O caso dos exploradores de cavernas

Por Webber Leite Marchi | 01/05/2011 | Filosofia

Intróito

O caso inverídico apresentado na obra se principia quando cinco membros de uma sociedade de espeleólogos penetraram em uma caverna natural. Por ocasião de se encontrarem distantes da entrada um desmoronamento de pedras bloqueou completamente a saída. Uma equipe de salvamento se deslocou para o local do sinistro.
Ainda que a equipe trabalhasse firmemente, outros desmoronamentos ocorreram e provocaram a morte de dez membros da equipe de resgate. Durante este tempo os exploradores findaram as parcas provisões de alimentos que possuíam.
Os exploradores levavam consigo um rádio e estabeleceu-se a comunicação entre eles e os coordenadores do resgate. Eles questionaram sobre o tempo necessário para que fossem retirados e informados que o resgate demoraria pelo menos mais dez dias. Informaram acerca da quantidade de víveres de que dispunham e perguntaram ao médico da equipe se seria provável sobreviver com aqueles mantimentos durante o tempo necessário até o salvamento. Foram então informados que pouco provavelmente sobreviveriam com o que dispunham e um dos enclausurados, Roger Whetmore (Roger Petisco), em nome de todos, perguntou se poderiam resistir se sorteassem um entre eles para matar e comer. O médico respondeu que sim, embora depois de muito hesitar em responder. Quanto a um parecer moral sobre o assunto não apareceu aquele que se dispusesse a opinar. Neste instante interrompeu-se a comunicação e o rádio permanece mudo até o desfecho do resgate.
Ao final de dez dias, o resgate conseguiu libertar os espeleólogos, mas Roger Whetmore já havia sido finado e servido de alimento a seus companheiros sete dias antes, ou seja, três dias após interromperem as comunicações via rádio.
A partir do relatado pelos quatro sobreviventes, por ocasião da clausura e por sugestão de Roger Whetmore, todos concordaram em tirar nos dados uma vítima que serviria de alimento aos demais; porém, antes de realizarem o lance de sorte, Roger Whetmore externou ser melhor esperar mais uma semana, contudo foi acusado de desobedecer ao acordo. Ele se recusou a lançar os dados e seus companheiros o fizeram em seu lugar e, para sua infelicidade, o azar recaiu-se sobre ele próprio. Whetmore foi morto e devorado por seus companheiros. Não se fala no livro o método empregado para a supressão de sua vida, apenas sugere-se que poderia ter sido feito por golpes de pedras.
O caso foi a julgamento e os quatro exploradores sobreviventes foram condenados por homicídio pelo juiz togado. Contudo apelou-se para revisão da sentença em segunda instancia. A decisão foi então colocada a cargo de cinco juízes ao que, a opinião e tendência jurídica de cada um deles vamos tratar nesta resenha.
Lembrando que, o pleito se passa na cidade fictícia de Newgarth, cujo ordenamento jurídico e de origem anglo-saxônica diferentemente do Brasil que possui seu Direito de origem romano-germânico.

Suprema corte de Newgarth:
Julgamento dos cinco magistrados.
O caso é exposto ao julgamento de cinco magistrados. Sendo o Ministro Truepenny presidente do tribunal. A lei é clara e o entendimento dominante não permite nenhuma forma excludente. Apesar das circunstâncias atenuantes a única saída é decidir pela condenação e solicitar ao chefe do Poder Executivo para que considere o pedido de perdão. Que seguramente deverá ser atendido. Assim é de se esperar que seja realizada a Justiça sem debilitar a letra ou o espírito da lei e sem propiciar qualquer encorajamento à sua violação.
Para ele conserva-se a condenação.
O Ministro Foster: Para este magistrado se a Lei nos leva a uma conclusão que nos envergonhe e da qual podemos somente escapar mediante uma exceção que depende da decisão do chefe do Executivo, parece que ela não pretende realizar a justiça. O Ministro Foster também afirma que matar em legitima defesa é desculpável, apesar de não expressamente escrito no texto legal. Sabe-se lendo entrelinhas da lei.
Para este magistrado os acusados são inocente devido duas premissas:
1 - O direito positivo não é aplicável ao caso, que é regido pela "lei da natureza" ou direito natural.
2 - Há séculos estabeleceu-se que matar em legítima defesa é escusável. Não há nada em nosso texto legal neste sentido. Várias tentativas foram feitas para conciliar a jurisprudência ao texto da lei. A verdade é que a exceção em favor da legítima defesa não é conciliável com as "palavras" da lei, mas somente com seu propósito.
O juiz considera os réus inocentes do crime de homicídio.
O Ministro Tatting: Em suas palavras: "Fomos investidos pelo Tribunal para aplicar as leis de nosso país. Com que autoridade nos transformamos em um tribunal da natureza ? Se , em verdade, estes homens se encontravam sob a lei natural, de onde vem nossa autoridade para estabelecer e aplicar aquela lei ? Certamente NÓS não estamos em um estado de natureza."
Em seu discurso o ministro Tatting assinala um legalismo exagerado e intensa inclinação a lei escrita. Segundo ele, o juiz deveria buscar o equilíbrio entre o formalismo legal e as causas sociais, usando como meio, a sua interpretação sobre o processo. Portanto, não basta a aplicação da lei seca, mas também que esta seja interpretada pelo magistrado que hoje tem a faculdade de co-participar do processo ativamente. Afirmar que o juiz é um mero aplicador da letra da lei seria um contexto ultrapassado atualmente.
O juiz Tatting absteve-se de julgar e alegou em sua defesa que não havia jurisprudência sobre esse assunto.
O Ministro Keen: Confirma a sentença pronunciada em primeira instância a favor da condenação dos réus.
"Deixo de lado a decisão se o estes homens fizeram foi "justo", "injusto", "mal" ou "bom". Esta é outra questão irrelevante no meu mister, pois jurei aplicar não as minhas concepções de moralidade, mas o direito deste país."
O Ministro Kenn assegura sua tendência ao legalismo jurídico; como o texto exato da lei diz: "Quem quer que dolosamente prive a vida de outrem será punido com a morte". Para este ministro, o caso dever ser julgado não por valores morais tais como justo ou injusto, bom ou mal, mais sim pelo que está escrito no ordenamento jurídico.
Ministro Handy: Em suas palavras: "Acredito que todos os funcionários públicos, inclusive os juízes, cumpririam melhor seus deveres se considerassem as formalidades e os conceitos abstratos como instrumentos."
Este magistrado afirma que a opinião pública é relevante e que ela converge para inocência dos réus.
Segundo ele, o judiciário tem de corresponder aos anseios sociais e por isso não pode contrapor-se intensamente a influencia do julgamento da sociedade a qual ele serve.
Julga os réus inocentes.
O recurso de apelação resultou em um empate, haja vista que um dos juízes se abstém. Logo, pelas leis daquele tribunal, os acusados são considerados culpados; a pena é aplicada e os réus são sentenciados a execução pela forca.
Conclusão:
Dentre acontecimentos históricos que se tornaram famosos o direito aponta como típicos do estado de necessidade:
1. O caso da fragata "La Méduse", que em 1816 encalhou em um banco de areia na costa africana. Ordenado o abandono do navio, 147 pessoas ficaram numa enorme jangada e o restante dos passageiros e tripulantes em chalupas que deveriam rebocar a jangada. Entretanto os cabos que ligavam as embarcações romperam-se e não foram reatados. A antropofagia foi praticada sobre os corpos dos companheiros mortos. Dos 147 náufragos, salvaram-se 15, alguns dos quais vieram a morrer depois de hospitalizados. Condenados a pena de morte, os réus se beneficiaram de uma comutação da pena para prisão por seis meses.
2. O caso do iate inglês Mignonette, que naufragou em julho de 1884. Depois de vários dias no mar, o mais jovem náufrago foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri
Para que se configure o estado de necessidade a doutrina aponta como requisitos indispensáveis:
1. Atualidade do perigo.
2. Inevitabilidade do perigo.
3. Que o perigo não tenha sido voluntariamente provocado pelo sujeito.
4. Razoabilidade da conduta do agente.
Nota-se, que sob o império da legislação penal brasileira o estado de necessidade é plenamente configurado no Caso dos Exploradores de Cavernas. Os sobreviventes seriam absolvidos da acusação de homicídio. A Carta Constitucional não prevê solução diversa. O bem jurídico que estava em jogo era a vida e ela a Constituição erigiu a patamar de direito fundamental. Quando o direito à vida de duas pessoas entram em conflito sem que nenhuma tenha dado causa para que isso ocorresse e sem que haja outra maneira de se resolver a situação não há como a Carta Magna declarar o direito de uma pessoa a viver em detrimento da outra, sem violar o direito tutelado no inc. XLI do art. 5° do seu próprio texto, incorrendo em explícita contradição.
Nas palavras de Magalhães Noronha: "Na colisão de dois bens jurídicos igualmente tutelados, o Estado não pode intervir, salvando um e sacrificando o outro," resta aguardar a solução do conflito para proclamá-la legítima.
Art. 5° Parágrafo XLI da CF/ 88
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais
A Constituição apregoa o direito fundamental do indivíduo à vida ? pré-requisito para a existência de todos os outros direitos - que, nas palavras de José Afonso da Silva, pelo nosso ordenamento "se considera legítimo até mesmo tirar a vida a outrem em estado de necessidade de salvação da própria."
Sob a luz do ordenamento jurídico brasileiro os exploradores seriam incontestavelmente inocentados.
É meu voto.
Bibliografia.
? Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. 21ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
? QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. O caso dos exploradores de cavernas de lon l. fuller à luz do ordenamento penal brasileiro. 3ª. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006.
? http://www.professoramorim.com.br/texto.asp?id=458 Acesso em 25/04/2011 às 12h25min PM.
? http://www.ceunsp.edu.br/revistajuridica/artigos/alunos/dez-09-DireitoLiteraturaJulio.pdfc Acesso em 26/04/2011 às 12h47min PM