O cotidiano e o artista de rua

Por Débora Gomes | 25/01/2017 | Sociedade

RESUMO 

A proposta deste projeto é mostrar, por meio de crônicas e fotografias, organizadas em uma plataforma – o livro – um pouco da vida dos artistas de rua e como é sua relação com a cidade, que se configura, neste caso, como seu ambiente de trabalho. Por meio de pesquisas e entrevistas, tornaremos visíveis os sentimentos e os anseios destes artistas, enquanto inseridos em seu meio de trabalho.

Palavras chave: artista de rua; cotidiano; ordinário; espaço.

1. OBJETO EMPÍRICO  

Na ida para o trabalho, na volta para casa ou no passeio na feira, nos deparamos com pessoas que fazem da rua seu ambiente de trabalho. São homens que pintam o corpo e ficam minutos na mesma posição como verdadeiras estátuas, são malabaristas que fazem dos poucos instantes de sinal fechado um picadeiro para suas acrobacias, são músicos que fazem das esquinas um palco para executar sinfonias. Sempre nos mesmos lugares, esses indivíduos urbanos têm a possibilidade de arrancar sorrisos das pessoas ou passar despercebidos por elas, mas, acima de tudo, tirar da rotina das ruas, seu próprio sustento. De acordo com a perspectiva deste projeto, esses indivíduos podem ser compreendidos como ordinários, como veremos adiante.

O artista de rua, integrante do cotidiano urbano, aproveita e utiliza os espaços públicos como cenário ou como palco para apresentar intervenções artísticas de qualquer gênero. Podemos pensá-los, então, como indivíduos contextualizados em um determinado grupo social, que utiliza desses espaços para mostrar seu trabalho e sobreviver dele. Arantes (1984, p. 26) diz que “pertencer a um grupo social implica, basicamente, em compartilhar um modo específico de comportar-se em relação aos outros homens e à natureza”.

Os primeiros indícios desse tipo de intervenção no Brasil datam da década de 60, com o surgimento do Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife (PE) e, de acordo com Telles (2005, p. 25), o teatro, nesta época, era considerado uma arte de elite. Na tentativa de articular um discurso teatral alternativo e estabelecer assim um novo vínculo entre o povo e a arte, ressurgiram os espetáculos de rua ou espetáculos de saltimbancos[1] remontando o teatro às suas origens.

Historicamente, os espetáculos que mais se identificam com os apresentados nas ruas atualmente são os do teatro medieval. Na época, eram encontrados os trovadores, arremedadores (imitadores), cazzuros (charlatões acompanhados de animais), ilusionistas, fantasmas, mascarados, dentre outros. Telles diz ainda que:


No discurso ideológico associado ao teatro de rua aparece como elemento vital a necessidade de aproximação a um público popular que estaria particularmente excluído do fenômeno teatral. Assim, o teatro de rua representaria uma espécie de promessa de socialização do fenômeno artístico, cumprindo a função de devolver ao "povo" aquilo que seria naturalmente dele. (TELLES, 2005, p. 26)

Atento à riqueza desse fenômeno, este projeto apresenta como proposta a produção de um livro que conte, por meio de crônicas literárias e fotografias, a relação que há entre o artista de rua e o seu ambiente de trabalho, estimulando o desenvolvimento de um olhar que rompa com os vícios de apenas se enxergar uma imagem, sem vê-la ou interpretá-la. Para isso, delimitamos o centro de Belo Horizonte[2] como um espaço de pesquisa. Valeremos principalmente dos conceitos de cotidiano e espaço, buscando conhecer as histórias escondidas no corriqueiro, no usual e saber quais as motivações que levaram essas pessoas às ruas.

Para Araújo (2004, p. 232), “a rua, não só em Belo Horizonte como em outras cidades, tem sido apropriada de diferentes maneiras”. Segundo ela, há uma redefinição de uso dos espaços públicos e suas funções, dependendo de como eles são utilizados por determinados grupos de pessoas. Ela diz ainda que:

A partir desses novos usos e funções, é possível pensar que os ocupantes desses espaços, seja qual for a forma de ocupação, também adotam uma nova maneira de experienciá-los que se diferencia daquela que a maioria dos usuários cotidianos de tais espaços venha a ter com eles. (ARAÚJO,2004, p. 81).

Gabriel Fernandes, 25, é trapezista e malabarista há cinco anos. A paixão pela arte circense surgiu quando, aos 19 anos, o jovem conheceu o circo pela primeira vez, se encantou pelo trabalho e entrou para uma trupe circense em Belém do Pará, sua cidade natal. “No circo a gente trabalha muito e ganha pouco e na rua a gente trabalha mais, porém ganha mais também”. Hoje, o artista faz malabares sobre pernas de pau nos sinais da rua da Bahia, esquina com Gonçalves Dias e também em Contagem.

(…) na rua eu pego contrato para aniversário, lojas, empresas. Então sempre eu tenho contrato. No circo não. Lá você só trabalha pro circo e o salário é sempre aquele. (…) Quando eu saí, eu queria me manter perto do circo de alguma forma. E então eu busquei isso nas ruas e comecei a trabalhar com malabares. Logo no começo eu ia por diversão e depois comecei a encarar como um trabalho mesmo. Eu gosto muito do que eu faço.

Rafael Valentini, 25, é ator e trabalha há quatro anos como malabarista na esquina da rua Espírito Santo com a avenida Afonso Pena. A rua é seu ambiente de trabalho e os malabares são sua única fonte de renda: “(...) pago aluguel, minhas contas, tudo com o dinheiro do meu trabalho. É bom porque você faz os seus próprios horários.”

A partir desses exemplos e conceitos, tomaremos como objetivo principal conhecer o cotidiano desses artistas para então, transformar suas histórias em crônicas e imagens, dispostas em um suporte, no caso, o livro.

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