O crepúsculo

Por Rodrigo Dobkowski Mandryk | 01/11/2016 | Crônicas

Nesse fim de tarde, enquanto observava o mar, viu o crepúsculo descer do céu e tocar a água e a terra e, com suas mãos sedosas e envolventes, tocou-lhe a pele, pele alva e quente, que emanava o calor da vida.
Sentiu o acalento da noite chegando, momento em que o sol, capataz do dia, dava descanso à humanidade e permitia uns poucos momentos de lazer e diversão, acalentando a alma dos trabalhadores. Na noite a temperatura caía e as luzes se acendiam de modo a imitar, modestamente, o grande farol que até agora brilhara.
Enquanto degustava o prazer do crepúsculo e de sua mensagem, observou um barco solto a boiar, livre e vulnerável. Dali não sairia, tampouco impediria o cair da noite, mas para ele, solto ao mar, a noite trazia mistérios e surpresas e, com o silêncio que agora impetrava-se, anunciava que todos os pequenos ruídos antes imperceptíveis agora ganhariam voz. Ora, não era o que acontecia todas as noites quando reclinava sua cabeça ao travesseiro? Todas as pequenas preocupações que passavam despercebidas durante o dia à noite martelavam, fazendo tanto ruído em sua mente que até o sono lhe fugia. O sono, por certo, era um amigo oportunista! Quando tudo ia bem passavam a noite juntos e saboreavam fantásticas viagens coloridas, sonoras e prazerosas, preparando o corpo para mais um dia de trabalho árduo, mas nesses tempos de dificuldade andava esgueirando-se como amigo que deve dinheiro. E se por acaso cruzavam-se, o infiel amigo dava alguma desculpa e logo desaparecia em algum beco escuro, deixando-o como o barco a flutuar sobre as águas calmas do mar noturno.
Ora, quem conhece a noite sabe que não há calmaria que não preceda tempestade, desse modo, se houvesse algum juízo no barco, por certo que ele sairia do mar e iria para a terra firme, mas como poderia se estava preso àquela posição? Identificou-se com o barco, pois apesar da aparência, estava preso à situação e quando a tempestade chegasse certamente o acertaria e o engoliria. Dada a inevitabilidade do fato, concordou que em nada, nesse momento, ajudaria ruminar suas aflições em sua mente. Se um amigo lhe foge, outros se achegam e sorrindo para seu novo amigo exclamou:
- Graçom, traz mais uma gelada?