O Crime de Salomé
Por José Nunez | 24/01/2010 | Literatura
Antes que a porta batesse
As minhas costas, e você saísse
Dizendo o seu último adeus,
Numa tempestade de sentimentos,
Num acesso de fúria, perdi toda
A minha conhecida compostura,
Entre gritos de desabafo
E palavras irracionais,
Praguejei o teu nome,
Varri com os braços os objetos sobre a mesa,
Tudo foi ao chão,
Vidros, pratos, moveis, quadros
Tudo foi ao chão,
Descabelei, rasguei cartas,
Fotos e tudo que lembrava nós dois,
Tudo que foi as tuas pegadas no meu caminho,
Lamentei o sonho perdido,
Desejei a você, toda a infelicidade possível,
Depois cai no centro na sala
Num choro desesperado,
Depois cai no centro da sala
Exausta, assassina e suicida.
Quando as lágrimas secaram,
E me restou apenas sentimentos incontidos,
Levantei-me cambaleante,
Embriaguei-me de vinho ou sangue
E dancei no centro da sala
Feito Salomé enlouquecida.
Não existi por um instante,
Acordei com o Sol da manhã,
Que atravessou a vidraça e deu na minha cara,
E com uma borboleta, num vôo displicente
E desnorteado pela sala,
Sobre a luz tímida de uma manhã de domingo.
Já era tarde para fugir,
Já era tarde para qualquer coisa,
Que eu pretendesse fazer naquele dia,
Então deixei este dia para lamentar e ser triste,
Simplesmente triste,
Então deixei-me entre os escombros.
O sol deu na minha cara,
Mas ainda não me levantei
Aos poucos estou me levantando,
Aos poucos estou sorrindo,
Aos poucos estou me refazendo,
E quando chegar a primavera,
Já terei asas, e voarei displicente
E desnorteada entre flores e outros sonhos,
Num dia de Arco-íres e Sol.
Talvez ainda nasçam flores nas janelas
De minhas casas imaginárias,
Talvez eu ainda adormeça em um peito,
Ouvido um coração, feito uma canção de adormecer.
Já era tarde para fugir,
Já era tarde para tudo que eu pretendesse
Fazer numa manhã de domingo,
E a policia estava a minha porta,
Sem reação, estendi os braços para as algemas.
Como a mansidão de cordeiro,
Que se entrega ao sacrifício.
O juiz me olhou compreensivo
E deu a sua sentença:
_Salomé é condenada... Por amar demais...
Da claridade que atravessava a janela
E caminhava pelo chão e pela parede da cela,
Fiz meu relógio de Sol,
Porem, a noite vem chegando,
A cegueira vem chegando,
E o Sol escureceu na minha janela,
Negou-me o seu brilho, vou morrendo
Feito flores em vasos, tristes e amarelas.
Nada mais me fere sou toda adormecimento.
Salomão Alcantra / J.Nunez
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