O CRIME DE ESTUPRO E A LEI Nº 12.015/2009: BREVES CONSIDERAÇÕES
Por Márcio Coutinho | 27/08/2009 | DireitoEm proêmio, impende assinalar que os artigos 213 e 214, ambos do Código Penal, foram substancialmente alterados pela Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009.
Primeiramente, vejamos a redação antiga:
"Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos".
"Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos".
Conforme a redação antiga, cometia estupro aquele que sujeitava a mulher, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal - cópula vagínica -, sendo que qualquer ato libidinoso diverso daquele era considerado atentado violento ao pudor, como por exemplo o coito anal e o sexo oral.
Agora, a nova redação:
"Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos".
Após analisar a reforma introduzida no Código Penal pela referida lei, é possível afirmar-se que houve fusão entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, razão pela qual o melhor entendimento, a partir de agora, passa a ser tipificado como estupro tanto a conjunção carnal, quanto os atos libidinosos diversos daquela.
É de se observar, ainda, que o tipo não distingue o gênero da vítima, motivo pelo qual, desde então, o homem também pode vir a ser vítima desse crime.
Ressalte-se que o artigo 7º, da Lei nº 12.015/2009 revogou integralmente o artigo 214 do Código Penal.
Assim, a partir da Lei 12.015/2009, passa a inexistir o concurso material dos crimes de atentado violento ao pudor e estupro.
Muito embora ambos os delitos passem agora a integrar o mesmo tipo, entendo que, quando a vítima, é constrangida a praticar, mediante violência e grave ameaça, a conjunção carnal e, por exemplo, o coito anal, as circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59, do Código Penal, deverão ser melhor analisadas quando da dosimetria da pena.
O Magistrado deverá pautar-se pelo princípio da proporcionalidade, buscando um patamar proporcional às ações delitivas e à justa resposta do Estado à violação de norma penal, exatamente como ocorre no caso em apreço, elevando substancialmente a pena.
Torna-se importante analisar os delitos ocorridos sob a égide da redação anterior, ante o fato de que a nova redação deverá retroagir, pois é mais benéfica ao agente, tratando-se, por conseguinte, do instituto da novatio legis in mellius.
O novo dispositivo em comento é benéfico em razão da fusão de ambos os delitos, havendo uma substancial modificação dos elementos nucleares do tipo.
Mesmo tendo ocorrido a revogação do artigo 214, do Código Penal, não é o caso de abolitio criminis, pois a nova lei não deixou de considerar a conduta nele descrita como criminosa.
Aliás, a redação antiga, prevista no artigo 214, do CP, ora revogado, foi apenas "transportada" para o artigo 213, do mesmo código. Observe-se, ainda, que este artigo (213), no caput, não teve pena alterada.
Nesse sentido, sobre a novatio legis in mellius, necessário se faz mencionar o entendimento do professor Guilherme de Souza Nucci, que preconiza, "in verbis":
(...) por vezes, o legislador prefere alterar determinado tipo penal incriminador, variando a descrição da conduta, de forma a excluir certas maneiras de execução, bem como modificando a sanção penal, conferindo-lhe abrandamento ou concedendo-lhe benefícios penais antes inexistentes. Assim, mantem-se a figura delitiva, embora com outra face. Quando isso acontece, não se trata de abolição do crime, mas apenas de modificação benéfica da lei penal. Essa alteração pode ser feita diretamente em um tipo penal específico (...).1 (sublinhei).
A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento do eminente jurista Luiz Regis Prado que assevera, "ipsis litteris":
(...) Para a determinação da lei penal mais favorável, deve-se realizar um exame cuidadoso do efeito da aplicação das leis – anterior e posterior -, e utilizar-se da que se apresente, in concreto, como a mais benigna ao réu. Acentua-se que esse caráter deve ser considerado em relação ao agente e à situação judicial concreta em que se encontre. Dessa maneira, uma lei pode favorecê-lo, pela diferente configuração do delito– crime ou contravenção, elementos constitutivos, acidentais; pela diferente configuração de suas formas – tentativa, participação, reincidência; pela diferente determinação da gravidade da lesão jurídica; pela diferente determinação das condições positivas ou negativas de punibilidade; pela diferente determinação da espécie e duração da pena e dos efeitos penais (...).2 (sublinhei e negritei).
Assim, é escorreita a tese de retroatividade da nova redação do do artigo 213 do Código Penal, que amalgamou ambos os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, não havendo que se falar em concurso material de delitos, razão pela qual a nova redação deve retroagir para beneficiar o acusado, por se tratar de lex mitior.
BIBLIOGRAFIA
1. NUCCI, Guilherme de Souza, in Código Penal Comentado, RT, 7ª ed. 2007, p.
58.
2. PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte geral. vol. 1. 5. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 201 e 202