O Bruxo da Bronze

Por Juliano Paz Dornelles | 30/10/2012 | Contos

Certa vez um casal de meninos estava brincando em uma praça, no centro histórico de Porto Alegre, e encontraram um velho mago. O Bruxo da Bronze como era conhecido, de tempos em tempos sentava na praça para tomar o seu chimarrão, sempre ao meio dia. Naquele dia o bruxo e as crianças conversaram sobre o mundo imaginário que os cercava. 

Apesar de serem crianças já adultas, o casal mostrava conhecimento milenar como se fossem anciãos com séculos de idade. 'O que o traz aqui, velho mago', disse o menino. Vim ao encontro de vocês. Sabia que iríamos nos encontrar e gostaria de ouvir o vosso testemunho sobre o mundo. 

As crianças, que apesar de crianças já tinham mais de trinta anos, mostravam-se ao mesmo tempo alegres por estar ali, e cansadas da longa jornada. 

- Estão com uma cara de cansados, o que houve - Disse o bruxo. 

- Estamos um pouco revoltados com o mundo. Apesar de amarmos a vida. Sentimos um jogo de interesses em toda a parte. - Disse a menina.

- Mas em que sentido falas - Perguntou o bruxo.

- Sempre que disputo uma vaga de emprego em uma empresa me pedem algo mais além do trabalho. - Respondeu a menina.

- O que, por exemplo? - Respondeu o bruxo com uma pergunta.

- Há empresas que pedem para que o contratado deixe a justiça com o contratante. Ou para que assine o dono do empreendimento como se fosse uma espécie de pai dos funcionários. - Respondeu com um certo tom de tristeza a menina.

- Mas há algum problema nisso? - Perguntou o bruxo.

- Sim, deste modo abriríamos espaço para que fosse colocado preço em tudo o que sentimos. E que aquilo que faz parte de nós, e até mesmo o que de fato somos pudesse ser comercializado.

- Como assim? - Perguntou o bruxo.

- Falo da luz, do amor, das estrelas, da lua, do sol, do caminho certo, da identidade de cada um como mãe, pai, filho, filha, irmão, irmã... E isto tudo tem valor muito maior do que tudo aquilo que nos oferecem. Além de tudo justo é que pelo salário, entreguemos nossa prestação de serviço, nosso empenho durante o expediente de trabalho, nossa dedicação e comprometimento nas horas em que estamos trabalhando. E nada mais - Respondeu a menina e ainda continuou falando - O mais triste de tudo isso é que muitas pessoas colocam preço naquilo que não tem preço. Tentam comercializar aquilo que Deus nos dá de graça. E que tem valor inestimável e jamais poderia se comercializado. 

- Também posso citar outros exemplos - Disse o menino.

- Cite-me, por favor - Disse o bruxo.

- Em algumas instituições, quando disputamos uma vaga, pedem para que a gente abra mão de algum mito ou ancestral. Algo que precisamos levar conosco e que não podemos abrir mão - Respondeu o menino.

- Como assim? - Perguntou o bruxo.

- Vou citar um exemplo. Cada um de nós tem seus mestres espirituais. Sejam eles santos, anjos, mitos africanos, indígenas ou qualquer que seja a origem. E tais mestres precisam seguir com a gente aonde quer que vamos. Impossível abrir mão daqueles que estão conosco há séculos. - Respondeu o menino e ainda completou. - Por uma vaga em uma instituição é justo que a conquistemos pelo mérito de nosso trabalho e estudo, nosso empenho, comprometimento e prestação de serviços. E nada mais. 

- Entendo vocês - Disse o bruxo - Mas nãos e preocupem com isso, estas pessoas que pedem para que vocês abram mão de algo que sentem, são pessoas que se sentem incompletas na sua essência. Elas precisam descobrir que tudo está em todos. E que cada um precisa seguir com o que possui e somar novos conhecimentos sem abrir mão do que são, possuem e sentem.  E isto só acontecerá quando deixarem de deixar de fora pessoas como vocês. Quando incluírem cada um destes seres conscientes sem precisar escolher entre um ou outro. 

 Após estas palavras, o bruxo que olhava para o seu chimarrão levantou a cabeça e viu que o casal de meninos havia desaparecido. E perguntou para si mesmo: Será que isto é fruto da minha imaginação?

Juliano Dornelles