O Contrato De Trabalho E O Direito De Imagem Do Profissional De Futebol

Por Diego Ferrato | 19/09/2007 | Direito

8. Competência: Justiça do Trabalho ou Justiça Desportiva.

O tema da competência da Justiça Desportiva para a apreciação e julgamento das lides trabalhistas, após o fim do "passe", é o que mais vem suscitando discussões entre os estudiosos do direito desportivo desde a edição da Lei 9.615/98, mais conhecida como Lei Pelé.

Apresenta-se como questão bastante polêmica, surgida em decorrência da rescisão dos contratos de atletas profissionais de futebol.

Atualmente, até mesmo pelo fato de o Direito Desportivo ser um campo pouco desbravado pelos operadores do direito, a pergunta ecoa: qual justiça deve socorrer o atleta lesado por seu clube nos seus direitos de trabalhador? Justiça do Trabalho ou Justiça Desportiva?

A pergunta seria de indubitável resposta até antes da Constituição Federal de 1988 que, pioneiramente, contemplou o desporto, dando-lhe tratamento diferenciado. Antes, porém, da Carta Magna, o artigo 29 da Lei 6.354/76 positivava:

"Art. 29. Somente serão admitidas reclamações à Justiça do Trabalho depois de esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, a que se refere o item III do art. 42 da Lei n. 6.251, de 8 de outubro de 1975, que proferirá decisão final no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da instauração do processo.

Parágrafo único. O ajuizamento da reclamação trabalhista, após o prazo a que se refere este artigo, tornará preclusa a instância disciplinar desportiva no que se refere ao litígio trabalhista"

A referida Lei 6.251/75 foi revogada expressamente pela Lei Zico (8.672/93), que instituiu novas diretrizes para o desporto nacional.

Mesmo sendo editada quase vinte anos mais tarde, a Lei Zico incorreu no erro de, ao arrepio do comando constitucional ? como veremos mais tarde ?, confirmar o disposto anteriormente, conferindo competência para a Justiça Desportiva no tocante às lides trabalhistas. Observemos o que nos traz o artigo 35 da Lei Zico:

"Art. 35. Aos Tribunais de Justiça Desportiva, unidades autônomas e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compete processar e julgar, em última instância, as questões de descumprimento de normas relativas à disciplina e às competições desportivas, sempre assegurada a ampla defesa e o contraditório.

§ 1o Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis, nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art. 217 da Constituição Federal.

§ 2o O recurso ao poder judiciário não prejudica os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva."

A moderna e badalada Lei Pelé, ao invés de avançar, nos parece ter regredido. O artigo 52 da Lei 9.615/98 e seus dois parágrafos são cópia, ipsis litteris, inclusive com os mesmos erros, do artigo 35 da Lei 8.672/93 que estava a revogar.

Antes de analisarmos o que dita a Constituição Federal e seguirmos em frente na busca pela resposta ao questionamento deixado em relação à competência, paremos para observar as aberrações do supra citado artigo 52. Pela simples leitura do texto, percebemos enorme incoerência.

O artigo apresenta, em seu caput, que cabe aos Tribunais de Justiça Desportiva, processar e julgar, em última instância, as questões relativas às competições desportivas.

Entendemos, obviamente, que, se estamos diante de uma decisão em última instância, não caberia nenhum tipo de recurso pelo fato de não existir outra instância que seja superior.

Logo depois, no § 1o, o texto legal indica que as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis. Ora, se são impugnáveis, não são finais, não são decisões em última instância. A decisão somente não admitirá recurso quando, verdadeiramente, for proferida em última instância, quando se operar a figura jurídica do trânsito em julgado.

Mais intrigante ainda é a parte final deste mesmo parágrafo primeiro. E é neste ponto que se situa a maior polêmica. O parágrafo 1o da Lei 9.615/98 faz referência aos parágrafos 1o e 2o do artigo 217 da Constituição Federal.

O parágrafo 1o do artigo 217 dispõe que "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, reguladas em lei". No parágrafo 2o, por sua vez, temos que "a Justiça Desportiva terá prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final".

Pela letra da Lei, antes de qualquer ação ser ajuizada perante o Poder Judiciário, no caso a Justiça do Trabalho, o atleta deve, primeiramente, esgotar a instância desportiva, sendo que esta tem sessenta dias para proferir seu decisum.

Muitos autores, antes mesmo de discutir sobre o que teria pretendido a lei com tal condição, questionam se o disposto no § 1o do artigo 217 Constitucional não estaria ferindo o previsto no artigo 5o, XXXV do mesmo diploma:

"Art. 5o. Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV ? a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Do estudo deste artigo 5o chegamos à conclusão de que o Poder Judiciário é o único competente para resolver os litígios que eventualmente venham a surgir em qualquer esfera, aí incluída a desportiva, sendo que suas decisões serão sempre revestidas pela coisa julgada. Inconstitucional seria, pois, qualquer dispositivo que vedasse o ingresso ao Judiciário.

Mas o que dizer a respeito do § 1o do artigo 217? Não estaria ele restringindo o acesso ao Judiciário?

Entendemos que não. Ele apenas estabelece uma limitação, determina o preenchimento de condições específicas para a admissão da reclamação perante o Poder Judiciário. Ao lado das condições da ação (legitimidade ad causam, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido), o supra citado parágrafo estabeleceu que é necessário o exaurimento das instâncias de Justiça Desportiva para o ingresso no Judiciário.

O preenchimento destas condições específicas não constitui violação constitucional. Para que seja impetrado mandado de segurança, por exemplo, a Lei 1533/51 obriga a comprovação da matéria de fato tratada na exordial. Isto não significa vedação, mas, sim, limitação, preenchimento de requisitos, condicionamento.

Em que matérias, então, deveria a lide respeitar este condicionamento e passar pela Justiça Desportiva antes de chegar à Justiça Comum?

Entendemos que esta regra aplica-se somente às questões do jogo, aquelas relativas às competições.

A questão, entretanto, permanece viva para alguns pela análise do artigo 52, caput, da Lei Pelé. Segundo ele, a Justiça Desportiva seria competente para julgar questões de descumprimento de normas relativas à disciplina desportiva.

A norma, no entanto, é omissa ao não definir quais seriam os campos abrigados por esta disciplina desportiva e, neste ponto, muitos estudiosos do Direito Desportivo sustentam seus argumentos de que a Justiça Desportiva seria a competente para apreciar quaisquer espécies de litígios oriundos da relação entre atletas e entidades de prática desportiva, sejam eles de ordem desportiva ou trabalhista.

O grande erro, para estes autores, seria justamente a falta de clareza do legislador ao fazer uso da expressão disciplina desportiva.

Por esta omissão em definir o que estaria acobertado pela disciplina desportiva, se somente as infrações de campo ou todas as relações entre atleta-clube, qualquer jogador que acionasse a justiça comum, seja por intermédio de uma ação que verse sobre a competição desportiva ou questão disciplinar, sem que se tenha esgotado a tutela da Justiça Desportiva, estaria em desacordo com o artigo 267, VI do Código de Processo Civil e, em conseqüência, correria o risco de ver o processo ser extinto sem julgamento de mérito, por faltar à ação uma de suas condições essenciais.

O artigo 28 (atualmente revogado) do CBDF ? Código Brasileiro Disciplinar de Futebol sustentava a tese da competência da Justiça Desportiva:

"Art. 28. Os órgãos da Justiça Desportiva, nos limites da jurisdição territorial de cada entidade, tem competência, observadas as disposições especiais deste Código, para processar e julgar as infrações disciplinares praticadas por pessoas físicas ou jurídicas direta ou indiretamente subordinadas à Confederação ou a serviço de qualquer entidade e para processar e julgar os litígios entre associações e seus atletas, entre entidades dirigentes e atletas, entre associações, entre entidades dirigentes e entre estas e associações.

§ 3o ? A competência originária para julgamento dos litígios entre atleta profissional e associação, inclusive litígios decorrentes de punições disciplinares impostas por associações, será sempre dos Tribunais de Justiça Desportiva." (grifos nossos)

Para muitos, os litígios trabalhistas entre atletas e seus clubes constituem nítida afronta à disciplina desportiva e devem ser julgados em sede desportiva, constitucionalmente regularizada e competente para tal.

Concordo que o universo das atividades desportivas não se restringe, nem pode restringir-se ao julgamento das infrações cometidas durante a competição e que seus horizontes são muito mais amplos. Todavia, dizer que a Justiça Desportiva é a especializada para conhecer e julgar lides trabalhistas soa, no mínimo, absurdo.

O único argumento em favor da competência da Justiça Desportiva que poderia ser aceito seria apenas aquele que questiona a o conceito de disciplina.

A Constituição Federal de fato abriu a possibilidade de criação de uma Justiça Desportiva mais abrangente, que consolidasse, vez por todas, sua importância dentro do mundo do desporto e, ao contrário, a Lei 9.615/98 optou por instituir uma Justiça Desportiva acanhada, limitada à apreciação das infrações cometidas dentro das competições.

Apesar de compactuar com a afirmação de que a oportunidade dada pela Carta Magna poderia ser melhor aproveitada para solidificar a Justiça Desportiva, acredito que sua estrutura atual deva passar por ampla reformulação dentro do próprio meio desportivo antes de discutirmos sobre a expansão de sua competência.

Nos parece que a falta de clareza nos mandamentos legais contribuiu para o surgimento desta dúvida acerca da competência. A maioria dos estudiosos, atualmente, entende que, à luz do artigo 114 da Constituição Federal, não há o que se discutir: a competência é da Justiça do Trabalho, especializada para solucionar controvérsias decorrentes de qualquer relação de trabalho.

O movimento atual indica que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar qualquer litígio que trate destas relações.

Mais que isto, o golpe fatal à competência da Justiça Desportiva em matéria laboral deu-se com o Decreto 2.574/98, editado para regular a Lei 9.615/98.

A redação original do artigo 50 da Lei 9.615/98 indicava: "A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em Códigos Desportivos".

Ao arrepio do princípio da hierarquia das Leis, o artigo 53 do Decreto 2.574/98 consolida o seguinte, com as alterações destacadas pelo autor:

"A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em Código Desportivo, que tratará diferentemente a prática profissional e a não-profissional.

§1o Ficam excluídas da apreciação do Tribunal de Justiça Desportiva as questões de natureza e matéria trabalhista, entre atletas e entidades de prática desportiva, na forma do disposto no §1o do Art. 217 da Constituição Federal e no caput deste Artigo". (grifou-se)

A partir daí, fica claro que a competência para a apreciação de litígios entre atletas e clubes é da Justiça do Trabalho. Colocou-se ponto final na dúvida entre esta e a Justiça Desportiva.

Deve restar claro, todavia, que a intenção do CBDF e da Lei 6.354/76 não foi a exclusão da Justiça do Trabalho. Entendia que devia-se evitá-la, sim, ao máximo, mas jamais excluir de sua tutela a apreciação de lides resultantes da relação laboral, respeitando-se, nestes casos, os artigos 5o, XXXV e 114 da CF.

Há que se concordar, em primeiro lugar, que a matéria enseja pontos muito peculiares, é recheada de detalhes muitas vezes desconhecidos pelos magistrados da Justiça do Trabalho. Todavia, é sabido que os juízes do trabalho conhecem e julgam litígios ainda mais peculiares do que os dos atletas. Julgam, por exemplo, litígios de portuários e mineiros. A competência não se estabelece pela peculiaridade do serviço, mas, sim, pela natureza da relação jurídica. Estando presentes os requisitos da relação de trabalho, competente é Justiça do Trabalho.

Outro ponto que devemos reconhecer é que a análise de todas as lides desportivas pela Justiça do Trabalho contribuiria, ainda mais, para a morosidade do Processo Trabalhista, que, atualmente, procura meios de atingir celeridade processual. A falta de magistrados, porém, é um problema da Administração Pública e não guarda nenhuma relação com a competência para a solução das lides.

Os atletas devem optar pela via trabalhista quando quiserem resolver suas pendências. A Justiça Desportiva é competente apenas para apreciar e julgar litígios relativos às competições desportivas. A expressão desde que esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, presente no artigo 217, § 1o, diz respeito justamente a estes casos. O condicionamento que traz o § 1o do artigo 217 restringe a interferência do Poder Judiciário nos Desportos quando a lide ainda estiver dentro do âmbito desportivo, versar sobre a competição, o jogo. A interferência do Judiciário, aí, seria maléfica, só prestaria desserviços ao judiciário desportivo, desprestigiando-o.

Os estudiosos que defendem a competência da Justiça Desportiva em litígios trabalhistas entendem que a transferência do poder de julgamento para a Justiça do Trabalho outorga à primeira uma espécie de "transitoriedade" em suas decisões. Não é verdade. Dentro do âmbito desportivo, as decisões são soberanas. Fora dele, a lide dever ser apreciada pela justiça especializada competente, a Justiça do Trabalho.

Conclusões

O presente trabalho possibilitou o estudo da proteção à imagem do empregado e do empregador. E nesse particular, chegou-se às conclusões seguintes.

1. Com a consolidação do profissionalismo no futebol brasileiro, no final da década de 1930, o futebol se tornou um grande negócio, sendo, em virtude desta nova realidade, necessário que se criasse leis para regulamentá-lo, ocasionando o surgimento do Direito Desportivo e a atuação do Direito do Trabalho;

2. O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol tem as seguintes características: bilateralidade, onerosidade, temporariedade e formalidade;

3. O contrato de trabalho do atleta profissional deverá conter: os nomes das partes contratantes devidamente atualizadas e caracterizadas, o prazo de vigência, de no mínimo três meses e no máximo cinco anos, o modo e a forma de remuneração, especificados os salários, os prêmios, as gratificações e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas, a menção de conhecerem os contratos, os códigos, os regulamentos e os estatutos técnicos, bem como os estatutos e as normas disciplinares da entidade a que estiverem vinculados, além do número da CTPS de atleta profissional de futebol;

4. O direito à imagem é direito personalíssimo, previsto constitucionalmente, com peculiaridades no que toca a possibilidade de licenciar o uso da imagem, bastando para tanto, que haja consentimento expresso e claro do titular do referido direito.

5. Quanto a imagem dos atletas profissionais de futebol, concluiu-se que a natureza da verba paga a como contraprestação ao uso da imagem desses profissionais não é salarial. Devem, porém, ser observados com cautela se esses contratos foram firmados visando fraudes, ou seja, a fim de "fugirem" do fisco, pois, se comprovada, a verba perde a natureza de contraprestação de um contrato de natureza civil e passa a ser considerada como de natureza salarial.

6. Quanto à competência jurisdicional para dirimir os conflitos entre empregados e empregadores que envolvam violação ao direito de imagem de uma das partes, concluímos ser esta da Justiça do Trabalho.

Diego Soares Ferrato

Estudante de Direito do 5º ano da Universidade Mackenzie

São Paulo / SP

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