O conflito dramático dos retirantes da seca e a opressão do pobre em O Quinze de Rachel de Queiroz
Por Kerolaia Almeida Barbosa de Sousa | 05/09/2013 | LiteraturaO conflito dramático dos retirantes da seca e a opressão do pobre em “O Quinze” de Rachel de Queiroz
Joyce Milena Gomes Viana (UFPI)
Kerolaia Almeida Barbosa de Sousa (UFPI)
Leidiane Conrado dos Santos (UFPI)
RESUMO
Este artigo tem como objetivo realizar uma análise em torno da opressão enfrentada pela população pobre agredida não apenas pela seca, mas também pelo poder latifundiário local. Esses fatores contribuem para a exclusão social e a conseqüente retirada, caminhada sofrível e dolorosa, causadora da angústia, dispersão e miséria presentes em toda a obra de Raquel de Queiroz. Para isso, utilizamos bibliografias de autores consagrados a respeito da autora, consultando pesquisas a cerca do regionalismo abordado em “O Quinze”.
Palavras- chave: Retirantes, Opressão, Seca, Exclusão social.
ABSTRACT
This article aims to conduct an analysis about the oppression faced by poor abused not only by drought but also by the power local landowner. These factors contribute to social exclusion and the consequent withdrawal, walk sufferable and painful, cause distress, misery and dispersion present in all the work of Rachel de Queiroz. We utilize bibliographies renowned authors about the author, referring to research about regionalism discussed in "Fifteen".
Keywords: Migrants, Oppression Drought Social Exclusion.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, procuramos discutir o painel opressor e suas trágicas consequências na obra “O Quinze”, romance que retrata o drama vivenciado no período da seca de 1915 pelos retirantes nordestinos. O romance é desenvolvido em dois planos: o primeiro destaca a impossibilidade afetiva entre Vicente e Conceição, já que os dois pertencem a mundos diferentes, pois Vicente é um rapaz rude, que prioriza o trabalho árduo de um vaqueiro, em contrapartida, Conceição é uma moça instruída e que não consegue se adaptar por completo à rudeza do primo.
No segundo plano temos a triste trajetória do vaqueiro Chico Bento e sua família. O conflito protagonizado por estas personagens comove os leitores ao longo de toda a narrativa, evidenciando a marginalização da classe inferior, em favor dos latifundiários em uma sociedade que valoriza os portadores de muitos bens materiais.
Percebe-se ao longo da narrativa que o segundo plano ganha proeminência em relação ao primeiro, razão pela qual, este trabalho centralizará suas considerações. Inicialmente, procurar-se-á apresentar um olhar crítico em torno do regionalismo romântico e a sua evolução para o moderno. Em seguida, faremos um levantamento em torno das influências neo- realistas presentes na geração de 1930.
RACHEL DE QUEIROZ (1910): UM DRAMA REAL MATERIALIZADO NA FICÇÃO
Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, a 17 de outubro de 1910. É descendente do escritor José de Alencar pelo lado materno, fugindo às conseqüências da terrível seca de 1915, sua família transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde permaneceu pouco tempo, para logo fixar-se por dois anos em Belém do Pará.
Aos 19 anos, começou a escrever secretamente, “a toco de lápis”, num caderno, o romance que lhe abriria definitivamente as portas para a carreira literária: O Quinze. Aos 20 anos, ela tornou-se um nome nacionalmente conhecido.
Paralelamente às atividades jornalística e literária, Rachel iniciou militância política, filiando-se ao Partido Comunista, em 1931, com o qual romperia dois anos depois. Em 1937, foi presa por suas convicções trotskistas. Passou a residir no Rio de Janeiro, alternando temporadas nessa cidade e no sertão do Ceará. Atuou como cronista de várias revistas e jornais, foi romancista, ensaísta, dramaturga, contista e tradutora, e tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras.
SÍNTESE DA OBRA
O Quinze é uma trajetória dividida em dois planos. O primeiro marca a saga de Conceição e a impossibilidade afetiva com o primo Vicente. Apesar de gostar muito de Vicente, Conceição não consegue penetrar no mundo rude do rapaz, deixando-nos ver claramente a oposição entre rudeza e instrução. A jovem atua prestando socorros em um campo de concentração que abriga os retirantes da seca.
Paralela a esta narrativa temos a dolorosa situação dos retirantes nordestinos representados por Chico Bento, a esposa Cordulina, os cinco filhos e a cunhada Mocinha. Com a percepção clara da seca e dos possíveis prejuízos que ela traria, Dona Maroca das Aroeiras decide soltar os animais e demitir os trabalhadores de sua fazenda.
“- Por falar em deixar morrer... O compadre já soube que a Dona Maroca das Aroeiras Deus ordem pra, se não chover até o dia de São José, abrir as porteiras do curral? E o pessoal dela que ganhe o mundo... Não tem mais serviço pra ninguém.” ( QUEIROZ, 2002, pg.11).
Sem emprego, água e comida, Chico Bento se vê obrigado a emigrar com a família para o Norte. Após vender suas últimas reses, por um preço inferior, o vaqueiro tenta adquirir passagens para viajar, contudo tem o pedido negado, pois todas as passagens já estavam vendidas. O negócio, na verdade, era uma falcatrua. O rapaz da agência vendia para quem oferecesse mais dinheiro. Revoltado com o golpe, Chico Bento inicia a retirada por terra
A caminhada é dura, com pouca comida e quase sem água, o grupo de retirantes enfrenta difíceis provas ao longo do caminho, o que leva a família pouco a pouco ao fracasso. Mocinha abandona o grupo e fica trabalhando em uma, sendo humilhada constantemente pela patroa. O vaqueiro e a esposa perdem três filhos: Josias, que morre envenenado com mandioca, Pedro que fora com comboieiros de cachaça e Duquinha que havia sido entregue a Conceição, já que esta daria um futuro melhor ao menino. Ao final, a partida do restante da família retirante traz à tona a desilusão, o sofrimento e a degradação perante uma realidade dura e árdua que valoriza o dinheiro em detrimento dos valores.
ANÁLISE DA OBRA
O sistema opressor e a retirada de Chico Bento e sua família em busca de melhores condições de vida. Inicialmente, a partir do personagem representado no vaqueiro, os leitores compartilham a difícil decisão de Chico Bento por meio de uma carta, pequena digressão que introduz o prenúncio da retirada.
“Minha tia resolveu que não chovendo até o dia de São José, você abra as porteiras e solte o gado. É melhor sofrer logo o prejuízo do que andar gastando dinheiro à toa em rama e caroço pra não ter resultado. Você pode tomar um rumo ou, se quiser, fique nas Aroeiras, mas sem serviço da fazenda. Sem mais, do compadre amigo...” (QUEIROZ, 2002, pg-21).
Após ler e reler várias vezes esta carta, Chico Bento vivencia a aflição de um marido e pai que em breve arcará com o desafio de ver a família definhando pela fome, “Longamente ficou o vaqueiro olhando aquelas letras que exprimiam tanta desgraça” (QUEIROZ, 2002, pg-21). Em uma época lamentável, o sertão nordestino enfrenta mais uma seca, as plantas estão morrendo, a escassez da chuva impossibilita o plantio e a colheita, consequentemente não há como alimentar o gado e as famílias humildes para sobreviverem devem emigrar para outras regiões.
O sistema opressor manifestado através dos detentores de terra é representado na narrativa, por exemplo, na figura do “homem das passagens”, personagem corrompida pelo meio e que cedia as passagens distribuídas pelo governo a quem oferecesse mais dinheiro. Este personagem mantém-se inflexível perante a situação que Chico Bento enfrentaria levar a família por terra seria uma morte, mas isso pouco importava a quem não sofreria as desgraças trazidas pela seca, “- Que morte! Agora é que retirante tem esses luxos... No 77 não teve trem para nenhum. É você dar um jeito, que, passagens, não pode ser...”( QUEIROZ, 2002, pg- 30). Percebemos claramente o clima da injustiça social, no início do romance.
A temática regionalista assume um novo ângulo, o objetivo agora não é apenas apontar as belezas regionais brasileiras com o intuito de valorizar o patriotismo, mas denunciar as mazelas sociais em locais vítimas do clima e do esquecimento.
“A tônica regional alia-se à questão social e ao drama proletário. O romance social e revolucionário é um natural desdobramento do documentário regional e vai caracterizar a produção da geração revoltada da década de 30. Ora com a nota regionalista pura, ora acentuando a marca social, foi numerosa a safra da ficção da década, no conto ou no romance, uns preferindo o cenário rural das zonas do açúcar, do cacau, da Amazônia, do cangaço, do sertão, do garimpo, dos pampas, outros a área do proletariado urbano.” ( COUTINHO, 1999, pg-281)
A prosa regionalista do Nordeste ganha ênfase na segunda fase do Modernismo, sendo conhecida também como prosa neo- realista. Essa vertente alcançou grande repercussão em autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo e Rachel de Queiroz. Temos através dessa geração a redescoberta do Brasil, levando em consideração o aspecto regional, esses autores apresentam uma visão conflitante a cerca das relações sociais atreladas às conseqüências da seca.
Nas palavras de Afrânio Coutinho: “A região nordestina prestava-se à maravilha para a valorização das tradições culturais, daí a força com que o movimento regionalista se difundiu por toda a região, da Bahia ao Ceará e mais ao Norte. A fórmula era buscar no ambiente social, cultural e geográfico os elementos temáticos, os tipos de problemas, os episódios, que serviam transformados em matéria de ficção. A técnica era a realista, objetiva, os escritores buscando valer-se de uma coleta de material in loco, à luz da história social ou da observação de campo, tornando os seus romances verdadeiros documentários ou painéis descritivos da situação histórico-social” (COUTINHO, 1999, p. 278).
Pelo aspecto acima, observamos a grande preocupação da geração neo-realista: fazer uma literatura que de fato explorasse todo o país, denunciando os problemas sociais e fazendo deles a temática característica dessa fase. Rachel de Queiroz ao escolher o sertão nordestino, procura caracterizar a corrupção dos poderosos diante da população pobre. As tragédias trazidas pela seca são representadas no romance como o motivo através do qual se dá a formação do sistema opressor. “Na loja do Zacarias, enquanto matava o bicho, o vaqueiro desabafou a raiva:- Desgraçado! Quando acaba, andam espalhando que o governo ajuda os pobres... Não ajuda nem a morrer! / O Zacarias segredou: - Ajudar, o governo ajuda. O preposto é que é um ratuíno... Anda vendendo as passagens a quem der mais...” (QUEIROZ, 2002, p. 30).
Com o início da retirada a família dispõe apenas de alguns pedaços de carne de bode, um saco de farinha e rapadura, alimentos que para o grupo faminto constitui um verdadeiro banquete. Atentamos para um trecho de importante análise, embaixo de um juazeiro Chico Bento encontra outra família que dolorosamente pretendia comer os restos de uma vaca doente. Destacamos a solidariedade do pobre retirante mediante os que sofrem a sua situação, pois o vaqueiro, mesmo dispondo de pouco alimento decide compartilhar a precária refeição com os desconhecidos. “ Chico Bento alargou os braços, num gesto de fraternidade: - Por isso não! Aí nas cargas eu tenho um resto de criação salgada que dá para nós. Rebolem essa porqueira pros urubus, que já é deles! Eu vou lá deixar um cristão comer bicho podre de mal, tendo um bocado no meu surrão. / Sei lá! Deus ajuda! Eu é que não haverá de deixar esses desgraçados roerem osso podre.” ( QUEIROZ, 2002, pg-40).
Esta compaixão magistral é comprovada em outros trechos da trama. Para alimentar os filhos o vaqueiro vende sua única rede, preferindo machucar-se ao dormir no chão a ter que ver a família passando fome, fato que de certa forma seria inevitável. A opressão manifesta-se agora por meio do comprador da rede, pois este, estando em melhores condições conduziria as regras do jogo, comprando se quisesse e pelo preço que desejasse. “Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha: - Tá aqui. O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se fazendo de compadecido... “ ( QUEIROZ, 2002, pg-47).
Com a primeira fragmentação na família, encontramos mais uma representação do sistema. Mocinha larga o grupo, e começa a trabalhar em uma estação, vendendo café, sendo rodeada de galanteios e tentando direcionar um rumo a sua vida, ignorava pacientemente as descomposturas da patroa. “Essa sem-vergonha só quer é namorar! Vive de dente de fora pros homens e não liga pra nada! Por causa dessa peste roubaram o meu casal de pires!”. ( QUEIROZ, 2002, pg-51). A vida não lhe dava outra escolha, era humilhar-se constantemente ou passar fome.
Seguindo a marcha sem Mocinha, Chico Bento e Cordulina vivenciam novas aflições. A morte de um dos filhos (Josias) proporciona ao grupo mais uma desilusão rumo ao futuro. A fome agora se alastrava no máximo, não havia mais comida nem sinais de chuva, deparamo-nos então com a destruição do orgulho evidenciada em Chico Bento.
Diante da extrema miséria, os personagens percebem que não há outra saída, é necessário lutar contra as imposições do meio. A quebra do orgulho é a forma encontrada para lutar pela vida, a humilhação seria, portanto, uma atitude digna. Ao matar uma cabra alheia, Chico Bento pensava unicamente em alimentar-se e garantir a família um pouco de força para o restante da caminhada.
Contudo a atitude do vaqueiro é frustrada, o dono da cabra exigia a carne do animal tão desejado. Desesperado, Chico Bento joga-se aos pés do opressor. “– Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho ao menos, que dê um caldo para a mulher mais os meninos! Foi para eles que eu matei! Já caíram com a fome.” ( QUEIROZ,2002, pg-66). O pedido do vaqueiro é negado, restando ao mesmo apenas as tripas ensangüentadas do animal. É interessante notar que no início da narrativa, o vaqueiro nega-se a pedir leite para o filho mais novo. Com a gravidade da seca, o personagem entende que para sobreviver precisa aderir às regras do jogo. O orgulho de um trabalhador honesto, não o manteria vivo, era necessário rever seus próprios conceitos, é este fato que faz com que o vaqueiro mate um animal que não lhe pertence, e em seguida implore pelas tripas fétidas como um consolo perante o meio.
A desestruturação da família avança pouco a pouco. Após o desaparecimento de Pedro, a família de retirantes recorre ao delegado. Sem fazer mais esforços pelo caso, conclui-se que o menino havia partido com comboieiros de cachaça. O drama ocasionado pela retirada consequentemente penetrava o interior até mesmo das crianças. Pedro avaliando a situação enfrentada pelos pais, possivelmente interpreta que a vida não teria sentido daquela forma, vagando de um lugar para o outro em busca da sobrevivência. A avaliação dessa realidade terá sido provavelmente a causa que levara o menino a abandonar a família e partir com desconhecidos. “Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?” (QUEIROZ, 2002, pg-85).
Após conseguir passagens com o compadre Luís Bezerra, Chico Bento, Cordulina e os três filhos que restavam embarcam rumo à Estação do Matadouro. Chegando ao Campo de Concentração a família depara-se com uma infinidade de pessoas, as quais se encontravam ali como os mesmos objetivos: sobreviver, fugir da seca degradante, destruidora, terminar ilusões em uma terra áspera e construir uma vida novamente em outro solo. Tudo isto fruto constante da caminhada árdua, da fome dolorosa, do cansaço quase mortífero.
Naquele local onde a família deixava o futuro um pouco de lado, encontramos Conceição, personagem transitória entre os dois planos da narrativa. A destruição do orgulho que habitava Chico Bento é mais uma vez comprovada. “E saiu depressa, segurando as pregas da sua saia de lã azul, em direção ao local da distribuição; atrás dela Chico Bento arrastava os pés, curvado, trêmulo, com a lata na mão estendida, habituado já ao gesto, esperando a esmola.” (QUEIROZ, 2002 p. 90).
Através da generosidade da moça, a família consegue encontrar uma moradia provisória e o vaqueiro enfim um emprego que garantisse uma precária refeição a família. “Ele trazia um pão, rapadura e um pouco de café. / E o alvoroço da meninada que o acolheu, e lhe arrebatou as compras, bem lhe pagou as tristes horas do dia, curvado sobre a pá, em tempo de morrer de calor e cansaço” (QUEIROZ, 2002, pg-100). O sacrifício realizado constantemente por Chico Bento, prova sua condição de retirante humilde. Ele tem idéias, mas que consistem basicamente no bem-estar de sua família, todas as decisões tomadas por mais sofríveis que sejam objetivam unicamente uma vida mais digna.
É este pensamento que faz com que Cordulina entregue o filho mais novo, Duquinha, para Conceição. Depois de um diálogo curto com o marido, os dois decidem que o melhor para a criança seria entregá-la para a madrinha, poupando-a de novas frustrações. “Que é que se é de fazer? O menino cada dia é mais doente... A madrinha quer carregar pra tratar, botar ele bom, fazer dele gente... Se nós pegamos nesta besteira de não dar o mais que se arranja é ver morrer, como outro...” (QUEIROZ, 2002, PG-101). Desfazer-se de um filho como um animal, mas com um objetivo, dar ao menino os cuidados que a família jamais poderia dar. É nesse clima que acontece mais uma fragmentação na família do vaqueiro.
Retomando o desejo inicial Chico Bento comunica a Conceição que continuará a retirada para o Norte. Após o diálogo com a comadre o vaqueiro opta por São Paulo. Desde o início da narrativa a família objetivava a busca por uma vida melhor, onde os meninos não passariam fome, Cordulina e o marido trabalhariam decentemente e o futuro fosse generoso. “Eu já tenho ouvido contar muita coisa boa do São Paulo. Terra de dinheiro, de café, cheia de marinheiro...” ( QUEIROZ,2002,pg-108).
A continuação da retirada, já não era tão idealizada como fora a princípio. Dirigiam-se para São Paulo por uma necessidade e não por vontade. Perder três filhos e a irmã Mocinha havia sido um golpe trágico do destino para Cordulina e Chico Bento sem contrariar apoiava dolorosamente as mágoas da esposa. A seca fora a grande vilã, o triste impasse que provocou a desestruturação em sua família. Aproveitando-se da seca, um poder opressor não menos problemático, surgiu ao longo de sua penosa marcha de retirante. Esse poder formado por seres corruptos e ambiciosos construíam o futuro em cima da exploração dos oprimidos em um cenário onde os mais ricos e perversos prevalecem. Chico Bento tenta ao longo de toda a narrativa sobressair-se nesse sistema, vencer sem oprimir ninguém, lutar humildemente com sua dignidade e solidariedade de retirante nordestino. Mantendo essas condições, o vaqueiro e a família emigram em direção ao desconhecido.
“Iam para o desconhecido, para um barracão de imigrantes, para uma escravidão de colonos... / Iam para o destino, que os chamara de tão longe, das terras secas e fulvas de Quixadá, e os trouxera entre a fome e mortes, e angústias infinitas, para os conduzir agora, por cima da água do mar, às terras longínquas onde sempre há farinha e sempre há inverno..” (QUEIROZ, 2002, pg.113-114).
O REGIONALISMO EM “O QUINZE”: CONTRAPOSIÇÕES DA VISÃO ROMÂNTICA PARA A MODERNA
A verificação dos elementos regionais brasileiros surge dentro da literatura inicialmente com o advento do Romantismo. Através desta estética literária, verificam-se as primeiras tentativas de retratar o regional, objetivando a criação de um nacionalismo até então adormecido.
“Existe a preocupação fundamental do sertanismo, que vem, assim, substituir o indianismo, como aspecto formal e insistente na intenção de transfundir um sentido nacional à ficção romântica. Tal preocupação importa em condenar o quadro litorâneo e urbano como aquele em que a influência externa transparece, como um falso Brasil. Brasil verdadeiro, Brasil original, Brasil puro seria o do interior , o do sertão, imune às influências externas, conservando em estado natural os traços nacionais. Nesse esforço, o sertanismo, surgindo quando o indianismo está ainda em desenvolvimento, e subsistindo ao seu declínio, recebe ainda os efeitos deste. Não é senão por isso que os romancistas que se seguem a Alencar, ou que trabalham ao mesmo tempo que ele, obedecem às influências do momento, e trazem o índio para as páginas dos seus romances. Mas serão, principalmente , sertanistas e tentarão afirmar, através da apresentação dos cenários e das personagens do interior, o sentido nacional de seus trabalhos”. (SODRÉ, 1969, pp 323-324 IN: BOSI, 2006 pg-141).
Segundo Nelson Werneck Sodré, o sertanismo substitui o indianismo na tentativa de nacionalizar a ficção romântica. Esse patriotismo é retratado por meio da exaltação da natureza, da linguagem, dos costumes vivenciados pelas pessoas que habitam o interior, tudo isso focalizado por meio da idealização que caracteriza esta escola literária, encontrando êxito em José de Alencar, Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Alfredo d’ Escragnolle Taunay.
“As várias formas de sertanismo( romântico, naturalista, acadêmico e, até modernista) que tem sulcado as nossas letras desde os meados do século passado, nasceram do contato de uma cultura citadina e letrada com a matéria bruta do Brasil rural, provinciano e arcaico.” ( BOSI, 2006, pg-141)
Em contraposição aos românticos, a geração modernista de 1930 foi além do painel idealizador, mencionando no texto literário o quadro político, as mazelas e a real situação vivenciada pelo sertanejo. O clima de exploração evidencia a revolta e consequentemente a denúncia social presente em muitos autores e obras.
Por meio da obra “O Quinze”, Rachel de Queiroz materializa essas visões da geração neo-realista. Como aderente do ciclo da seca nordestina, a autora focaliza o desespero, a humilhação, o sofrimento e a corrupção enfrentados pelo retirante. A figura do vaqueiro Chico Bento sintetiza o alvo das aflições enfrentadas perante a opressão, levando-o finalmente ao desterro rumo a uma terra desconhecida.
A paisagem nordestina não é apresentada com a mesma beleza da paisagem mato-grossense em “Inocência”. O ambiente não retrata uma história de amor, mas atua como causador da tristeza e desgraça ocasionadas pela seca, tudo claramente encontrado na literatura neo-realista e especificamente na obra em discussão, “O Quinze”.
A PROSA NEO-REALISTA
Através da estética modernista a prosa sofreu constantes modificações até chegar à tendência contemporânea. Observamos as primeiras modificações na Semana de Arte Moderna em 1922 que entre outras conquistas conseguiu, por exemplo, introduzir o uso da linguagem coloquial na escrita literária. Com as evoluções e o amadurecimento realizados por gerações posteriores, deparamo-nos com a geração de 1930 que propôs à literatura uma escrita que pudesse retratar os problemas sociais da época por meio de uma volta ao passado. Esta volta consistiu no aproveitamento das conquistas de 1922 amadurecidas pela segunda geração. É nesse contexto que encontramos a valorização do passado fazendo ressurgir o Realismo/ Naturalismo dentro da prosa de 1930.
“Pode-se chamar a prosa de 1930 de Neo- Realista, mas salientando-se que o termo, tal como foi aplicado no século XIX, eivado de cientificismo e de racionalismo inflexível, não se prestava mais, à nova conjuntura. Os romancistas pós- modernos optaram por um aprofundamento das relações entre homem/ meio, homem/ sociedade, numa visão mais crítica dessas relações.” ( OLIVEIRA, 1999, pg-481)
No conflito apresentado em “O Quinze” percebemos a marca Neo- Realista em Chico Bento e sua luta com o meio, vencer a seca, fugir da mesma e também do poder opressor atuante na narrativa.
Apresentaremos aqui os três tipos de ficção desenvolvidos pelo Neo-Realismo, mediante a conceituação da professora Clenir Bellezi de Oliveira: Primeiramente a Prosa urbana, a qual foi cultivada desde o romance brasileiro, com as novas bases expostas acima, focaliza o homem da cidade e seus conflitos sociais. A Prosa do regionalismo nordestino que tem raízes no Romantismo, nas obras de Franklin Távora e Bernardo Guimarães, e no Realismo/ Naturalismo, com a produção de Domingos Olímpio, entre outros. O ciclo do regionalismo nordestino é um dos principais temas da prosa dessa geração.
São abordados os inúmeros problemas de um Nordeste decadente desde que o polo cultural e político do Brasil se transferira para o Sul. A miséria, as relações do homem do povo com o poder e com os poderosos, a hostilidade do meio estéril e ingrato, o descaso dos políticos com esse estado de coisas, tudo enfim que pertence àquele universo passa a ser abordado num tom crítico sem precedentes em nossa literatura.
Em seguida, a prosa intimista que é aquela que se detém nos processos psicológicos das personagens. A disseminação das idéias de Sigmund Freud e de outras correntes da psicologia desperta o desejo de investigações do mundo interior, dos motivos individuais de cada um e de suas origens. Muitas vezes, esse tipo de prosa vem combinado com a vertente urbana ou regionalista. (OLIVEIRA, 1999, pg-481).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho procurou através do livro “O Quinze”, discutir o drama do retirante nordestino constatado na personagem Chico Bento. Conclui-se através desta análise que tal drama é formado por meio da mesclagem entre a seca e o painel opressor que surge como uma espécie de conseqüência.
As catástrofes da seca trazem à tona um cenário crítico, vítima do esquecimento. O surgimento do painel opressor formado pelos latifundiários é encarado como uma forma de sobrevivência. Em um local devastado pela fome e escassez de água, sobreviver quem tem mais dinheiro. Verifica-se a destruição da solidariedade para com a figura do retirante que mesmo na mais extrema miséria mantém-se digno e portador de humildade. Foi essa realidade dura e sofrível que a geração neo-realista procurou denunciar por meio da escrita literária.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 33 ed.São Paulo:
COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil. 5ed. São Paulo: Global, 1999, pg-281.
OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. Arte Literária: Portugal/ Brasil. São Paulo: Moderna, 1999.
QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 72 ed. São Paulo: ARX, 2002.