O carvão está garantido
Por Osorio de Vasconcellos | 18/05/2009 | CrônicasO carvão está garantido
Há um ano na fila, aguardando uma entrevista com o Presidente Lula, alguns artistas da TV Globo, associados à ONG Amazônia Para Sempre, decidiram realizar uma vigília ─ a chamada Vigília dos Artistas ─ em defesa da floresta. Foi um trabalho notável.
Notável também merece chamar-se o desempenho paralelo de Miriam Leitão que, de sua tribuna televisiva, forneceu ao movimento o preciso contraponto histórico, revelando ao publico, de um só golpe, a relação dos mísseis que o governo e o legislativo têm engatilhados para disparar contra o nosso precioso bioma. Projetos de Lei, Medidas Provisórias, gestões do BNDES, um sortido arsenal de maldades, desfilaram em praça púbica, ao comando da ilustre jornalista.
Ficou bonito de ver a harmonização dos esforços em prol de uma causa tão nobre, uma causa assentada em razões de extrema lucidez, e estruturada sobre tema de vultosa e crucial relevância.
Criou-se, destarte, entre os mentores da Vigília, a expectativa de que a autoridade questionada, no caso o Presidente Lula, reagiria no mesmo tom do clamor; de que sairia pessoalmente ou de viva voz ao encontro dos manifestantes, como, por muito menos, costuma fazer em suas andanças; de que mostraria na defesa da floresta a mesma determinação, a mesma presteza que o orientam, por exemplo, na política dos juros e na preservação do Bolsa-Família.
Mas ─ ledo engano ─ quem apareceu foi o ministro do Meio-Ambiente, de gravata verde, insinuado entre os manifestantes, para anunciar algumas alquimias. Disse ele textualmente: “Nosso compromisso é transformar toda essa esperança, toda essa força em medidas concretas que impeçam que a Amazônia vire carvão.”
Dito e feito. Mal Sua Excelência acabou de falar, a Câmara concretizou a primeira alquimia. Conforme anunciara o ministro, energias foram transformadas em medida concreta. A Câmara dos Deputados acabava de aprovar a Medida Provisória que permite o avanço do desmatamento.
Bem, não dá para esconder que a alquimia saiu às avessas, e que o carvão está garantido.
De todos os modos, os mentores da Vigília não devem esmorecer.
Enquanto aguardam a audiência com o Presidente Lula, marcada para junho, terão tempo de reavaliar os seus cabedais.
Antes de mais nada, será preciso reconhecer que a Vigília dos Artistas desenha um perfil romântico, incompatível com a índole beligerante da situação. Guerra é guerra, e “vigília” é um nome frouxo. Vigiar é esperar que aconteça. Não foi isso o que ensinou Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
O primeiro passo, portanto, será transformar a “Vigília” em protesto, e logo em greve de fome, de tal forma que já à audiência com o Presidente, todos compareçam com as caras pintadas, refratários a salamaleques, tensos como os bravos, altivos como os justos.
O passo seguinte dependerá do que se decidir na audiência. Se as reivindicações forem atendidas, o episódio estará encerrado. Caso contrário, os insatisfeitos terão de sair à cata de alternativas.
Tirante o alvitre de ir às últimas consequências na greve de fome, francamente, só enxergo duas saídas higiênicas: regressar ao casulo romântico ou figurar como enredo numa escola de samba.
Caucaia (CE), 17 de maio de 2009.