O Cachorro E O Diácono
Por Antonísio Siqueira Borges | 11/05/2008 | ContosPastor Lucas já começava ver o progresso de sua igreja recém-criada em São Miguel do Araguaia. Era tanto que de Araguaçu, cidade vizinha, toda quarta-feira chegava de cinqüenta a quarenta pessoas para assistirem o culto da "tarde da bênção". A persistência desse povo que não media esforços para encherem suas almas despertou uma profunda admiração no pastor, que resolveu reunir o conselho da igreja e lançar um desafio de abrir uma congregação naquela cidade. Desafio aceito, sala alugada, trabalhos iniciados. Foram designados para cuidar da missão o presbítero Roberto para ministrar a Palavra e o diácono irmão Pedro como ministro do louvor. Todas sextas-feiras partiam na Brasília do Roberto e chegavam a Araguaçu por volta das quatro horas da tarde, tomavam um lanche na casa do Raul e partiam para as visitas às novas ovelhas, quando faziam suas orações de agradecimentos pelos aniversariantes, pelos recém-casados, pelos que colheram bem, e também de súplicas pelos enfermos e pelos que haviam sofrido perdas. Por volta de sete horas voltavam à casa do Raul, tomavam um rápido banho e seguiam para a congregação.
Numa
certa sexta-feira chuvosa, ao passar por uma poça de água um pouco
à frente do povoado Tataíra, a Brasília perdeu a força bem no centro
da poça no local mais fundo, o motor apagou e o cano de escapamento
chupou uns bons baldes de água que foram direto ao motor. Roberto saiu
por um lado e Pedro para o outro em busca de um trator ou um veículo
que pudesse tirar a Brasília a reboque dali. Levaram umas três horas
para tirar o carro, escorrer a água do motor, lavar com óleo diesel,
– recomendação do Chico Jurubeba, tratorista do senhor Aldenor –
e depois colocar novamente óleo lubrificante, também gentilmente cedido
pelo fazendeiro.
Caso
resolvido, roda na estrada. Só que a Brasília foi dando pulos por
causa das falhas no motor e Roberto resolveu deixá-la na oficina do
Xaveta, logo na entrada da cidade, para resolver depois se pousavam
em Araguaçu para consertar o carro no dia seguinte. Como chegaram já
bem em cima da hora do culto, com fome e não podiam fazer as visitas
costumeiras, Roberto orientou:
- Olha irmão Pedro, não dá
tempo de passar no Raul, então vamos tomar um lanche rápido e partir
direto pra igreja.
Entraram
na primeira lanchonete e só havia mortadela pra comer. Roberto pediu
ao atendente que fatiasse uma quantidade e abrisse um refrigerante.
Comeram algumas fatias, engoliram uns bons goles do refrigerante e Roberto
apressou o diácono que saiu rápido, passando a mão nas quatro fatias
restantes e colocando no bolso traseiro da calça.
Caminhavam
apressadamente quando passaram por um cachorro vira-lata deitado próximo
à porta de um açougue. Ao passarem, o cão sentindo o cheiro da mortadela
acompanhou os dois, cheirando o traseiro do diácono que ia dando chutes
pra trás para espantar o cachorro. Roberto, preocupado com o horário,
continuou as orientações:
- Irmão Pedro, você canta
apenas uns dois hinos e me passa a palavra pois já é tarde e precisamos
resolver como vai ficar a situação do carro.
Quando
chegaram ao salão o povo estava aflito à porta, sem saber o que estava
acontecendo. Os dois deram umas explicações rápidas e Roberto pediu
que entrassem para dar início à reunião. Após a oração inicial
Roberto sentou-se no altar e Pedro ficou à sua frente com o violão,
tocando e cantando. Cantou um, cantou dois, três, quatro... Roberto
preocupado esticou o braço e deu um leve puxão no paletó de Pedro
por trás com a intenção de avisá-lo do horário. Na empolgação
dos cânticos, a mente de Pedro o levou ao cachorro cheirando sua traseira
por causa da mortadela. Sem verificar lançou logo um chute de calcanhar
na mão de Roberto e esclareceu à congregação:
- Irmãos, esse vira-latas vem me perseguindo faz tempo! Mas ele não vai me impedir de louvar ao Senhor! Vamos todos juntos! Aleluia!