O Cárcere Feminino

Por PAMELA DE OLIVEIRA MIGLIORINI | 29/06/2011 | Sociedade

O desenvolvimento humano é o processo através do qual a pessoa desenvolvente adquire uma concepção mais ampliada, diferenciada e válida do ambiente ecológico, e se torna mais motivada e mais capaz de se envolver em atividades que revelam suas propriedades ou potencialidades, sustentam ou reestruturam aquele ambiente em níveis de complexidade semelhante ou maior de forma e conteúdo. (BRONFENBRENNER, 1996).
O ser humano é bastante versátil e capaz de se adaptar e viver ecologias hostis e difíceis. Possui ainda, a incrível capacidade de transformar o ambiente para poder se desenvolver, porém, para que ocorra essa evolução é necessário que o indivíduo esteja inserido em um dado ambiente, ou seja, num contexto social. O desenvolvimento não ocorre do "vácuo" (BRONFENBRENNER, 1996),
O primeiro grupo social ao qual passamos a fazer parte desde o nascimento é a família. A unidade social, que transmite a seus descendentes valores éticos, morais, culturais, espirituais e educacionais, os quais se mostram fundamentais para a constituição da identidade social do indivíduo. As relações existentes entre os vários membros da família é uma preparação para a vida em sociedade, são essas relações de carinho, afetividade, respeito e amizade que oferecem suporte na tentativa de minimizar as questões de dificuldades enfrentadas no cotidiano dos indivíduos, da espécie e da sociedade.
Pela morte, participamos da tragédia cósmica, pelo nascimento participamos da aventura biológica; pela existência, participamos do destino humano. (MORIN, 2000).
A família tem sido o ambiente de grande desenvolvimento e apoio aos seres humanos, mas, tem sofrido diversas transformações devido às mudanças sócio-culturais e tecnológicas cujas variáveis ambientais, sociais, econômicas, culturais, políticas e/ou religiosas tem vindo determinar as distintas estruturas e suas composições.
É um processo contínuo de mútuas transformações e reconfigurações em determinadas sociedades que vivemos. Podemos notar que existem diversas configurações familiares, em diferentes culturas, que mostram a prioridade do laço social e de suas redes, de leis simbólicas, que sustentam a filiação e o pertencimento tendo como base a ordem social e biológica.
Entre os inúmeros organismos sociais e jurídicos, a definição, o entendimento e a ampliação de família são os que mais têm se alterado nos últimos tempos, seguindo a direção das mudanças religiosas, econômicas e sócio-culturais do conjunto em que se encontram inseridas. Nesse novo século, a sociedade de mentalidade atualizada, cada vez mais globalizada pelos meios de comunicação, pressupõe e determina uma modalidade conceitual de família bastante remota das civilizações do passado. (VENOSA, 2005, p.19).
No século XIX a definição de família é apresentada como rede de pessoas, conjunto de bens, é um nome, um sangue, um patrimônio material e simbólico, transmitido e herdado. Nesta conjuntura passar a existir à função da família, forma gerenciamento de interesses privados, transmissão de patrimônios, produtora das crianças responsável pela "socialização" delas, lugar de transmissão de valores simbólicos e princípios de cidadania e civilidade. (PERROT, 1993, pg.105).
A família é um ser moral que se diz, se pensa e se representa como um todo. Percorrem-na fluxos que conservam sua unidade: o sangue, o dinheiro, os sentimentos, os segredos tradições e a memória. Família é: Ninho é nó, refúgio caloroso, centro de intercâmbio afetivo sexual, barreira contra agressão exterior, enrustida em seu território, a casa, protegida pelo muro espesso da vida privada que ninguém poderia violar ? mas também secreta, fechada, exclusiva, normativa, palco de incessantes conflitos que tecem uma interminável intriga, fundamento da literatura romanesca. (PERROT, 1993, pg.78 e 187).
As rupturas de hoje são reflexos do individualismo moderno do século XIX. O desejo de poder escolher sua atividade, sua profissão, seus amores, apoderou-se de cada um, jovens resistindo às determinações paternas. O feminismo, sua proposição de que a mulher pudesse ser dona do seu corpo, do seu sexo e do seu ventre, mudou a concepção das mulheres.
De acordo com PERROT (1993), no século XIX em diante, acentuo-se a busca do equilíbrio e novas configurações familiares tentaram dar conta de conciliar aspectos positivos da vida em família: solidariedade, fraternidade, ajuda mútua, laços de afeto e amor com a aquilo que é normativo e aniquila a individualidade, que cultiva como sagrada.
Na sociedade brasileira atual, a família "se estabelece a partir da decisão de algumas pessoas conviverem assumindo o compromisso de uma ligação duradoura entre si, incluindo uma relação de cuidados entre os adultos e deles para com as crianças que aparecem nesse contexto. Esse compromisso é cumprido independentemente de formalidades legais da nossa sociedade civil que regem casamento, separação, etc." A mulher, no geral, é quem assume os cuidados com as crianças. Nesse processo de reconfiguração familiar a mulher contemporânea, assume o papel de chefe de família cujas são responsáveis pelo sustento do lar e formação dos filhos.
A mãe em nossa sociedade ainda é a grande responsável pelos filhos, portanto ela assume um papel central na socialização dos indivíduos, na transmissão de cultura ou até mesmo como figura responsável por inserir as crianças em um meio socializador mais amplo como a escola e outras instituições. (STELLA, 2006, pg.29).
De fato a família sofreu abalos em seu eixo, "como se a sociedade não precisasse mais dela, como o Estado duvidasse dos limites da esfera privada e quisesse apenas tratar diretamente com os indivíduos". (PERROT, 1993, pg.80).
Por isso, a idéia de pulverização da família tem como base o ideal de uma idade de ouro, as a história da família não é linear; é feita de rupturas sucessivas, pois toda sociedade tenta formatar um tipo de família compatível com suas necessidades. Começam a surgir novas formas de família, com novas configurações e, segundo PERROT (1993), mais igualitárias em suas relações, mais flexíveis em suas temporalidades.
Essas novas configurações familiares vão respondendo de acordo com a necessidade do capital em nossa atual conjuntura.
As dimensões da vida do sujeito social: como a sua subjetividade, a rede a qual estará vinculado (familiares e amigos ? grupos de pertencimento, vizinhos, escola etc..), a questão educacional dos indivíduos que abandonam as escolas para inserir-se no mercado de trabalho formal, informal ou até mesmo na rede do crime. Na periferia, a população fica vulnerável às armadilhas e ao controle de poder exercido pela rede de narcotráfico ou do crime organizado, que ocupam as regiões de descaso estatal e de ausência de políticas públicas.
A maioria das mulheres presas é moradora de setores socialmente marginalizados, seu nível educativo é baixo e sua formação de trabalho é muito precária, o que as coloca em uma situação de especial vulnerabilidade, aumentando as possibilidades de serem capturadas por um sistema penal fortemente seletivo. As mulheres são duplamente discriminadas, por seu gênero e porque em termos generais compartilham com os homens sua permanência nos setores mais desfavorecidos da sociedade. (CARRANZA, 2009, pg.176).
Segundo SEQUEIRA (2005), a pessoa que transgride as regras, muitas vezes, já sofreu uma violência, por isso responde com atos violentos. Ao tentar punir com atos violentos, a sociedade ficará mais violenta e novamente desrespeitará essa pessoa; a tendência será de obter respostas com atos ainda mais violentos.
Esse ciclo de violência só poderá ser rompido, quando houver respeito e dignidade pelo cidadão que cometeu um delito, possibilitando que refaça a sua vida ao lado da família e de seus laços, pois, uma vida de abandono, família desestruturada contribuirá para o cidadão envolvido com a justiça possivelmente volte para a criminalidade. A fábrica de criminalidade desenvolver-se a cada dia, mediante as facilidades que o tráfico traz para a classe de baixa renda que vive à beira da miséria, tornando-se alvo fácil para o mundo do crime.
"O crescimento global do número de presos, a partir das últimas décadas do século XX, coincide com o aprofundamento do processo de desigualdade e exclusão, que se seguiu à substituição dos postulados dos chamados Estados do Bem-Estar Social pela programação neoliberal". E continua: "A absorção nas prisões dos desempregados, dos excluídos do mercado ? a versão pós-moderna do exército industrial de reserva- parece dar à pena privativa de liberdade posição de destaque no enfrentamento da queda estrutural dos níveis de emprego, característica, como já assinalado, das formações sociais do capitalismo pós-industrial e globalizado, parecendo indicar uma revitalização de seu antigo papel regulador do mercado de trabalho". (KARAM, 1989).
Os sujeitos na situação de aprisionamento, retornando para a sociedade terá mínimas chances para se inserir no mercado de trabalho, mesmo estando incluído nas relações sociais. A inserção no mundo do trabalho possui uma relação direta com a sociabilidade, de modo que a precaridade do vínculo empregatício provoca enfraquecimento, ruptura dos vínculos que os indivíduos estabelecem com seus familiares e com as comunidades. Nesse sentido ocorre que o trabalho é a única fonte de renda e o principal elemento das relações sociais entre indivíduos e sociedade.
A associação direta entre pobreza e violência representa o processo de criminalização da pobreza, além de significar que, no universo simbólico da sociedade, dominado pelo pensamento das elites, os pobres são vistos como inferiores e marcados pela criminalidade. Por isso, podem merecer caridade, mas não o direito de serem reconhecidos como sujeitos dotados de interesses e aspirações legítimas (FERREIRA, Bruna Cléa, MELO, Camila, Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social ? PUC/SP, 2008).
Existem algumas características que podem influenciar o indivíduo para o crime como: o território onde o sujeito infrator reside acabará sendo um agente facilitador para a criminalidade. Apresentam forte influência sobre a vida desses sujeitos sociais e cabe a eles a escolha dos seus caminhos conforme suas condições de vida e as circunstâncias sócias- históricas de suas vidas.
Segundo CALDEIRA, Doutora em Ciências Políticas ? USP (2000) os cientistas sociais geralmente oferecem três tipos de explicação para a criminalidade: A primeira é a de que o crime está relacionado a fatores de urbanização, migração, pobreza, industrialização e analfabetismo. A segunda é a de que o crime está associado ao desemprego e às características das instituições encarregadas de manter a ordem como: polícia, os tribunais e as prisões. A terceira é a de que existem razões psicológicas e a razão para o delito. Diante desses fatores apresentados a violência e criminalidade estão em evidência até mesmo no cenário feminino.
As mulheres encarceradas pertencente a uma família, um grupo ou redes sociais buscará suporte para o cumprimento da pena na fé religiosa. Juntamente em suas expectativas, em seus sonhos que as fortalecem na esperança de obterem a liberdade. Esse retrato de mulheres privadas de liberdade ainda é pouco explorado, desconhecemos a respeito das condições de vida dessas mulheres que lutam por acesso aos seus direitos e melhorias no cárcere e seu convívio ao "mundo de fora" sem pré-conceitos e estigmas.