O BRINCAR COMO ELEMENTO SIGNIFICATIVO NOS PROCESSOS DE AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO NEUROPSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA
Por ELISETE CAMARGO ZIMMERMANN | 14/04/2023 | EducaçãoResumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar aspectos relevantes sobre a importância do brincar na perspectiva neuropsicopedagógica clínica. Por conseguinte, o artigo procura elucidar o significado do brincar e sua contribuição para a compreensão do universo lúdico, pois é através do brincar que a criança compreende o seu mundo, reconhece e aceita os outros, expressa suas emoções, desejos, angustias e revela suas potencialidades. Durante as brincadeiras, a criança aprende a estabelecer relações sociais de maneira natural entre os seus pares, constrói conhecimentos e internaliza as regras sociais, comunicando-se com o mundo e consigo mesma. Os jogos e brincadeiras são modos de aprender e se desenvolver, fator essencial para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo das crianças. Neste sentido salienta-se, que a ludicidade e as brincadeiras são momentos preciosos e extremamente significativos no desenvolvimento da aprendizagem e devem estar intimamente relacionadas ao fazer pedagógico na escola, bem como nos processos de avaliação e intervenção neuropsicopedagógica clínica.
1. Os significados de brincar: o lúdico, jogos e brincadeiras
Dentre os vários aspectos ligados a infância, o texto a seguir se refere ao potencial de ensino aprendizagem pautado pelos momentos lúdicos, através de jogos e brincadeiras. Vários pensadores e autores de obras relacionadas ao desenvolvimento infantil realizaram estudos sobre o brincar na concepção desenvolvimentista do ser humano. As brincadeiras e jogos proporcionam a formação de habilidades cognitivas afetivas, físicas e sociais, consequentemente capacitam a criança para formação, afirmação e reconhecimento de sua personalidade.
Neste sentido a exploração das atividades lúdicas, é uma importante estratégia de ensino que possibilita a criança vivenciar situações concretas e táteis para a compreensão dos conhecimentos e valores necessários para que possa atingir diferentes áreas do conhecimento.
Toda a criança gosta de brincar, o aspecto lúdico pode ser considerado uma característica natural e fundamental dos seres humano e está presente em todas as culturas e povos do universo. Considera-se um quesito importantíssimo para a satisfação das necessidades básicas da personalidade, do corpo e da mente.
Na busca sobre definições, do que é brincar o dicionário Ferreira (2003) diz: “divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar”, e também pode ser “entreter-se com jogos infantis” ou seja, brincar é algo natural do ser humano, quase instintivo, e deveria estar cotidianamente presente em nossas vidas. Os processos de brincar são uma característica natural na infância e trazem incontáveis benefícios para constituição da criança, proporcionando uma série de vivências e experiências que irão contribuir significativamente para seu desenvolvimento global posterior.
O ato de brincar é uma importante forma de comunicação característica da infância, pois através deste ato a criança pode estabelecer relações sociais e reproduzir seu cotidiano, fato este que possibilita o processo de aprendizagem e desenvolve habilidades cognitivas fundamentais como: sócio afetivas, físicas e morais, que são importantes para o desenvolvimento saudável de sua vida psíquica, além de contribuir para estruturação de suas vidas emocionais.
Segundo Oliveira (2000), os processos de brincar não se reduzem apenas a recreação, mas para além deste, que sustenta o desenvolvimento integral da criança. Traduz-se na forma mais complexa de comunicação da criança consigo mesma e com o mundo que a cerca, pois o desenvolvimento acontece por meio de trocas recíprocas estabelecidas ao longo de sua vida. Durante as brincadeiras, as crianças desenvolvem e exercitam habilidades como: capacidade de expressão verbal e não verbal, linguagem, raciocínio lógico, memória, pensamento abstrato, concentração, representação espacial, criticidade, curiosidade, objetividade, reflexão, atenção, imitação, criatividade, cooperação, autoconfiança, flexibilidade, relacionamento intrapessoal e interpessoal, autoestima, sentimento de competência, iniciativa.
Brincar desenvolve as habilidades da criança de forma natural, pois brincando aprende a socializar-se com outras crianças, desenvolve a motricidade, a mente, a criatividade, sem cobrança ou medo, mas sim com prazer (Cunha 2001, p.14).
Os momentos vivenciadas em brincadeiras livres ou dirigidas, jogos pedagógicos infantis ou jogos simbólicos de faz de conta, são recursos preciosos para aprendizagem, pois nesses momentos as crianças aprendem: contar, classificar, ordenar, discriminar, traçar estratégias, solucionar problemas, etc. Além de compreender várias regras sociais e, a partir delas, aprender a regular seu próprio comportamento. As brincadeiras e jogos infantis são também ferramentas facilitadoras do processo de ensino-aprendizagem e ajudam a proporcionar desenvolvimento absoluto do ser humano, nos aspectos físico, cultural, social, afetivo, emocional e cognitivo.
Na infância, vivenciada através da ludicidade, os processos do brincar são ricos momentos de aprendizagem prazerosa e não somente de lazer. Por conseguinte, esses momentos podem ser indicativos de possíveis intervenções e prevenções de problemas de aprendizagem.
Baseando-se em vários estudos sobre o desenvolvimento infantil, entende-se que para as crianças o ato de brincar e jogar são atitudes naturais, que são desenvolvidas de acordo com o meio em que vivem, algumas crianças são mais estimuladas a brincar e descobrir novos meios de brincadeiras, outras nem tanto. O importante nesse processo é que jogos e brincadeiras são modos de aprender e se desenvolver.
Portanto, não importa que as crianças saibam que ao jogar e brincar estão imbuídas num processo de aprendizagem. Ao viverem tais experiências querem repeti-las e representá-las até criarem ou aceitarem regras que possibilitem o compartilhamento com colegas e amigos, e neste processo, está desenvolvendo funções psíquicas superiores constitutivas da consciência humana, tais como memória, abstração, generalização, percepção, a atenção e outras atividades criadoras.
Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934), psicólogo e proponente da Psicologia cultural-histórica. Pensador importante em sua área, através de seus estudos, desenvolveu uma teoria que levou-o a compreender os processos de desenvolvimento intelectual das crianças. Para Vygotsky, nós seres humanos, nos constituímos enquanto ser social, necessitamos do outro para nos desenvolver. No desenvolvimento da criança sempre deverá ser levado em consideração a individualidade de cada sujeito, e o meio social- cultural em que está inserida. (VYGOTSKY, 1998)
Ao longo de sua obra, é possível inferir que Vygotsky buscou compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos da história da espécie humana. Referência sobre aspectos importantes acerca do papel que o brinquedo desempenha, na capacidade de estruturar o funcionamento psíquico da criança.
Conforme Vygotsky (Vygotsky, 1998), a brincadeira, o jogo são atividades específicas da infância, nas quais a criança recria a sua realidade usando os jogos simbólicos, sendo assim uma atividade com contexto social e cultural. Através do brincar a criança forma uma base sólida para conhecimentos e aprendizagens mais elaboradas, e a ludicidade no ensino regular ou em sessões de avaliação e intervenção neuropsicopedagógica, compõe uma proposta pedagógica, efetivamente competente para enfrentar as dificuldades de ensino-aprendizagem.
Brincar de forma livre e prazerosa permite que a criança seja conduzida a uma esfera imaginária, um mundo de faz de conta consciente, porém capaz reproduzir as relações que observa no cotidiano, vivenciando simbolicamente diferentes papeis, exercitando sua capacidade de generalizar e abstrair (MELO&VALLE,2005. p.45).
Muitas vezes é através das brincadeiras que a criança consegue externar seus medos, angústias e problemas que possivelmente tenha vivido. Por ser um momento livre e prazeroso, a criança poderá reviver e demonstrar o que sofreu de forma ativa e consequentemente modificar o final que lhe foi penoso. Construindo, a partir daí, o mundo a seu modo, questionando o universo adulto e contribuindo para (re)estruturar sua personalidade e a lidar com a frustações e angústias.
A partir desta análise, é inegável a importância do brincar e da ludicidade no desenvolvimento infantil, consequentemente, tal recurso deve ser amplamente utilizado no fazer pedagógico no meio escolar. A prática lúdica deve ser aprimorada e contextualizada durante o planejamento das ações pedagógicas na escola e a observação por parte do professor dos momentos de brincadeiras são muito valiosas uma vez que estes momentos estão carregados de sinalizadores capazes de direcionar as ações pedagógicas e compreender as necessidades de cada criança e os níveis de desenvolvimento.
Segundo Vygotsky (1998), o papel do ato de brincar na constituição do pensamento infantil revela o seu estado cognitivo, visual, auditivo, tátil, motor, seu modo de aprender e estabelecer relações cognitivas com o mundo que o cerca, eventos, pessoas, coisas e símbolos. O ato de brincar passa a ser um processo de humanização, no qual as crianças aprendem a conciliar as brincadeiras de forma concreta, estabelecendo laços duradouros. Por conseguinte, desenvolvem mais profundamente a capacidade de raciocinar, estabelecer relações, argumentar, julgar etc.
Como podemos perceber as brincadeiras e jogos, são fontes inesgotáveis de interação lúdica que vão surgindo gradativamente na vida das crianças, proporcionando experiências e possibilitando a formação de sua identidade. Para que uma aprendizagem seja significativa é necessário que a criança construa conhecimento, e o jogo é um excelente recurso facilitador de aprendizagem, neste sentido Carvalho (1992 p.28) afirma que:
[...] o ensino absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto significativo e efetivo no curso do desenvolvimento da inteligência da criança, já que ela se modifica de ato puramente transmissor a ato transformador em ludicidade, denotando-se portanto em jogo (Carvalho, 1992 p.28).
Jogando e brincando a criança expressa entusiasmo e desenvoltura nas suas emoções, sensações e atitudes, interage consigo mesma e com o mundo que a cerca, efetiva trocas que favorecem a expressão da criatividade, a atenção e a comunicação.
Está provado que a metodologia que privilegia o lúdico é bem-sucedida tanto no ambiente escolar quanto no atendimento neuropsicopedagógico clínico, em momentos de avaliação e intervenção. Ao realizar tarefas cognitivas prazerosas está ampliando seu universo de aprendizado de maneira natural, revestindo-se do imaginário infantil e demonstrando experiências vividas ou expectativas a respeito do mundo que à cerca. Além disso, esses momentos favorecem a criação de laços afetivos, vínculos amigáveis, sociabilidade e respeito.
Observa-se que, quando envolvida em uma tarefa lúdica, a criança torna-se livre e descontraída, comunica-se consigo mesma e seus pares, aceita a existência de outros, reconhece regras, expressa suas fantasias, desejos e medos, elabora hipóteses, realiza a busca de alternativas para resolução de conflitos, atribui conceitos e principalmente internaliza novas experiências, que resultarão em aprendizado concreto.
Pelo brincar a criança expressa aquilo que vive, demonstra a imaginação lúdica de sua rotina, portanto tendo a oportunidade de brincar, estão mais preparadas emocionalmente para controlar suas atitudes e emoções dentro do contexto social, obtendo melhores resultados no desenrolar de sua vida.
Em seus estudos Vygotsky (Vygotsky, 1998) relata sobre a relação entre um determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial de aprendizagem do ser humano. Para verificar o real nível de desenvolvimento da criança, é necessário primeiro saber o nível de desenvolvimento efetivo através de testes que estabeleçam a idade mental e aquilo que a criança realiza por si própria. O nível potencial refere-se a tudo aquilo que a criança poderá fazer com ajuda dos demais, seja por imitação, demonstração, mas que certamente poderá fazer futuramente sozinha.
Na visão de Vygotsky, as brincadeiras e jogos são consideradas atividades especificas da infância, nas quais a criança cria e recria a realidade através de jogos simbólicos, fazendo com que o seu entendimento de mundo atribua significados ao brincar. Fazendo com está seja uma atividade de contexto cultural e social, impulsionada pela representação simbólica. (Vygotsky, 1998)
Desta maneira, o jogo pode ser considerado uma atividade muito importante, pois através dele a criança cria uma zona de desenvolvimento proximal, com funções que ainda não amadureceram, mas que se encontra em processo de maturação, ou seja que ela irá alcançar futuramente.
Aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde os primeiros dias de vida da criança, e começa muito antes dela começar a frequentar a escola. Diz o autor que todas as situações de aprendizagem que são interpretadas pelas crianças, possuem uma história prévia, ou seja, a criança já se deparou com uma situação relacionada da qual pode tirar experiências. Nos processos de desenvolvimento infantil, sabemos que o brincar é um importante processo psicológico, fonte inesgotável de desenvolvimento e aprendizagem.
A palavra “lúdico” se origina da palavra “ludus” no latim, que indica jogo, relativo ao movimento natural espontâneo e ao brincar. Neste sentido, a proposta do lúdico é promover a aprendizagem de maneira significativa, pois o brincar é um potente veículo de aprendizagem experiencial, através dele a criança poderá vivenciar a aprendizagem como um processo social.
Antigamente as brincadeiras na infância eram diversões simples como as cantigas de roda, brincadeiras de pega-pega, jogos de imitação, etc., no pátio da escola ou na rua de casa mesmo, juntamente com os amigos, eram momentos de brincadeiras bem naturais, e encantava a todos, entretanto sabe-se hoje que não se tratava apenas de recreação, mas sim de momentos valiosos de construção de aprendizagens. As letras das cantigas de roda eram simples, remetiam a rotina de vida das pessoas, falam de amor, saudade, trabalho, escolha de companheiros, fatores importantes da condição humana, além disso eram momentos de grande satisfação.
Atualmente é inegável a importância do brincar para o bom desenvolvimento social, cognitivo e emocional da criança, entretanto é notório que as crianças dispõem cada vez menos tempo para brincar, muitas delas estão assoberbadas de atividades extracurriculares e tarefas escolares, diminuindo o seu tempo para brincar.
Durante o brincar, a criança tem a oportunidade de retratar situações de conflitos de sua vida familiar e social, expressando através das emoções. Brincar configura-se numa forma segura das crianças demonstrarem seus medos, angustias e agressividade, e tentarem resolver seus conflitos internos.
Em brincadeiras realizadas com jogos pedagógicos está implícito o ganhar e o perder. Durante o jogo a criança vivenciará momentos de aprendizagem, em que poderá trabalhar a sua resistência a frustrações. Aprender a lidar com esse sentimento é essencial para o bom equilíbrio emocional, por conseguinte proporcionará mecanismos para o bom desenvolvimento da personalidade.
Para desenvolver um trabalho educacional ou neuropsicopedagógico, a partir do conhecimento que Vygotsky preconiza, é imprescindível partir da vivência da criança, estimulando-a vencer suas dificuldades, reconhecer habilidades já desenvolvidas e encorajando-a vivenciar situações e diferentes atividades que proporcionarão desenvolver suas potencialidades. O desenvolvimento se dará pela diversidade de experiências e sempre existirão etapas a serem vencidas.
Ao evidenciar as crianças como seres concretos, sociais, com vontades e necessidades próprias, enfim um sujeito ativo e participativo, é importante fazer uso de uma metodologia que proporcione a construção de conhecimento por meio de relações entre criança/criança, criança/ adulto, criança/meio social e criança/objeto.
Portanto, como foi dito no IX congresso Nacional de Educação EDUCERE, para os processos de jogar e brincar, pode-se utilizar materiais variados, inclusive brinquedos construídos por um grupo de crianças e adultos, resgatando o universo cultural do grupo, incluindo a família, onde a mesma poderá sugerir brinquedos e brincadeiras utilizados na infância, criado assim um vínculo entre a educação escolar e o universo familiar.
3 O brincar e os processos neuropsicopedagógicos.
Através do conhecimento neurocientífico, é possível compreender que o cérebro é responsável pela forma como processamos e armazenamos o conhecimento, a partir do seu funcionamento podemos elencar estratégias que poderão favorecer o seu desenvolvimento.
A aplicabilidade da neurociência trará inúmeras contribuições para compreender e entender sobre a complexidade do funcionamento cerebral, bem como as articulações entre o cérebro e o comportamento humano. Já os estudos da Educação proporcionam compreender o processo do ensino-aprendizagem, logo neurociência e educação são consideradas a base da formação dos profissionais da Neuropsicopedagogia.
O diálogo entre a neurociência e educação, torna possível o conhecimento dos fundamentos neurocientificos do processo de ensino- aprendizagem e podem contribuir para o sucesso ou insucesso de algumas estratégias pedagógicas correntes. Segundo Cosenza e Guerra (2011):
As neurociências estudam os neurônios e suas moléculas constituintes, os órgãos do sistema nervoso e suas funções específicas, e também as funções cognitivas e o comportamento que são resultantes da atividade dessas estruturas (Cosenza e Guerra, 2011, p.142).
Partindo desse pressuposto, cabe salientar que a saúde geral do aprendiz é imprescindível para uma boa aprendizagem. O bom funcionamento dos processos cerebrais dependem dos demais sistemas orgânicos, e algumas doenças podem prejudicar o sistema nervoso, que podem interferir na aprendizagem, pela própria doença ou pelo tratamento a que o indivíduo realize.
O bom funcionamento do cérebro pode sofrer interferência do ambiente a que o ser humano está exposto, consequentemente podem ser desfavoráveis, e interferir nos aspectos psicológicos e emocionais, produzindo um comportamento desfavorável ao aprendizado. Crianças e adolescentes saudáveis, com funções cognitivas normais também podem apresentar níveis baixos de desempenho escolar, devido a estratégias pedagógicas equivocadas, ou malconduzidas (Cosenza e Guerra, 2011).
Estudos neurocientificos comprovam que há casos em que o cérebro do aprendiz não funciona como os demais, que estão no mesmo estágio do desenvolvimento. Alterações nas estruturas de funcionamento cerebrais podem ser atribuídas à alguns fatores que ocorreram durante a gestação e que interferiram na formação do cérebro. Nestes casos, é muito frequente a criança ou adolescentes necessitar de estratégias pedagógicas diferenciadas, para melhor aprendizagem e proporcionar que desenvolvam comportamentos e adquiram conhecimento de a acordo com sua estrutura cerebral permitam.
Conforme Russo, embora a mediação do terapeuta seja relevante no processo, diz que não podemos deixar de validar o que Piaget (1959) diz sobre aprendizagem:
[...] uma aprendizagem não parte jamais do zero, quer dizer que a formação de um novo hábito consiste sempre em uma diferenciação a partir de esquemas anteriores; mais ainda, se essa diferenciação é função de todo o passado desses esquemas, isso significa que o conhecimento adquirido por aprendizagem não é jamais nem puro registro, nem cópia, mas o resultado de uma organização na qual intervém em graus diversos o sistema total dos esquemas de que o sujeito dispõe (Piaget, 1959, p.69)
Em seu estudo Russo cita ainda Vygotsky (1991), que ressalta a relevância do aspecto social e histórico sobre o ser e considera que a brincadeira cria as chamadas zonas de desenvolvimento proximal, que proporcionam saltos qualitativos no desenvolvimento e aprendizagem humana. Bomtempo (1997) diz:
Está claro que atividades de brincar e aprendizagem estão inter-relacionadas e que certos tipos de aprendizagem são facilitados por certos tipos de jogos e brincadeiras. O que varia é intervenção do adulto que, dependendo da atividade, pode ser mínima ou altamente estruturada. (Bomtempo, 1997, p.115)
Russo, afirma que “o brincar é utilizado na intervenção neuropsicopedagógica como forma de explorar as funções cognitivas e de trabalhar aspectos do comportamento afetivo e social do sujeito” (Russo, 2015, p.127). É fundamental conhecer a aprendizagem real da criança, e planejar estratégias metacognitivas, mediante um conjunto de atividades lúdicas que estão a serviço do desenvolvimento amplo da aprendizagem. Jogar e brincar são processos inteligentes da natureza humana que contribuem eficazmente no avanço cognitivo de todos os seres humanos.
2 Considerações finais
A tarefa deste artigo foi provocar reflexões sobre a importância do brincar, o lúdico e os jogos no desenvolvimento da criança. Foi possível desvelar que por meio do brincar, a criança desenvolve estruturas no aspecto cognitivo, afetivo-sociais. Assim, compreende-se o quanto o mundo do desenvolvimento infantil é complexo, e que é através do olhar do outro, que nos constituímos seres sociais, ou seja, a criança precisa estabelecer inter-relações para o desenvolvimento efetivo as potencialidades necessárias para seu aprendizado para a vida.
A brincadeira revela-se como um instrumento de aprendizagem de extrema importância para o desenvolvimento da criança. Mesmo parecendo uma atividade normal e corriqueira da fase infantil merece atenção e envolvimento da família. As crianças estabelecem com os jogos e brincadeiras uma relação natural e consegue extravasar boa parte dos seus sentimentos no ato de brincar.
A infância é uma fase que marca a vida de qualquer indivíduo, e o brincar jamais deve ser deixado de lado, é necessário estimular para que esses momentos aconteçam entre as crianças e as crianças e adultos pois auxiliará nas evoluções psíquicas. Os momentos de brincadeira entre os seus pares, além da interação, o brinquedo e o jogo proporcionam mecanismos eficientes para desenvolver a memória, a linguagem, a atenção, a percepção, criatividade e habilidades para desenvolver a aprendizagem.
Portanto, nessa perspectiva, esses processos do brincar contribuem significativamente para o desenvolvimento de estruturas cognitivas e psicológicas da criança. O lúdico enquanto recurso pedagógico nos processos de aprendizagem, tanto no ambiente escolar quanto em Clínicas Neuropsicopedagógicas, quando usado de maneira correta oportunizará ao educador e educando, significativos momentos interação, aprendizagem e fortalecimento do vínculo afetivo, favorece de forma eficaz o pleno desenvolvimento das potencialidades criativas da criança.
Cabe ao profissional da educação ou Neuropsicopedagogo explorar de forma adequada o jogo e o lúdico, proporcionando a criança um recurso para desenvolver novas habilidades na aprendizagem e na prevenção e intervenção de futuros problemas de aprendizagem.
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