O Cristianismo Indica a Direção Para Recordar o Passado
Por Julio Cesar Souza Santos | 01/02/2017 | SociedadeQuais Eram os Caminhos dos Hindus e Budistas Para Alcançarem Suas Verdades? Como os Judeus Enxergavam a História do Seu Passado? Qual Foi a Importância de Santo Agostinho Para os Cristãos Nessa Trajetória? As religiões do Oriente (hinduísmo e budismo) que alongavam as perspectivas humanas até aos infinitos ciclos para além dos anos de uma vida, proporcionavam um refúgio desses ciclos ao ajudarem o indivíduo a fundir-se no todo. A promessa hindu era a “samsara” (“migração”, em sânscrito); ou seja, a fuga do círculo sem fim não pela vida eterna, mas pela dissolução do indivíduo em um absoluto anonimato imutável. O budismo também oferecia a sua fuga da “fatigante reiteração” da vida rumo ao “nirvana” (“apagamento”, em sânscrito), à fusão do “eu” no Universo. Por outro lado, as grandes religiões do Ocidente encontraram um caminho oposto, pois enquanto os hindus e budistas procuravam caminhos para sair da história, o cristianismo e o islamismo procuravam caminhos para dentro da história. Em vez de prometerem a fuga da experiência, eles procuravam um significado na experiência. Os deuses gregos não tinham exortado as pessoas a recordar seu passado, embora o judaísmo estivesse orientado para o passado e era uma religião num sentido completamente estranho ao hinduísmo, budismo ou ao confucionismo. Para os Judeus, o objetivo de Deus estava revelado no passado registrado na Sagrada Escritura. Recordando as benesses e as atribuições que Deus fizera cair sobre eles, os Judeus descobriram a sua missão como um povo escolhido e, para eles, recordar o passado era uma forma de recordar o seu Deus. As Escrituras contavam a história do Mundo desde a Criação e as festas judaicas eram celebrações do passado. O sabat semanal, por exemplo, era uma recordação dos seis dias da Criação e da dádiva de Deus do sétimo dia de descanso. O Passover judaico celebrava a fuga dos Judeus do Egito e, nesse sentido, o judaísmo era orientado para o passado – mas também anti-histórico – e as Escrituras eram lidas para reforçar o que os Judeus já sabiam. Os Judeus começam seu calendário pela data tradicional da Criação. A missão histórica de Israel – como o povo eleito – foi estabelecida por um evento especial, a aliança de Deus com Abraão. Pelo Seu lado, Deus concordou em ser o Deus de todos os descendentes de Abraão e prometeu-lhes a terra de Canaã, enquanto o povo de Israel aceitava adorá-Lo e cumprir os Seus mandamentos. O Pentateuco, os primeiros cinco livros do Velho Testamento, faz a crônica da realização dessa aliança na entrega das leis de Moisés no Monte Sinai. Os teólogos cristãos chamavam-lhe a Velha Aliança, porque acreditavam que Jesus veio para estabelecer uma nova aliança nova entre Deus e toda a humanidade. E isso explicaria o “Velho Testamento” e o “Novo Testamento”, usados para descrever as duas partes da Bíblia, pois a palavra “testamento” deriva de uma má tradução latina de uma palavra que significa “aliança” na tradução grega das Escrituras hebraicas. O Cristianismo era uma religião histórica num sentido novo e o seu significado provinha de um evento único – o nascimento e a vida de Jesus. Firmemente enraizado na tradição judaica, Jesus foi circuncidado e confirmado conforme o costume judaico, pregando e ensinando como um rabi errante. A Escritura fundamental do Cristianismo – os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João – oferece biografia cronológicas de Jesus com relação a sua vida, sua morte e ressurreição. A descoberta cristã da história, enraizada nos Evangelhos, foi um produto de revelação e razão, de crise e catástrofe. Na noite de 24 de Agosto do ano de 410, os Godos entraram em Roma e, 1163 anos depois da fundação da Cidade Imperial, que subjugara e civilizara uma considerável parte da humanidade, foi abandonada à fúria das tribos da Germânia. O bispo cristão de um posto avançado romano no Norte da África (Hippo) era o prodigioso Aurelius Augustinus (354 / 430), um escritor enérgico e prolífico conhecido na história por Santo Agostinho, o qual viria a exercer no pensamento cristão uma influência maior do que qualquer outro homem entre São Paulo e Lutero. Tornou-se grande defensor da ortodoxia cristã, atacando os principais heréticos do seu tempo através de uma centena de livros. Em 395 – com 40 anos – foi consagrado bispo de Hippo e lá permaneceu pelo resto da vida, pois a Igreja proibia a transferência de bispos. Quando teve notícias do saque de Roma pelos Godos, estava preparado para explicar o significado do Cristianismo para a história e o significado da história para o Cristianismo. É verdade que não sabia bem o grego, mas era um mestre em latim. Agostinho empreendeu o recado dos acontecimentos catastróficos de Roma na noite de 24 de Agosto de 410, pois a Igreja precisava de quem a defendesse. Muitos atribuem a queda de Roma à ascensão do Cristianismo, pois a religião de Jesus – abraçada por Constantino – era acusada de ser o cancro do Império Romano. A Cidade Eterna teria porventura caído, se o Império não tivesse sido “enfraquecido” pelo Cristianismo? O que tudo isto fazia prever para a humanidade? Em seu livro “A Cidade de Deus”, Santo Agostinho empreendeu a tarefa de responder a essas perguntas e começou a escrevê-lo pouco depois da queda de Roma. Serviu-lhe de pista a teoria da “República” de Platão, segundo a qual o Mundo duraria apenas 72 mil anos. Os primeiros 36 mil do ciclo do Mundo eram uma idade de ouro e o restante, quando o Criador folgaria seu controle sobre o Mundo, seria uma idade de catástrofes que terminaria no caos. Depois a Divindade interviria e renovaria o ciclo. Por contraste com a de Platão, a república de S. Agostinho não existia como especulação, mas como história e o seu ponto de partida foram os acontecimentos do seu tempo. Para ele era inconcebível uma teoria cíclica da história, pois isso negaria a unicidade de Jesus Cristo e a promessa do Seu Evangelho. Em seu livro “Confissões” ele relata sua luta pessoal contra as “adivinhações mentirosas dos astrólogos” que ensinavam que o padrão dos acontecimentos era repetitivo, determinado pelos ciclos repetidos da disposição celeste. Algumas passagens mais eloquentes de “A Cidade de Deus” atacavam a teoria pagã de ciclos. Embora o Cristianismo fosse justificado na história as suas verdades não podiam crescer, mas eram cumpridas. Segundo a visão judaica do passado, os cristãos confirmaram seus próprios textos sagrados e diziam que o Novo Testamento cumpria as profecias do Antigo. Ambas as Escrituras juntas eram as revelações do Deus único não só para um novo eleito, mas para toda humanidade. Embora os Evangelhos fossem uma novidade para muita gente, não eram história no sentido grego de inquirição, mas confirmações de fé e simultaneamente o fim e o princípio. A prova cristã era uma disposição para acreditar no Jesus Cristo único e na Sua mensagem de salvação. Os doutores da Igreja observavam que no reino do pensamento só a heresia tinha história. Quando o mundo mediterrâneo começou a seguir essa nova religião e os acontecimentos da vida de Jesus foram ficando para trás, tornou-se necessário não apenas prever Jesus nas Escrituras dos Judeus, mas também situar todos os eventos da Bíblia e os atos dos primeiros cristãos no contexto do Mundo. Isso foi conseguido por Eusébio de Cesárea que se sentou à direita do imperador Constantino e proferiu a oração do imperador com que se iniciou o Concílio de Niceia. Pela primeira vez, a sua cronologia organizou e abrangeu os eventos do passado grego e romano na estrutura da Bíblia. A visão cristã do passado envolvia documentos antigos numa névoa de alegorias e numa auréola de santidade. Na Europa, durante os séculos seguintes houve experiências dispersas na busca de usos cristãos do passado, mas não criaram nenhuma tradição de inquirição histórica. Santo Agostinho utilizou dados do passado para documentar na sua “Cidade de Deus”, demonstrando que os males dos tempos pós-cristãos não podiam ser atribuídos à religião de Cristo, pois em tempos anteriores houve calamidades ainda piores. http://www.profigestaoblog.blogspot.com http://www.facebook.com/profigestao