O carrossel do regimento "9 de julho", herança da missão militar francesa.

Por marcelo miranda de santana | 29/05/2012 | História

 

O CARROSSEL DO REGIMENTO “9 DE JULHO” - HERANÇA DA CENTENÁRIA MISSÃO MILITAR FRANCESA

 

 

Uma das heranças deixadas pela Missão Militar Francesa que esteve instruindo a Polícia Militar do Estado de São Paulo no início do século XX foi o chamado Carrossel. Conjunto de evoluções hípicas realizadas sob um arranjo musical próprio, que tal como no exército Francês, ainda hoje é executado pelo Regimento “9 de Julho”. Nos nossos dias, o Carrossel apresentado pelo Regimento de Polícia Montada “9 de Julho”, herdeiro moderno dos torneios medievais, se torna uma das manifestações mais prestigiosas da grande tradição equestre francesa.

 

Na idade Média, o torneio era a mais alta expressão dos hábitos guerreiros e corteses da cavalaria. Era uma forma esportiva de combater a cavalo; um maravilhosos exercício para preparar o corpo e o espírito para a guerra, desenvolvendo no combatente as virtudes viris da coragem e da generosidade, que participam do patrimônio genético de nossa raça.

 

Diante de uma audiência de senhores e de gentis damas, os adversários se enfrentavam até que um deles fosse derrubado com violência de sua montaria.

 

Na origem, distinguiram-se várias formas de torneio. Havia le behors , no qual dois cavaleiros sem armadura, protegidos somente por um escudo, se enfrentavam à lança, ao longo de uma passagem. Havia la joute, na qual os cavaleiros e cavalos de batalha eram protegidos com armaduras. Havia le piquer com armaduras, escudos e longas lanças. Praticava-se também lê pas d'arme , no qual um cavaleiro se propunha a defender uma passagem, oferecendo combate a todo aquele que viesse.

 

Para a sociedade elegante da Europa Medieval, o torneio era também uma festa cujo o brilho realçava as proezas dos cavaleiros. Um espetáculo da corte onde todo o povo comparecia. Vários dias antes do torneio os arautos de armas cobriam com tapeçarias os muros das casas. Nas janelas enfeitadas pendiam flâmulas e pendões dos combatentes: é o que se chamava de faire fenêtre, expressão ainda existente no francês. Em volta do campo de torneio, os campeões penduravam seus escudos, que cada um tinha o direito de bater em sinal de desafio.

 

Ao soar das trombetas, os cavaleiros, precedidos de orquestras de menestréis, entravam em campo, acompanhados dos cavaleiros desafiantes, de cavalariços e de arautos. Depois, quando o juiz lançava seu bastão para iniciar o combate, eles se lançavam um contra o outro, ou por grupos, em pesado galope, suntuosamente blindados.

 

Após sua vitória , o vencedor era conduzido em grande pompa pelas senhoras e senhoritas até a rainha do torneio, que presidia a festa. Ele recebia de suas mãos um vaso de ouro ou prata ( que é a origem das taças ), uma arma de prêmio, uma veste de rico tecido e outros troféus dignos de suas façanhas.

 

Até os últimos Valois, os torneios participavam dos fastos da monarquia. A história guarda a memória daqueles torneios oferecidos por São Luis em presença de Blanche de Castille, notadamente em Compiégne em 1237, em Melun em 1241 e parta festejar a maioridade de seus três irmãos Robert, Alphonse e Charles, em Saumur em 1246. Foi no curso de uma dessas justas, em grande moda da dinastia Angevine, que em 1279 o sexto filho de São Luís, Robert de Clermont, recebeu um golpe de massa na cabeça que o fez perder a razão. A tradição cavalheiresca permanece tão viva nas margens do Loire, que dois séculos mais tarde um príncipe da Casa de Anjou, o rei René, fervoroso adepto das festividades equestres, escreve um tratado do torneio que se tornou notório.

 

Sob um ambiente de prestígio e cortesia, os torneios se perpetuam durante cinco séculos, apesar de interdições eclesiásticas. A morte trágica de um rei da França, seguida de perto por aquela de um príncipe de sangue, foram a origem do seu descrédito. Sabe-se que , em 1559, durante os festejos do Tratado de Cateau-Cambésis, na presença da elite da cavalaria francesa reunida em Paris no Hotel des Tournelles, a lança do duque de Montgomery, infelizmente partida, fere mortalmente Henrique II. No ano seguinte, Henrique de Bourbon encontra ele também a morte no campo de torneio, sob as patas de um cavalo.

 

Estes acontecimentos causaram na sociedade europeia uma impressão profunda. Em 1560: os últimos torneios. Em 1605: o primeiro Carrossel Francês no Hôtel de Bourgogne. Entre essas duas datas uma verdadeira revolução equestre se realizou. A arte equestre está na moda. Ela se integra na cultura de uma sociedade em pleno desabrochar. O Carrossel vem a tona para valorizar, no seu rico cerimonial, as qualidades dos cavaleiros e de suas montarias.

 

Outras influências, de caráter militar, contribuem para o desenvolvimento do Carrossel. É necessário analisar o descrédito trazido ao cavalo como meio de combate, pelas lições de Crecy e Azincourt. A aparição da arma de fogo no campo de batalha deve modificar a tática de cavalaria. É assim que um século mais tarde a carga furiosa de antanho cedia lugar ao caracol, uma nova forma de combate à pistola, que exigia cavalos mais rápidos, mais leves e exigia do cavaleiro um controle mais versátil de sua montaria. Eis ao que se parecem mais as evoluções do Carrossel do que a carga dos cavaleiros dos torneios.

 

Desde as suas origens, o Carrossel é também um jogo militar e um divertimento da corte. Ele era executado por quadrilhas de senhores ricamente paramentados, seja para honrar as damas, seja para celebrar um evento memorável. As vitórias, os casamentos reais, os nascimentos ilustres, eram os motivos mais frequentes.

 

As evoluções são acompanhadas por arranjos musicais. Oboé, clarins tambores coordenam as figuras da quadrilha sob a marcha ou minueto. A harmonia de sons se entrosa tão bem com a graça dos movimentos, que os próprios cavalos parecem sensíveis a ela. O próprio músico do rei Luís XIV, Jean Baptiste Lully, compôs para o Carrossel uma obra prima que se torna um dos clássicos de sua época.

 

Em 5 e 6 de junho de 1662, festeja-se em Paris o nascimento do Dauphin. Luís XIV participam em pessoa de um faustoso Carrossel no qual cinco quadrilhas reúnem, em jubilante coreografia equestre,as principais personalidades da corte: o rei comanda os romanos, seu irmão os persas, o príncipe Condé, os turcos, o duque de Enghien, os indianos e o duque de Guise, os selvagens da América. Sem nada perder de sua dignidade, a equitação sabe comportar fantasias. A esplanada onde teve lugar este evento memorável tem ainda hoje o nome de Praça do “Carrousel” em Paris.

 

Caídos no esquecimento na época da revolução francesa, os carrosséis são recuperados pela duquesa de Berry, em Saumur, em 1828. Foram interrompidos durante as Guerras Mundiais, sendo retomados em 1948.

 

Hoje com mais de trinta mil espectadores a cada ano, o Carrossel de Saumur se impõe como uma das maiores manifestações festivas da região do Loire.

 

Articulado na apresentação de um quadro equestre, um quadro de motocicletas e um quadro de blindados, o Carrossel coroa a cada ano no mês de julho, a instrução dos oficiais alunos da escola de Aplicação da Arma Blindada de Cavalaria.

 

Na Polícia Militar do estado de São Paulo, os registros apontam para o ano de 1910 a data de realização do primeiro Carrossel, através da orientação de oficiais comissionados da Missão Militar Francesa, Tenente Coronel Auguste Gatelet e Capitão Fraderic Stattmuller, no Regimento de Cavalaria.

 

O Carrossel então era dividido em três partes:

 

1a. - entrada e apresentação do estandarte, em seguida a apresentação de oito figuras tipicas diferentes.

 

2a. - as corridas, onde oficiais e sargentos que ficavam à frente de suas colunas partiam a galope, tentavam apanhar argolas com a ponta de suas lanças e espadas.

 

3a. - os saltos, onde cavaleiros saltavam arcos e sebes colocadas no meio da pista. Finalizando com as refregas, que eram combates simulados ferro a ferro.

 

Em 1954, por ocasião das comemorações do IV centenário da cidade de São Paulo, realizou-se a apresentação com o maior efetivo, 350 homens , sob o comando do coronel José Canavó, então comandante do Regimento. Em 1991, na pista General Marcondes Salgado, no Regimento “9 de Julho”, tivemos a apresentação do Carrossel com oitenta e oito homens.

 

Atualmente, executado pelos cavalarianos da Polícia Militar do estado de São Paulo, em seu uniforme de gala, com o tradicional capacete de crina, herança dos dragões e couraceiros do exército francês, o Carrossel de Lanças apresenta cerca de 16 figuras desenvolvidas sob um arranjo musical que compreende canções como Luar do Sertão, Orfeu no Inferno, Alvorada , Acelerado N° 1, Marcha Turca, Galope Santista,Cavalaria ligeira e Trumpet Tune.

 

As apresentações ocorrem por ocasião do aniversário do Regimento”9 de Julho”, do Dia da Cavalaria e em outras datas importantes do calendário da Polícia Militar, sendo um dos motivos de orgulho da Instituição que cultua e reverencia o seu passado.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

Ecole D'Appliccation de L'Arme Blindée Cavalarie. Les Amis du Cadre Noir – Bulletin d'Information nº 6. 1979.

 

SANTANA, Marcelo Miranda de. O Carrossel do Regimento “9 de Julho”: histórico, descrição e aspectos físicos. CIEF. 1996.

 

Ordem do Dia 15 de Novembro de 1910. Livro de Ordens do Regimento de Cavalaria. 1910.