O carro preto

Por Paulo Valença | 24/02/2010 | Contos

-Você está pensativo...

Ele se mantém dirigindo, com a atenção ao vidro à frente e responde:

- É tou meio “encucado” com aquele cara do carro preto...

Ela entende-o. Sim, o sujeito no carro estava como se aguardasse alguém. Mas, não lhes seria apenas impressão?

A voz dele retorna lenta, detalhando-se:

- Tou “calejado” pela vida, sei perceber as coisas...

Emudecem. O automóvel avança mais veloz, aproveitando o resumido movimento de um ou outro veículo na avenida.

A madrugada vai alta. Os edifícios laterais se mostram assim nas horas mortas, mais imponentes, modernos, bonitos. Por que o fascínio  pelo bairro burguês, que bem sabe, esconde tantas angústias? Contudo, o que vale é a aparência. A hipocrisia de tudo esconder através do visual...

A mão de longos dedos pousa no seu ombro. Solidária. Compreensiva.

Ele sorri grato a jovem morena, recente amante. Como é bom se ter dinheiro, condição para se obter o que se deseja! Mas, pelo retrovisor enxerga o carro preto seguindo-o a pouca distância. Então...

- Pode ser que eu esteja enganado, mas aquele carro preto está nos acompanhando.

Voltando-se, ela também percebe o auto. Sim, o Vandro está certo.

- Quem danado será meu querido?

Em seu mundo a traição é uma constante. E agora que o “negócio” está crescendo, que a mercadoria “branca” ganha a praça, a concorrência tudo fará para tirá-lo do mercado! Então prático, ante os olhos perplexos da mulher, abre o cofre e retira a arma, para se defender.

O sinal aí fecha, e o carro preto então se avizinha muito rápido e o braço tatuado, brancoso, do sujeito grandalhão se ergue e pela janela do vidro descido da porta, a mão que segura a arma faz os disparos.

O casal é atingido em cheio e com a direção desgovernada o automóvel vai de encontro ao poste defronte.

O outro carro estaciona. O homenzarrão desce e se aproxima para se certificar se as vítimas ainda vivem. E novos disparos explodem na madrugada, que indiferente a tudo, continua a marcha dentro do tempo.

- O safado e a sua “gatinha” se apagaram!

Diz o pistoleiro e retrocedendo  ao veículo,  acelera partindo, distanciando-se da missão que acaba de executar.

Sob o banco esconde a arma e retirando o celular do bolso da camisa, faz a ligação:

- Os pombinhos tão descansando. Tá apareço sim.

Devolve o aparelho ao bolso e frio, profissional, liga o som, para distrair o espírito. Assoviando a música do “forró”, sucesso do momento.

O carro preto distancia-se.