.

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­__________________ O anticristo.

__________________ O crepúsculo dos ídolos

__________________ A filosofia na era trágica dos gregos

__________________ A genealogia da Moral

SEAGAN, Carl. Série Cosmos.

WEBBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo

FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir.

________________. Uma história da loucura.

 

 

 

[i] Na Europa existe uma divisão clássica entre os três principais ramos da religião cristã. O catolicismo é predominante no mundo latino, a igreja ortodoxa no eslavo, e o protestantismo no germânico.

 

[ii] Curiosamente existe semelhança entre as opiniões de Nietzsche em “O anticristo” e de Voltaire em “Dicionário filosófico” a respeito do cristianismo.