O CONFLITO E AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS ENTRE O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA E O DIREITO À INTIMIDADE DO DOADOR DO SÊMEN NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA 1

Por TAYANE MIRANDA BARBOSA | 11/05/2017 | Adm

Caroline Soares Silva2

Tayane Miranda Barbosa3

Ana Valéria de M.A Cabral Marques4 

 

SUMÁRIO: Introdução: 1. A obrigação do Estado em criar políticas para propiciar o direito ao planejamento familiar. 2. A reprodução humana assistida. 3. A colisão de direitos fundamentais: direito à identidade genética versus direito ao anonimato do doador. 4. As consequências no âmbito jurídico e para os indivíduos na identificação do doador e do fruto de reprodução biológica artificial heteróloga. Considerações finais. Referências.

 

 

RESUMO

O referente trabalho aborda sobre o conflito e as consequências jurídicas entre o direito à identidade genética e o direito à intimidade do doador do sêmen na reprodução assistida heteróloga, uma vez que a reprodução humana assistida tem ocorrido cada vez mais por casais que tem o desejo de procriar, mas não conseguem o que faz com que esse avanço na ciência traga questionamentos envolvendo o ordenamento jurídico, pois tratando- se de reprodução assistida heteróloga há o envolvimento de um terceiro que tem o direito de permanecer no anonimato, entretanto esse direito do doador conflita com o direito do indivíduo à identidade genética. Desta forma inicialmente será abordado à obrigação que o Estado tem em criar políticas para propiciar o direito ao planejamento familiar sendo a reprodução humana assistida um método que a ciência tem proporcionado para as famílias. Aborda-se ainda sobre a colisão de direitos fundamentais envolvidos e em seguida sobre as consequências no âmbito jurídico e para os indivíduos na identificação do doador e do fruto de reprodução biológica artificial heteróloga.

 

PALAVRAS-CHAVES: Reprodução Humana assistida. Anonimato. Origem genética.

 

INTRODUÇÃO

A técnica de reprodução assistida dar oportunidade as pessoas que não puderam procriar naturalmente, alcançando seus desejos de se tornarem pais.

Com isso, no âmbito do ordenamento jurídico traz questionamentos éticos, ocasionando a participação de terceiros que doa seu material genético para que seja realizada a germinação. Contudo, surgem questionamentos quanto à relação aos direitos fundamentais da identidade genética e da intimidade do doador do sêmen.

Por essa via, é de grande importância para o Direito estudos que acompanham propostas legislativas sobre reprodução assistida heteróloga.

Vale destacar que essa temática supera o interesse do direito em si, sendo desse modo uma discussão engloba toda a sociedade, visto que haverá inclusão normativa em relação à reprodução assistida, especificamente nos direitos fundamentais envolvidos já ressaltados anteriormente. 

Na esfera acadêmica, é preciso acompanhar o avanço da ciência, analisando os questionamentos éticos que repercutem no âmbito do ordenamento, uma vez que o estudante de Direito necessita atualizar-se sobre as modificações no ramo do direito, com o fito de formar um profissional atualizado, crítico e preparado para a realidade que está sendo construída com os Projetos de Leis sobre reprodução assistidas em trâmite atualmente de forma muito polêmica no Brasil.

Essa discussão, portanto, é relevante para a formação das pesquisadoras por se tratar de um tema atual e com grande repercussão na esfera social e no campo jurídico, exigindo assim um estudo mais aprofundado.

No primeiro momento, será apontando a necessidade do ordenamento jurídico propiciar amparo legal no uso de técnicas de reprodução assistida, na tentativa de solucionar problemas que conflitam com o direito ao anonimato do doador e o direito à identidade genética.

Será desenvolvido sobre as técnicas de reprodução humana assistida, tornando indispensável falar sobre a bioética, apontando que ela, é regida por princípios. Demonstrando que a técnica de reprodução assistida possibilita o combate à infertilidade, permitindo a possibilidade de procriação por casais que não a conseguem de forma natural para exercer a maternidade ou paternidade.

Por fim, é de suma importância apontar que na reprodução humana assistida há uma colisão de direitos fundamentais, direito fundamental à intimidade; direito ao anonimato do doador e o direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética; direito à identidade genética. Por haver conflitos de direitos fundamentais, nesse tópico será feito uma análise em qual direito deve prevalecer, sendo assim, tentaremos apontar uma solução para amenizar os conflitos existentes entre o direito ao anonimato do doador e o direito à identidade genética.

Por fim, será abordado os desafios jurídico decorrentes dessa nova técnica de reprodução humana medicamente assistida, ainda não foi satisfatoriamente apreendido pelo direito, necessitando e uma nova ordem normativa. Onde a reprodução humana heteróloga acabou ocasionando uma problemática jurídica decorrente do direito de toda pessoa ter conhecimento de sua paternidade em contrapartida aos interesses do doador de sêmen, qual seja, o anonimato.

  1. A OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM CRIAR POLÍTICAS PARA PROPICIAR O DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR

 

Família não tem conceito definido pelo Código Civil, mas o Direito Civil moderno a define restritivamente “considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco” (VENOSA, 2007, p. 1), assim o direito de família regula toda relação desses membros envolvidos dando grande proteção ao núcleo familiar, já que essa é considerada a base da sociedade.

O legislador brasileiro preocupado com a família promulgou a Lei nº 9263/96 que trata sobre o planejamento familiar que posteriormente foi reconhecida como direito fundamental pela Constituição de 88 – art. 226, §7º:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado:

  • 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

 

Planejamento familiar segundo o que determina a Lei nº 9263/96 no seu artigo 2º “o conjunto de ações de regulamentação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”, portanto esse direito é uma garantia a vida saudável da reprodução, ao controle de fecundidade, sendo esse direito diretamente ligado ao direito à maternidade, à paternidade responsável e à filiação. Assim o planejamento familiar tem como finalidade

“Como o próprio nome diz, é tornar a decisão de constituir família uma atitude pensada, desejada, feita de forma responsável, bem compreendida e assumida através da difusão de conhecimento e informação à população sobre métodos conceptivos e contraceptivos. É mister que as pessoas que querem formar um núcleo estejam conscientes da sua postura e preparadas para receberem filhos, tanto econômica quanto psicologicamente, de forma a propiciar um ambiente sadio e equilibrado para a sua prole” (DINIZ, 2007, p.132).

 

A constituição de 88 quando assegurou o planejamento familiar o considera como um direito humano colocando como uma necessidade básica essencial, desta forma é importante ressaltar que o Estado atualmente interfere no seio familiar, exemplo disso são alguns artigos do Código Civil que regula sobre o direito de filhos ilegítimos, o direito da mulher companheira, além do ECA que regula como as crianças e adolescentes devem ser tratados, entretanto a escolha desse planejamento “cabe à pessoa natural livre decisão ao planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, cabendo ao Estado fornecer recursos educacionais e científicos para operacionalizar a norma” (VENOSA, 2007, p. 15).

Consequentemente no que diz a respeito do planejamento familiar, o Estado tem que proporcionar meios para que esse planejamento ocorra, sendo a saúde como um do principal dever do Estado, já que é “atividade típica e inerente às instituições públicas em sentido estrito” (SEMIÃO, 2012, p.143), e quando se fala no direito à saúde não está se referindo somente o acesso à medicina curativa, mas à saúde física e mental principalmente em relação aquelas pessoas que tem o desejo de terem filhos e por conta da infertilidade não podem.

Segundo o que determina a Constituição no art. 6º, a saúde é um direito social cabendo ao Estado a saúde pública é por isso que já determinava lei do planejamento familiar:

As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I - a assistência à concepção e contracepção;

II - o atendimento pré-natal;

III - a assistência ao parto, ao puerpério e ao neonato;

IV - o controle das doenças sexualmente transmissíveis;

V - o controle e a prevenção dos cânceres cérvico-uterino, de mama, de próstata e de pênis.

 

Desta forma a reprodução humana assistida, objeto de estudo desse trabalho é um dever do Estado uma vez que esse deve dar assistência a concepção e a contracepção, pois “na procriação humana busca-se também o equilíbrio da família, com a boa saúde mental do casal, em toda a sua extensão, incluída a felicidade como meta de todo ser humano” (SEMIÃO, 2012, p. 145).

 

  1. A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA 

 

A reprodução humana assistida é um método cientifico utilizado quando o processo de fecundação natural não ocorre assim à reprodução humana assistida de acordo como leciona Maria Helena Diniz “reprodução humana assistida é um conjunto de operações para unir, artificialmente, os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano” (DINIZ, 2002, p.475), ou seja, a reprodução humana assistida possibilitou para pessoas que desejavam ter filhos e por algum motivo tinham a impossibilidade de ocorrer à fecundação naturalmente.

Segundo o Conselho Federal de Medicina “As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas” (CFM, 2010), portanto o que se percebe é que a reprodução humana assistida confirma o direito ao planejamento familiar, direito constitucionalmente garantido, mas “a Constituição Federal admite como um direito de livre decisão do casal, de modo que ao Estado só compete, como dever, propiciar os recursos educacionais e científicos para o seu exercício” (SILVA, 2005, p. 848). Desta forma assim como a adoção a reprodução assistida proporciona às pessoas filhos, a esperança na construção de uma família, mas não curam a infertilidade, pois a solução dessa criação só é possível através de terceiro.

A reprodução humana assistida aqui no Brasil, diferente de outros países ainda não foi regulamentada pela legislação brasileira, se tem apenas a resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.957/10 que regula a respeito do assunto, entretanto por ser uma resolução não tem força de lei “constituindo apenas um norte, uma diretriz para o tratamento da matéria” (CHAVES, 2014, p. 346), o que se torna uma problemática para o direito brasileiro uma vez que a reprodução humana assistida repercute na maternidade e paternidade e na filiação. Venosa ressalta que apesar do Código Civil de 2002 trazer um artigo- art. 1597- relacionado à presunção de paternidade de filho nascido após a morte do pai ou da mãe fazendo alusão a chamada inseminação artificial heteróloga, “o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. ” (VENOSA, 2007, p. 216). Com isso é de suma importância estabelecer a distinção de algumas técnicas de reprodução humana assistida, objeto do presente estudo.    

Várias são as técnicas de reprodução humana assistida, de acordo com o local da fecundação pode ser in vivo- em que a fecundação é realizada dentro do corpo da mulher- ou pode ser in vitro- a fecundação é feita no laboratório, aqui será destacado a inseminação artificial que “é uma técnica de procriação humana medicamente assistida, em que o material genético masculino é depositado diretamente na cavidade uterina da mulher, não por meio de um ato sexual, mas, sim, assexual (artificial), cuja utilização é dirigida ao casal fértil com dificuldade para fecundar naturalmente”. (WELTER, 2003, p.217), essa inseminação artificial pode ocorrer de suas formas: homologa ou heteróloga, sendo classificados de acordo com a origem dos gametas.

A inseminação artificial homologa “inseminação proveniente do sêmen do marido ou do companheiro” (VENOSA, 2007, p. 217) não gera tantas controvérsias, pois se aproxima “do modelo clássico de parentalidade -filiação decorrente de reprodução não-assistida, visto que ocorre por meio da utilização de gametas do próprio casal interessado na procriação” (GAMA, 2003), portanto não há presença de um terceiro. Acontece essa técnica “quando a mulher, por qualquer razão, não consegue conceber pelo processo natural, embora apta à gestação. Recorre, portanto, ao sêmen do marido, fresco ou criogenizado, procedendo-se à inseminação in vivo, recolocando o pré-embrião no útero da mulher” (DINIS, 1992, p.45).

O artigo 1597 do Código Civil nos incisos III e IV retratam dessa presunção de paternidade

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

 

Portanto o que se percebe é que na reprodução homologa consequentemente não é necessário o consentimento do marido ou companheiro sendo a paternidade já correspondente a eles, apesar do “fenômeno legal da procriação, no direito do passado, estabelece a presunção de que há uma relação causal entre a cópula e a procriação. Desse modo, em princípio, provada a relação sexual, presume-se a fecundação” (VENOSA, 2007, p. 217), nesses casos de reprodução humana assistida a existência do casamento já presume o vínculo da maternidade, paternidade e a filiação. Eduardo de Oliveira Leite remete “[...] se a impossibilidade de coabitação é geradora da inseminação artificial, esta impossibilidade não deve ser invocada como motivo da filiação. Ou seja, a coabitação não mais pode ser fator impeditivo da fecundação pelo marido” (LEITE, 1995, p. 364).

Já a inseminação artificial heteróloga:

“entende-se o processo pelo qual a criança que vier a ser gerada por qualquer das técnicas de reprodução assistida for fecundada com a utilização de gametas de doadores, dividindo-se a fecundação heteróloga “a matre”, quando o gameta doador for o feminino, “a patre”, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando os gametas utilizados na fecundação, tanto os masculinos quanto os femininos, são de doadores.” (FERNANDES, 2000, p.58).

 

 É realizada, portanto por um óvulo ou espermatozoide de um terceiro, é feita através de doação e deverá ter o consentimento de todos os envolvidos. Essa doação é a chamada doação de gametas, é uma prática lícita e válida desde que não tenha fins lucrativos ou comercial, ou seja, não pode ter nenhuma outra finalidade a não ser a procriação humana (CFM, 2010).

Assim é utilizado um gameta de um terceiro à relação do casal para que possa ocorrer a fecundação, sendo necessário o consentimento do marido para poder se presumir a paternidade “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido”. No entanto como remete Guilherme Calmon Gama, o vínculo de paternidade se define pela “vontade, a afetividade, o projeto parental, o consenso” (GAMA, 2003, p. 625). 

Faz-se importante ressaltar que esse tipo de inseminação artificial não ocorre somente com o doador masculino, uma vez que esse procedimento pode ser requisitado por pessoas solteiras, casais heterossexuais sem matrimônio e por casais homossexuais no qual envolve outras discussões advindas se for realizado a inseminação como, por exemplo: o aluguel de úteros. Nesses casos o vínculo maternal e paternal terá tratamentos diferenciados a cada caso.

Sobre a inseminação artificial heteróloga é primordial se falar em relação ao doador, em que segundo determina a resolução nº 1.957/10 do CFM, a identidade do doador e dos receptores deve permanecer anônima

“Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.

 As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores” (CFM, 2010).

 

Perceba-se que no Brasil, assim como Portugal, França, Suíça e Canadá adotam pelo anonimato do doador, somente as clínicas podem manter os registros permanentes dos doadores, entretanto na Suécia e na Áustria é permitido “ que a pessoa concebida por meio de reprodução assistida heteróloga possa saber quem foi o doador do material genético, desde de que atinja a capacidade civil e que não busque nenhum vínculo jurídico com o doador. ” (VELOSO, 1997, p. 152).    

 

  1. A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA VERSUS DIREITO AO ANONIMATO DO DOADOR

 

Inicialmente, faz-se necessário destacar a diferença de estado de filiação e identidade genética, que passou por grandes mudanças, inclusive com a Constituição de 1988, impossibilitando que haja qualquer diferenciação entre os filhos.

Os laços biológicos têm comprovação laboratorial, demonstrando a ligação biológica entre duas pessoas. Já o estado de filiação, efetiva a ligação de duas pessoas, ultrapassando os liames biológicos.

Maria Berenice assevera que:

A partir do momento em que a filiação afetiva prevaleceu sobre a filiação biológica, todas as demandas envolvendo os vínculos de filiação passaram necessariamente a dispor de causa de pedir complexa. Apesar de as ações serem baseadas na realidade biológica, não é suficiente a prova da verdade genética – mister a comprovação da inexistência da filiação afetiva. Quer na ação em que é buscada a identificação do vínculo de filiação, quer sua desconstituição, a verdade afetiva tem a preferência. (DIAS, 2010, p. 359).

 

Acrescenta ainda que o direito a personalidade seja equiparado ao direito à identidade, mas não cria relação de parentesco, vejamos:

O direito de conhecer a origem genética, a própria ascendência familiar, é um preceito fundamental, um direito de personalidade: direito individual, personalíssimo, que é necessariamente o direito à filiação. Seu exercício não significa inserção em relação de família. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra é investigar a paternidade.  A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da origem biológica. (DIAS, 2010, p. 358).

 

Contudo, não deve haver confusão de identidade genética com a identidade de filiação, considerando que àquela diz respeito ao direito de personalidade, enquanto esta refereà utilização de direito originados de uma ligação familiar.

Na reprodução assistida heteróloga conta com a participação de um terceiro que cede seu material genético. A partir daí surge conflitos de direitos fundamentais, o direito do anonimato e o direito do filho ter conhecimento de sua genética.

A identidade genética está incluída nos direitos de personalidade, consequentemente ligação com o princípio da dignidade humana presente no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.

Segundo Petterle, “identidade genética corresponde ao genoma de cada ser humano individualmente considerado” (PETTERLE, 2007, p.26).

De acordo com Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos da UNESCO, em seu artigo três, expõe que a identidade de cada pessoa não se reduz apenas as suas características genéticas, sendo composta por fatores educacionais, ambientais, sociais e o convívio com outras pessoas.

Segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1.358/92, os doadores não poderão ter conhecimento qual receptor estará recebendo seu material genético e vice-versa. Contudo, somente em casos especiais, por motivos médicos, poderá os médicos ter conhecimento do doador, mas que deve preservar sua identidade.

O Código Civil Brasileiro descarta a possibilidade de que o contribuinte do material genético se torne pai da criança que irá nascer. Em nosso ordenamento jurídico a paternidade socioafetiva cada vez mais vem ganhando mais prevalência.

O doutrinador Guilherme Calmon defende a ideia de que deve ser mantido o anonimato do terceiro envolvido na reprodução assistida, porém a pessoa que foi concebida pelo processo de técnica heteróloga ela poderá ter acesso a sua história, até mesmo por ser a única titular legítima para saber a sua origem (GAMA, 2003, p. 803-804).

Percebe-se que há vários posicionamentos a respeito da defesa ou não de anonimato, ficando evidenciados a colisão de direitos, a identidade genética e o anonimato do doador, com isso, deve-se buscar o melhor entendimento ao caso concreto.

No ordenamento jurídico, quando há conflitos de direitos fundamentais eles devem ser resolvidos com base na ponderação, Segundo Ingo Sarlet “[...] cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre o outro, mas sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária à atenuação de uma delas” (SARLET, Ingo Wolfgang, 2002, p.162).

Sendo assim, na colisão de princípios fundamentais devem ser analisados dentro do caso concreto, tendo assim, uma decisão satisfatória, onde o direito limitado de fato seja menos oneroso do que o direito que prepondera.

 

  1.  AS CONSEQUÊNCIAS NO ÂMBITO JURÍDICO E PARA OS INDIVÍDUOS NA IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR E DO FRUTO DE REPRODUÇÃO BIOLÓGICA ARTIFICIAL HETERÓLOGA

 

Como já mencionado no tópico anterior, surge o conflito de direito, o sigilo da identidade do doador e o direito à identidade genética daquele que é fruto de fertilização heteróloga, ou seja, direito à identidade e direito à privacidade.

O indivíduo que foi concebido pela reprodução biológica artificial heteróloga tem o direito de ter acesso a sua identidade genética, por ser um direito inerente à pessoa humana, considerando que o direito a personalidade está disposto no art. 11 do Código Civil, possuindo características de intransmissíveis e irrenunciáveis.

Na visão de Carlos Roberto Gonçalves, o direito da personalidade deve ser amparado juridicamente pelo Estado, nota-se:

A concepção dos direitos da personalidade apoia-se na ideia de que, a par dos direitos economicamente apreciáveis, destacáveis da pessoa de seu titular, como a propriedade ou o crédito contra um devedor, outros há, não menos valiosos e merecedores da proteção da ordem jurídica, inerentes à pessoa humana e a ela ligados de maneira perpétua e permanente. São os direitos da personalidade, cuja existência tem sido proclamada pelo direito natural, destacando-se, dentre outros, o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem e à honra (GONÇALVES, 2011, p.183).

 

Maria Christina de Almeida aduz que:

 

[...] toda pessoa necessita saber sua origem – trata-se de uma necessidade humana – e desenvolver sua personalidade a partir da paridade biológica, não se podendo identificar no sistema jurídico brasileiro da atualidade, quando prevê a possibilidade de revelação da origem genética, seja em nível constitucional ou em nível infraconstitucional, um abrigo seguro do anseio de permitir à pessoa a construção de sua própria identidade (ALMEIDA, 2003, p. 127).

 

O direito ao conhecimento da origem genética é um quesito delicado, devido à relação sentimental com o desejo e necessidade de conhecimento de origens, até mesmo para alcançar respostas para os mais variados questionamentos.

A Constituição Federal não tem dispositivo específico para subsidiar a tutela da personalidade humana, mas reconhece este direito por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, dando amparo legal para proteção e desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Selma Rodrigues Petterle leciona que o Estado tem a obrigação de legislar sobre a reprodução biológica heterológica assistida garantindo a identidade genética do ser humano, por meio de uma legislação infraconstitucional.

No âmbito da preservação do anonimato do doador na inseminação artificial heteróloga, embora tenha como objetivo a proteção e preservação da pessoa concebida por essa técnica poderá haver confronto de inconstitucionalidade quando tratar-se de diferentes interesses quando prevalecer o direito ao reconhecimento da identidade genética. O direito ao anonimato vem sendo aplicado indistintamente em virtude de que o legislador brasileiro ainda não criou legislação satisfatória pertinente ao tema ora abordado (PETTERLE, 2007, p. 91 – 92).

Porém o estado de filiação derivado da inseminação artificial heteróloga é denominado de filiação socioafetiva, no qual os laços de afeto prevalecem sobre o real estado de filiação biológico, eis que a afeição tem valor jurídico, sendo que muitos doutrinadores entendem não ser possível à revogação da filiação socioafetiva antes estabelecida.

O entendimento doutrinário é majoritário no sentido da não possibilidade da aplicabilidade do reconhecimento da origem genética nos efeitos de personalidade, considerando que o doador não terá dever com a criança nascida do sêmen doado.

A doutrina entende que não deve haver vinculo de filiação entre o doador e a criança a partir de seu material genético, afirmando também que a criança não terá direito sucessório. Sendo assim, mesmo que haja um reconhecimento de origem genética, nada será mudado nas relações jurídicas, no que se referem até mesmo nos direitos patrimoniais e a obrigação de alimento, eis que não relação de parentesco entre a criança e o doador de sêmen.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

 

A reprodução humana assistida tem ocorrido cada vez mais por casais que tem o desejo de procriar, mas não conseguem, o que se viu no presente trabalho é que o Estado tem a obrigação de proporcionar as pessoas o planejamento familiar através de políticas de informação, educação e principalmente o direito à saúde, uma vez que esse direito a saúde não está relacionado somente à medicina curativa, mas a saúde mental e física, principalmente relacionada aos casais com problema de infertilidade.

 Com isso a reprodução humana assistida foi um meio cientifico que proporcionou solução para esse desejo de procriação, entretanto essa evolução cientifica trouxe questionamentos envolvendo o ordenamento jurídico, pois tratando- se de reprodução assistida heteróloga há o envolvimento de um terceiro que envolve variadas questões, pois esse terceiro tem o direito de permanecer no anonimato, entretanto esse direito do doador conflita com o direito do indivíduo à identidade genética.

Por se tratar de uma problemática que não há legislação específica que ampare o fato, contudo, demonstra-se que é necessária a criação de uma legislação que regulamente as técnicas de reprodução assistida, na tentativa de solucionar problemas que conflitam com o direito ao anonimato do doador e o direito à identidade genética.

Porém, todo indivíduo tem o direito de conhecer sua origem genética, para ter conhecimento de sua ascendência, bem como evitar possíveis doenças hereditárias, mas este indivíduo não poderá pleitear pelo direito de alimentos, nem mesmo o direito sucessório.

Portanto, na técnica de reprodução assistida há uma colisão de direitos, direito fundamental à intimidade e direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética, devido a este fato deverá ser preponderado os direitos, devendo prevalecer o que seja menos oneroso ao caso concreto, sendo que foi evidenciado que a doutrina é majoritária no sentido de que não permitir o reconhecimento do surgimento genético, mas com isso, não quer se dizer que em todas as possibilidade de reprodução assistida deve prevalecer esse entendimento.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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___________ Resolução nº 1.358/92.

 

___________ Lei nº 9263/96.

 

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro 1 – parte geral. 9.ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

 

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PETTERLE, Selma Rodrigues. O direito fundamental à identidade genética na Constituição Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

 

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