O CIRCO
Por Romano Dazzi | 22/05/2009 | CrônicasO CIRCO
De Romano Dazzi
Sou, finalmente, o feliz dono de um circo.
Você não imagina quantas vezes sonhei com este momento, quanto imaginei vestir a larga casaca verde, cheia de botões dourados, grossos galões de general, uma ampla calça branca, à caçadora , apertada logo abaixo do joelho, como as dos oficiais de Sua Majestade a Rainha Vitória e botas reluzentes, de cano alto, com esporas cromadas.
Um longo chicote na mão, em despudorada concorrência com o domador, um quepe imponente (às vezes do tipo explorador, outras imitando um soldado de Napoleão), luvas brancas, um bigode longo e retorcido, à
O burburinho da platéia, enquanto aguarda o início do espetáculo, é quebrado pela minha voz possante e avassaladora: - Respeitável público!
Faz-se um silêncio absoluto, que reflete respeito, curiosidade E eu repito:
- Respeitável público!
O Circo Romanov escolheu esta magnífica cidade para apresentar orgulhosamente um dos maiores espetáculos da Terra!
Coragem, agilidade, bravura e equilíbrio, passarão diante de seus olhos!
O Circo Romanov agradece a presença de todos!
O público, mesmo sem ter visto nada, prorrompe em um aplauso estrondoso, que eu prontamente interrompo, com um gesto largo, criando o indispensável anticlímax.
- Inicialmente veremos o grande Romanov primeiro, domador de feras reais e imaginárias, lutando ao mesmo tempo e inutilmente contra fornecedores, clientes, empregados e fiscais. Observem quantas feridas, quantas cicatrizes!
Mais aplausos.
- Veremos depois o equilibrista Romanov segundo, que atravessa a arena numa corda bamba, a dez metros de altura, tentando manter no ar cheques sem fundos, papagaios vencidos e avisos de cartório, num exercício de incrível habilidade!
E mais aplausos.
- Em seguida, apresentaremos o malabarista Romanov terceiro, comedor de fogo e engolidor de espadas, que com rápidos jogos de mão faz desaparecer contas a pagar, faturas e extratos negativos, que, infelizmente, teimam em reaparecer!
Poucos aplausos.
- Lamentamos não poder hoje apresentar o grande bailarino Romanov quarto, que na semana passada, executando uma pirueta para driblar o fisco, quebrou uma perna . Palmas para ele!
Outros aplausos, magros.
- E por fim, veremos o engraçadíssimo palhaço Romanov quinto, capaz de fazer rir platéias inteiras com o seu vai-e-vem desajeitado à procura da sobrevivência, suas caretas ao enfrentar o chefe, sua absoluta incapacidade de ser levado a sério! Se virem brilhar uma lágrima no rosto dele, enquanto atua, não liguem.... É um defeito próprio de todo bom palhaço!
Muitos , muitos aplausos.
A bandinha do circo retoma uma marchinha conhecida, as crianças riem, os adultos sorriem, os velhos meneiam a cabeça., mas todo o mundo aplaude, enquanto engasga com a pipoca....
Quantas caras a gente precisa ter, para sobreviver honestamente!
Mas é este aplauso que a gente quer. Como é bom ser o dono do circo!