O corredor dos desejos
Por Júlio César Gonsalves | 03/03/2012 | ContosO corredor dos desejos
Eu me sentei em um confortável divã que havia sido deixado no caminho. Já fazia vinte minutos que eu andava por aquele museu e ainda não havia encontrado nada que fosse do meu interesse.
O guia parou ao meu lado:
-Você não gosta de arte?
-Gosto!- respondi- Mas não do tipo de arte que encontrei aqui!
-Por acaso você já experimentou o corredor dos desejos?
-O que?
-O corredor dos desejos! Fica dentro do museu, basta fechar os olhos, fazer um pedido e os seus sonhos mais profundos se tornarão reais. É um lugar mágico, único.
-Isso é bobagem!- eu falei em um tom de total escárnio. –Eu não sou mais criança para acreditar nessas coisas!
-Mesmo que não acredite, acho que deveria dar uma olhada, apenas para distrair-se um pouco!
Já que eu estava entediado, decidi seguir o conselho. O guia me conduziu até o tal corredor, a entrada estava protegida por uma cortina azul e não havia outras pessoas por perto.
Entre!- o guia falou. –Lembre-se de fechar a cortina, e você poderá ficar apenas uma hora!
Ele deixou-me sozinho e caminhou lentamente para a área onde ficavam as obras de arte mais famosas do museu.
Mesmo sem querer, eu comecei a acreditar, bem lá no fundo do coração, que os meus desejos poderiam se tornar reais. Transpus a cortina, encontrei à minha frente um longo corredor mal iluminado, não havia paredes e sim espelhos. No início fiquei intrigado, era estranho olhar para os lados e ver apenas eu.
Avencei alguns metros e comecei a sentir o perfume de rosas. O perfume era tão intenso e penetrante que eu não pude deixar de pensar em um lindo jardim. Já me sentia menos entediado e inesperadamente feliz.
Continuei andando e cheguei ao fim do corredor. A parede que havia ao fundo não era um espelho gigante, era um quadro com o desenho de uma mulher gorda debaixo de uma árvore. A mulher estava sorrindo, mostrava dentes branquíssimos que contrastavam com a sua pele morena. Sua roupa não era nada discreta; ela usava um vestido multicolorido e cheio de detalhes que a deixavam ainda mais gorda. Seu cabelo era negro e estava preso em um coque.
Eu fiquei olhando a pintura, não porque fosse uma bela obra de arte, mas era um desenho engraçado. E eu continuei olhando, olhando e de repente percebi que o quadro parecia diferente a cada instante. Comecei a pensar que a mulher não era tão gorda, e ela continuava emagrecendo, dois minutos depois estava magra. A roupa também mudou; desapareceram os detalhes exagerados e o vermelho que dominava uma pequena parte se espalhou até cobrir o espaço de uma blusa. Da cintura para baixo o vestido transformou-se em uma calça azul. O cabelo também ficou diferente; o coque se desfez, e as mechas negras espalharam-se pelas costas à medida que ganhavam um vivo tom amarelo. A pele da mulher ficou clara e algo também mudou em seu olhar, que belos olhos ela tinha agora.
O meu coração disparou, e o motivo não eram as inexplicáveis mudanças na gravura e sim o fato de que eu conhecia a moça que se desenhara ali; era a Lu; a menina que há muito tempo vivia nos meus pensamentos. Eu a conheci em uma viagem e descobri nela qualidades que a fizeram brilhar diante dos meus olhos. No início pensei que fosse apenas uma garota bonita que eu iria esquecer logo, mas eu não esqueci, e pouco a pouco ela deixou de viver apenas nos meus sonhos e conseguiu um lugar no meu coração.
A lembrança dela sempre fazia com que eu me perdesse em devaneios; muitas vezes eu imaginava que estávamos juntos passeando, outrora eu era mais corajoso e a abraçava e a beijava. Ela despertava em mim um sentimento maravilhoso que me enchia de ânimo, me dava forças para fazer qualquer coisa. Era impossível negar, eu a amava.
E agora a Lu estava ali, desenhada naquele quadro e eu a olhava com o coração apertado de saudade. E à medida que o tempo passava, eu comecei a pensar que estava fazendo algo muito errado; afinal, seria certo ficar olhando para ela sem pedir permissão? E se Lu descobrisse que tinha um desenho dela no museu?
Pensei que seria melhor pedir permissão, talvez eu pudesse ligar para a Lu ou escrever uma carta. Eu já estava decidido a sair quando ocorreram novas mudanças no quadro; as cores ficaram mais vivas e os contornos dos desenhos ganharam uma incrível perfeição, parecia até mesmo uma fotografia.
E as mudanças continuaram; percebi que a árvore estava se afastando da menina, não, ao olhar melhor percebi que era a Lu que estava se movendo, ela caminhava em minha direção, andava e andava toda a vida, sem jamais conseguir me alcançar. Parecia um filme.
Eu achei tão lindo ela andando, o sorriso, os olhos, e o meu coração ficava cada vez mais apertado de saudade. Desisti da ideia de pedir permissão para olhar o quadro, eu queria ficar ali até tudo acabar.
E depois de cinco minutos tudo acabou (pelo menos foi o que eu pensei). A Lu parou de andar. Parou porque havia chegado, ela estava ao alcance de um beijo, eu podia sentir a sua respiração ofegante após a longa caminhada. Foi então que eu percebi que não era um quadro, nem mesmo uma fotografia e muito menos um filme, era real.
-Oi César!- ela falou.
-Oi Lu!- respondi me sentindo extremamente feliz.
Eu a abracei. Mandei a saudade pra bem longe e descobri que a cada segundo eu amava mais aquela menina.
-Lu, como você chegou aqui?
-Eu estava te procurando!
-Então, nós podíamos passear um pouco!
-Aonde você quer ir?
-Naquela árvore onde você estava!
-Então vamos!
Caminhamos pela relva e sobre nossas cabeças havia um céu azul e um sol muito brilhante, era como se tivéssemos entrado em um quadro, mas eu já não me lembrava bem do museu e do corredor dos desejos, pensava apenas em aproveitar aquele momento ao máximo.
Chegamos debaixo da árvore. Eu senti que não dava mais para aguentar, eu queria aquela menina ao meu lado para sempre.
-Lu, você aceita namorar comigo?
Ela olhou-me, sorriu e respondeu:
-Aceito!
Eu a beijei. Foi o momento mais feliz e mágico de toda a minha vida, mas durou apenas um instante.
-Eu preciso ir agora!- Lu falou.
Ela afastou-se sorrindo e desapareceu ao passar atrás da árvore. Olhei atentamente para o local onde o meu amor estivera há um minuto, mas ela não reapareceu e eu percebi que a árvore voltara a ser apenas uma pintura, e depois a mulher gorda surgiu, também feita de tinta. Eu estava novamente diante de um quadro no fim do corredor dos desejos e não sabia dizer se tudo foi real ou não passara de um sonho.
Eu me virei e andei em direção a cortina. Quando saí do corredor encontrei o guia.
-Como foi?- ele perguntou.
Eu estava confuso e contei tudo o que havia acontecido. Perguntei se poderia voltar outro dia.
-Não!- o guia me reprimiu- Não vale à pena voltar. O corredor dos desejos pode ser real ou não, mas dura apenas uma hora. Vá até a casa dessa garota que tanto ama e conte a ela tudo o que você sente! Você poderá ser feliz para sempre.
Agora é hora de terminar essa história, mas você deve estar pensando se eu segui o conselho do guia e me declarei para a Lu. Não, eu ainda não tive a oportunidade de encontrá-la, no entanto, saiba que eu vou lutar pelo meu amor, e assim que eu resolver este assunto contarei a você o que aconteceu...
J.C. Gonsalves da Rocha