O CHATO
Por sander dantas cavalcante | 23/09/2009 | CrônicasEu estava desempregado há cinco meses e, por sorte, consegui novo emprego. Não é lá de se encher os olhos, mas para quem estava no olho da rua até a semana passada, está de bom tamanho. Estou na segunda semana e preciso causar boa impressão, tanto para os colegas, como para o chefe, principalmente para este último, por motivos óbvios. Assim, não posso pisar na bola, pois é justamente no início do contrato de trabalho que todo empregado é alvo de maior vigilância e o quesito pontualidade é um dos principais, me obrigando a pegar a condução bem cedinho.
Enquanto aguardava o metrô, percebi que um homem de meia idade, pouco sorriso e traje elegante me observava. Fingi não perceber, mas o homem continuava a fixar seus olhos em mim e já o fazia de maneira mais direta, o que ia me deixando cada vez mais encabulado e apreensivo. Pensei em várias hipóteses. Poderia ser matador de aluguel e me confundira com outra pessoa ou então, não se confundira, eu seria, realmente, o alvo do assassino. Afinal, um dos meus empregos foi de cobrador e muitos devedores não me têm em boa conta. Mas, aqueles trajes, assim como a postura e a elegância... Não, definitivamente, não era um assassino. Isso me trouxe certo alívio, mas não me deu tranquilidade, pois comecei a imaginar que o sujeito se tratava de um grande chato, o que logo se confirmara, pois ao perceber que eu o tinha notado, tratou de dar um sorriso e um sonoro bom dia.
Graças a Deus, chega o metrô, mas como alegria de pobre dura pouco, adivinhem que era meu vizinho de assento. Isso mesmo, o chato. Não tardou e começou a puxar conversa, tipo meu primeiro emprego, ambições de vida, perspectiva profissional, enfim, um interrogatório infernal que mais parecia instrução de processo penal. No início, ainda respondia em monossílabos, mas depois não agüentei e explodi. Não é que o folgado perguntou se o que eu ganhava atendia às minhas expectativas? Pois é, nesse momento minha educação foi por água abaixo, peguei na beca do infeliz e gritei: Não é da sua conta, filho da mãe.
Minha condução chegou ao destino. Desci apressado, ainda meio enfurecido e corri para o batente. Meia hora depois, recebo chamado da direção da empresa. Entro na sala e dou de cara com o chato do metrô, que não era chato coisa nenhuma. Era simplesmente o meu chefe e eu quase o enforquei. Ainda tentei me explicar, mas não deu certo. Voltei pro olho da rua.