O Cigarro e a Propaganda
Por TASSIA TABILLE STEGLICH | 29/04/2010 | HistóriaNo início do século 20, o objetivo da indústria do cigarro
era vendê-los apenas para o homem. As indústrias tinham como principal alvo o
público masculino e a imagem da mulher era utilizada exclusivamente como objeto
de desejo, ao lado do cigarro.
Conforme é sabido, nesta época não havia outros meios de veiculação de
propagandas além de algumas poucas revistas e jornais. Desta forma, os próprios
maços de cigarros chamavam a atenção, usando imagens femininas belíssimas como
pretexto para o consumo do produto. Entretanto, esta questão foi se
modificando. As mulheres passaram a interessar à indústria do fumo, agora de
modo diferente: como consumidoras. Era o início dos anos 50.
O maior propagador do hábito de fumar foi o cinema. As produções cinematográficas
de Hollywood exibiam belos astros e estrelas, fumando, perpetuando o glamour do
cigarro por muitos e muitos anos. A identificação com os astros e estrelas faz
com que seus admiradores os imitem. E a propaganda ajudava nesta conversão.
Todas as propagandas se utilizavam da imagem feminina como objeto de desejo:
• Cigarros La Pavlova - homenageia uma bailarina chamada Ana Pavlova. Traz uma
pintura da mesma vestida a caráter. Num pequeno texto está escrito: "A
Rainha da Dança".
• Cigarros Elite – inovador, utiliza a imagem de duas mulheres com tiaras de
flores na cabeça. Frase: "o cigarro preferido dos salões da
sociedade".
• Cigarros Favoritos - mulher solitária dirigindo um imenso carro vermelho
conversível.
• Cigarros Salomé - mulher morena de perfil, exibindo a parte superior de seu
corpo. Olhos negros e lábios pintados em forma de coração.
A partir do início dos anos 50, começaram a chegar ao Brasil os cigarros
importados, sendo o primeiro deles o Camel, cuja personagem era um camelo,
seguido pelo Chesterfield e o Pall Mall.
A propaganda dos cigarros Camel possuía o seguinte slogan: "mais médicos
fumam cigarros Camel do que qualquer outro". Naquela época, acreditava-se
que o cigarro possuía propriedades benéficas à saúde, sendo inclusive receitado
pelos próprios médicos para alguns pacientes. Além disso, a própria imagem do
médico inspirava poder, glamour, tudo aquilo que era necessário para a
publicidade do produto.
O texto publicitário dizia: "Sabe, se você seguir um médico enquanto ele
faz seus atendimentos diários a pacientes, você vai ter um dia bastante corrido
o acompanhando. Um tempo de folga, para muitos homens da medicina, normalmente
significa o suficiente apenas para apreciar um cigarro. E porque eles conhecem
o prazer que existe em fumar um bom cigarro, com tabaco moído, eles são
criteriosos em relação à escolha da marca que preferem. Em uma pesquisa
repetida de âmbito nacional, médicos de todas as especialidades, médicos de
todas as partes do país foram perguntados: "Doutor, qual marca de cigarro
você fuma?". Mais uma vez, a marca mais mencionada foi Camel. Sim, de
acordo com uma pesquisa repetida de âmbito nacional, médicos fumam mais
cigarros Camel do que qualquer outro cigarro. Por que não mudar para Camel
pelos próximos 30 dias, e notar a diferença que isso fará no modo como você
aprecia fumar? Veja como os cigarros Camel combinam com a sua garganta. Veja
como um cigarro com tabaco moído pode ser gostoso!"
O glamour inspirado por Hollywood perdurou durante muitos anos. Grandes astros
e estrelas contracenavam, exibindo belíssimas piteiras e aparências impecáveis.
O hábito de fumar era largamente associado a belas mulheres, homens viris,
todos elegantes, bem arrumados. Um exemplo disso pode ser percebido na
propaganda do cigarro Free, que exibia jovens usando camisetas brancas e calças
jeans (uma febre, na época) ou o Marlboro, com seu cowboy absolutamente
másculo.
Com o passar do tempo, acompanhando as mudanças evolutivas no cenário social, a
publicidade fora se aperfeiçoando, no intuito de estar em sintonia perfeita com
os desejos do consumidor. Agora, tanto homens quanto mulheres eram alvo da
indústria, cuja publicidade era representada por indivíduos cada vez mãos
belos. A partir da década de 70, o público alvo passou a ser formado, também,
pelos jovens, com grande ênfase às práticas esportivas.
A associação do cigarro a diversas modalidades esportivas, entre elas o
alpinismo, o esqui, pára-quedismo, hipismo, surfe, atingia claramente, e com
êxito, o público jovem. A prática esportiva que mais demonstrou afinidades com
o cigarro, foi o automobilismo, especificamente a Fórmula 1.
"Seja quem for o divino designer que o aperfeiçoou, imaginou o cigarro
como um complemento capaz de confundir-se de corpo e alma com quem o fuma.
Tornou-o masculino em mãos masculinas; feminino, em mãos femininas.
Sofisticado, entre sofisticados; rústico, entre rústicos. Um símbolo de
rebeldia, para os jovens; um instrumento de quietude, para os idosos. Fez dele
um caloroso aliado nos momentos de ação e um companheiro solidário nos momentos
de reflexão. Emprestou-lhe uma eloqüência extra como sedutor e, no meio da
mistura de fumos, incluiu ingredientes que permitem ao fumante exibir
segurança, altivez e independência. E, muito mais que um amigo, fez do cigarro
o nosso cúmplice. O parceiro com quem, sem trocar de lábios, dialogamos em
segredo. Por sinal, o único a saber que ninguém é inocente ao fumar. Há sempre
uma pose interior ao se acender um cigarro, soprar a fumaça ou colocar a cinza.
Mesmo quando não há." (BARROS, 1996)
Conforme pode ser percebido na citação acima, o hábito de fumar é claramente
relacionado ao glamour e à beleza, aos desejos íntimos, à personificação da
alta sociedade. Um estado puramente psicológico que, infelizmente, afeta
principalmente o corpo físico.
A propaganda de cigarro sempre foi criativa e de muita beleza. As restrições ao
fumo e à propaganda de cigarro foram aumentando gradativamente, até que o
governo proibiu a sua associação com diversos esportes e eventos, e obrigou as
indústrias a colocarem um aviso sobre os males do fumo em toda propaganda de
cigarro. No início deste ano a propaganda de cigarro foi definitivamente
proibida no Brasil.
A propaganda e suas proibições
Todo o glamour incitado pelo hábito de fumar, através de propagandas apelativas
cujas personagens sempre foram dotadas de uma beleza e vigor sem igual, acabou
por gerar uma indústria de tabaco, tida como legalmente reconhecida, capaz de
ocasionar um sem número de malefícios à saúde do ser humano. A propaganda de cigarro
sempre fora insinuante, ligada ao sucesso pessoal e a fatores como status
econômico.
As proibições e mesmo as campanhas contra o fumo não são recentes na história
do homem moderno. No início do século XVII, na Inglaterra, o rei Jaime I
classificou o hábito de fumar como repulsivo. Na Alemanha de Adolf Hitler,
durante o período denominado "Terceiro Reich", a proibição do fumo
atingia a população feminina daquele país.
Os fabricantes de cigarros sempre estiveram cientes a respeito do câncer de
pulmão provocado pelo hábito de fumar. Porém, este fato fora escondido durante
mais de quarenta anos, através da criação de um clima de controvérsia: o
cigarro era prejudicial à saúde sim, mas conferia status e glamour aos seus
usuários. Negava-se inclusive a possibilidade da nicotina causar dependência,
fato este que hoje já é comprovado de maneira científica. Os efeitos da
abstinência do cigarro podem ser devastadores tanto quanto os efeitos de outras
drogas ilícitas.
As empresas fabricantes de cigarros tinham de demonstrar, portanto, um
determinado interesse na saúde de seus consumidores. Apesar da ambigüidade
desta questão, determinadas medidas passaram a ser tomadas, no intuito de
deixar claro todos os malefícios causados pelo hábito de fumar, não cabendo mais,
portanto, a personificação do cigarro como artigo de luxo.
Alguns dos países mais democráticos do planeta, como Estados Unidos, Canadá,
França, Itália, Austrália, Bélgica, Noruega e Suécia, já proibiram ou fizeram
sérias restrições à propaganda do cigarro. É o único produto existente no mundo
que faz com que o cliente morra consumindo-o exatamente de acordo com as regras
definidas pelo fabricante.
Dráuzio Varella nos coloca que diversas pesquisas mostram que, nos últimos 15
anos, a idade em que meninas e meninos começam a fumar está cada vez mais
baixa. Atenta ao mercado, a indústria do fumo dirige a publicidade para a
infância e a puberdade. Uma situação bastante controversa, tendo em vista o
fato de que, legalmente, é proibida a venda de cigarros para menores de 18
anos. A venda. O consumo, não. Qualquer crianças ou adolescente que tenha
acesso a cigarros dentro de sua própria casa pode entrar nesse mundo. Talvez
seja aí que haja uma falha, falha essa que a indústria do tabaco já descobriu,
e usa completamente a seu favor.
"O argumento empregado pela indústria para justificar a oposição às
leis que pretendem proibir a publicidade do cigarro tem sido tradicionalmente o
de que muitos trabalhadores vivem da lavoura, do preparo industrial e da
comercialização do fumo, e que uma queda de consumo provocaria
desemprego." (VARELLA, internet)
O tabaco é uma droga lícita e legalmente reconhecida e, portanto, produzida de
modo seguro. Muitas famílias vivem de sua produção, e a diminuição do consumo
de produtos derivados do tabaco atinge também a questão econômica dessas
famílias. As primeiras lavouras de tabaco no mundo surgiram nos últimos anos do
século XVI. O cigarro é um processo que, no Brasil, envolve 2,4 milhões de
pessoas. Mescla trabalho artesanal a modernas fábricas, além de incluir uma
intrincada logística de distribuição. Entre 2004 e 2007, a área cultivada no
Sul do país ficou 22,3% menor, ocasionando perdas financeiras significativas.
Nos Estados Unidos, é proibido anunciar cigarro na televisão desde final dos
anos 60. Em nosso país esta proibição passou a ocorrer apenas 30 anos mais
tarde. Estas restrições à publicidade do cigarro, nas últimas duas décadas,
conseguiram reduzir drasticamente o consumo de cigarros em muitos países –
basicamente, os desenvolvidos.
A rápida perda de mercado, nestes países, é compensada por um avanço da
indústria do fumo nas nações menos desenvolvidas. Devido ao aumento da
expectativa de vida nos países do Terceiro Mundo, é de se prever um enorme
incremento das taxas de incidência dos padecimentos induzidos pelo fumo, entre
os quais as doenças cardíacas, pulmonares e as neoplasias.
De fato,
"o cigarro provoca 26 enfermidades fatais (11 tipos de câncer, seis
doenças cardiovasculares, cinco respiratórias e quatro pediátricas), encurta em
cinco anos a vida de quem consome 15 cigarros por dia e causa uma dependência
tão grave quanto a da heroína". (CARVALHO, 2001, p. 22)
Desde 1954, 800 ações americanas foram julgadas. No ano de 1999, no entanto, as
primeiras grandes vitórias começaram a surgir. Entre fevereiro e março daquele
ano, a Philip Morris foi condenada a pagar mais de 130 milhões de dólares a
duas vítimas de câncer de pulmão. Quatro meses depois, juntamente com a British
American Tobacco e a R.J. Reynolds, a Philips Morris foi considerada culpada
por vender produto viciante e danoso à saúde.
O veredicto contra as empresas foi dado por um júri da Flórida e significou a
maior derrota já sofrida pelos fabricantes. Pela primeira vez na história,
deu-se ganho de causa antecipado a todos os fumantes de um único Estado que
porventura foram prejudicados pelo cigarro. Estima-se que isso possa custar 500
bilhões de dólares à indústria americana do tabaco.
A ironia é que, apesar da fúria anti-fumo, o consumo continua a aumentar. Em 1995,
por exemplo, acendiam-se 5,1 trilhões de cigarros por ano no mundo. Atualmente,
a cortina de fumaça está ainda mais densa. No ano de 2000, 106 bilhões de
cigarros foram vendidos legalmente no Brasil, o que representou um faturamento
de 6 bilhões de dólares.
Entretanto, em meados do ano 2000 aprovou-se no Brasil o Projeto de Lei que
proibia a publicidade do cigarro em todos os meios de comunicação, bem como as
cotas de patrocínios de eventos esportivos e culturais, com exceção do PDV.
A lei n.º 10.167/2000 restringe a publicidade de produtos derivados do tabaco à
afixação de pôsteres, painéis e cartazes na parte interna dos locais de venda.
Proíbe, conseqüentemente, em revistas, jornais, televisão, rádio e outdoors,
inclusive internet. Também proíbe o patrocínio de eventos esportivos nacionais
e culturais.
A partir desta lei, ficou proibido:
"I - a venda por via postal;
II - a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde;
III - a propaganda por meio eletrônico, inclusive internet;
IV - a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em
estabelecimento de ensino ou local público;
V - o patrocínio de atividade cultural ou esportiva;
VI - a propaganda fixa ou móvel em estádio, pista, palco ou local similar;
VII - a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos
programas produzidos no País após a publicação desta Lei, em qualquer horário;
VIII - a comercialização em estabelecimentos de ensino e de saúde." (art.
3º)
Considera-se infrator, para os efeitos desta Lei, toda e qualquer pessoa
natural ou jurídica que, de forma direta ou indireta, seja responsável pela
divulgação da peça publicitária ou pelo respectivo veículo de comunicação.
Poderá haver suspensão da programação da emissora de rádio e televisão, pelo
tempo de dez minutos, por cada minuto ou fração de duração da propaganda
transmitida em desacordo com esta Lei, observando-se o mesmo horário.
Muito se ouviu falar da expressão "barões do tabaco", no mundo
inteiro. São grandes executivos responsáveis por esta indústria categoricamente
ostensiva, que, desde o início do século XX vêm adquirindo adeptos e mantendo
seus espaços próprios. É impressionante a capacidade de evolução social que a
indústria do tabaco possui. Ela está atenta a todos os nichos de mercado possíveis
e acompanha as tendências de forma quase assustadora.
Félix Menendez, cubano exilado atualmente residente no Brasil, é dono de uma
das maiores fábricas de charuto em nosso país. No Carnaval, montou um camarote
exclusivo da empresa na Barra, em Salvador, e recheou o local de convidados do
Brasil inteiro. Com três andares, salão de beleza, uma boate, DJs para entreter
os convivas durante os intervalos das apresentações dos blocos e até uma cama
de motel para quem quisesse dar uma descansada, as instalações custaram 300.000
reais.
É um claro exemplo de evolução da indústria do tabaco, acompanhando as
tendências e evitando a exposição na mídia. As proibições existem, porém,
começa a atentar-se para outras possibilidades, sempre no intuito de manter a
chama acesa, ou, literalmente, o cigarro aceso.
Referências Bibliográficas
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