O cais
Por Mário Paternostro | 22/05/2010 | ContosO cais
Roberto era um rapaz solitário, vivia sempre à margem, olhava tudo, mas não participava de nada. Gostava de poesias, mas não sabia rimar vida com amor. Adorava jogar futebol, mas não sabia viver com o coletivo. Roberto queria ser tudo, mas parecia conviver com o nada.
Roberto tem como hábito depois de voltar do colégio ir para o cais, olhar o mar e ouvir o silêncio que as pedras dizem. Nesse lugar ele se sente confortável, parece entender qualquer coisa, mas a vida passa muito além daquele cais. A fuga da vida lhe leva sempre para aquele local, numa busca que nem ele mesmo sabe do que. A vida segue o curso normal, mas a sua nunca muda a direção. Amigos, só o silêncio, amor, só nos sonhos e os sonhos nunca se realizam.
Roberto vê todos à sua volta , mas não se aproxima, tem medo de algo, coisas que muitos podem chamar de timidez, mas ele chama de auto suficiência. Tudo ele sabe, tudo ele tem certeza, sua verdade é absoluta, nada lhe interessa, a não ser o mundo que ele criou. Mas ele não vê que seu mundo não tem poesia, não tem amizade, não tem amor e nem coisas simples como a rotina que se cria com o convívio de outras pessoas.
Certa vez ele foi para o cais buscar o seu silêncio, mas no local que ele sempre sentava estava um senhor, barbudo, sisudo e com a solidão saltando nos olhos. Roberto sentou perto, pois não queria mudar o local de suas divagações, foi quando o velho ao lado lhe olhou fixamente e quase sussurrando lhe perguntou:
- Menino, o que faz aqui? É silêncio demais para um jovem como você. As ondas que quebram nas pedras nunca dizem nada, você não esta vendo?
Roberto pensou em não responder, mas num soluço lhe disse:
- Eu não preciso ouvir nada, pois já sei de tudo! Venho aqui para colocar meus pensamentos em ordem.
- E o que você sabe? Você compreende o amor, você faz versos, você tem amigos?
Roberto irritado retruca.
- Não preciso dessas coisas, meu universo é maior do que isso. E a propósito quem você pensa que é para ficar aí me perguntado tais coisas?
- Eu sou apenas um ancião e sei de coisas que você só vai aprender com minha idade.
- Como o quê, velho?
- A compartilhar sentimentos, dividir amizade, sonhar com a vida, amar e ser amado.
- Se sabe tudo isso, por que está aqui sozinho no cais?
- Porque eu aprendi muito tarde, quando olhei para a vida ela já tinha passado e ela não é como as ondas do mar. Ela nunca volta!
- Então não é tão inteligente assim!
- Realmente, fui um néscio, deixei escapar muitas coisas, por orgulho e por auto-suficiência.
- Mas eu não! Eu sou senhor de mim mesmo, conduzo meu destino e faço o meu amanhã.
- Faça o hoje e espere que a vida guie os seus caminhos. Não tente ser Deus, é melhor ser empregado do destino, brincar feito criança e sonhar feito um poeta.
- Eu até quis escrever uns versos, mas prefiro não gastar meus sentimentos.
- Sentimento não se acaba, se multiplica. Você não escreveu uma poesia porque você não sabe amar.
Nessa hora Roberto se irritou e levantou para ir embora. Parece que o velho queria afrontá-lo e ele não admite quem o desafie. O velho então lhe fala:
- Sente-se e se acalme! Eu quero lhe mostrar que a vida é mais do que o infinito que vemos aqui desse cais. Somos pequenos diante do mistério que nos espera, por isso, procure viver, só assim você vai conhecer a plenitude que é a vida.
- Você se acha muito esperto, mas cadê seus amigos, sua esposa, seus filhos, o que você fez pra falar desse jeito?
O velho esboçou uma tristeza que até ensaiou uma lágrima e consternado respondeu:
- Realmente eu sou sozinho, sem mulher amigos e filhos, mas aprendi com meu orgulho e minha empáfia.
- Aprendeu tarde demais, pois terminou aqui nesse cais, ah,ah,ah...
- Não termine também aqui nesse cais. Mude sua vida, ainda há tempo para você.
- Quem é você para me dizer tudo isso? Um velho sem ninguém, solitário e já nos fim dos seus dias.
O velho não mais quis insistir, levantou-se e sem se despedir foi embora.
Roberto então gritou para o velho que já ia longe:
- Quem é você velho? Como é o seu nome?
O velho parou e com uma voz de decepção respondeu:
- Olhe para dentro de você e procure as respostas!
- Que resposta?
- Como eu pensei você se julga onisciente, mas não se conhece muito bem.
- Claro que me conheço!
- E por que não se reconheceu? Você não se viu na sua frente, sua pseudo-inteligência lhe cega.
- O quê? Roberto ficou assustado com o que ouviu, mas...
- Isso mesmo, eu sou você.
Depois disso o velho sumiu no meio do nada e Roberto ficou no cais com uma dúvida. A de quem acha que sabe de tudo, mas se perde na ignorância do egoísmo.