O Brilho da Mensagem
Por Paulo Valença | 20/06/2009 | Contos- Este foi o nosso primeiro e... Último encontro.
Tiago fita a morena, perplexo, sem entender o que ela diz e sorri, disfarçando-se.
A jovem alisa os cabelos para trás com a mão de longos dedos, num gesto faceiro e prendendo a correia da bolsa ao ombro esquerdo:
- Vamos?
- Sim, vamos.
Deixam o quarto. Calados rumam ao elevador defronte e, descendo ao térreo entram no automóvel estacionado à esquerda, entre dois outros.
Mantendo o silêncio ocupam o banco dianteiro e Tiago acionando o motor, partem na condução macia, confortável. O que é a vida: de repente, sair e transar com a funcionária recém-contratada da empresa...Sim, como de repente tudo pode acontecer! Mas...
A jovem então o liberta das reflexões:
- Está tão calado... Arrependido?
Ele se volta e, sorrindo:
- Não, de jeito nenhum! É que sou assim mesmo, de pouca falar.
- Já notei isso.
Sorriem. Coniventes. E nada mais falam. O portão é aberto e o carro passando-o, ganha a avenida com resumidos veículos cruzando-a em velocidade e um ou outro pedestre apressado, receoso de um inesperado assalto.
Tiago retorna às reflexões. Como hoje em dia tudo é prático: "transar" com a Jovem morena, bem-feita, charmosa, desejada por os homens da empresa. A nova funcionária do setor de embalagem, seção conjugada à sua sala...
Os faróis iluminam o asfalto enegrecido por as trevas da madrugada alta.A jovem cerra os olhos, cochilando? Respeita-lhe a atitude. Em que ela pensará? Quais cenas do cotidiano esperam-na? E ele, Tiago? A esposa deitada, aguardando-o, com receio de que algo ruim possa lhe suceder ante essa sua fuga de sujeito correto, chegando cedo a casa, na rotina de anos?
Suspira, como se desejando se livrar das indagações outra vez se volta ao rosto da jovem. Sim, cochila.Repousa.Quando sairão novamente para um motel? Aí as palavras retornam: "Este foi nosso primeiro e... Último encontro".
O carro ganha distância paralelo ao calçadão com o mar um pouco atrás, de ondas fracas dissolvendo-se na praia deserta, escurecida pela madrugada. A Laura aguarda-o. Inocente de sua traição, enferma, sem caminhar, as pernas duras, pelo derrame...
- Puta que pariu!
Diz, libertado o remorso de agir como um egoísta voltado apenas ao prazer da nova conquista.
- Que foi?
- Nada não.
Pressiona o botão vizinho à direção e o som da música orquestrada envolve-os, acalentando-lhes a alma.
O automóvel chega à Avenida Norte.
- Lucy onde você mora?
Desperta. E ele mantendo a atenção à frente, contido à responsabilidade de dirigir.
- Perguntei onde você mora.
- Ah, sim? Em Santo Amaro, na Rua das Moças.
- Tudo bem. Estamos próximos.
- Estamos.
Bairro da Encruzilhada. Avenida Beberibe e adiante, o de Santo Amaro. Aumenta a velocidade do carro, aproveitando o ir e vir dos poucos veículos.
De olhos acesos Lucy com disfarce analisa o perfil magro, de traços bem definidos, a cabeleira cheia, grisalha, o mutismo do chefe e sorri enigmática.
2
O mecânico sentando-se no sofá ao lado esquerdo do birô, com o Tiago, então indaga:
- O senhor já soube da "última?"
- O quê, Antônio?
O homem então revela a "novidade:"
- Saiu no jornal "A Folha", de hoje...
Tiago fita o jornal na mão escura do funcionário e aguarda.
- Aquela morena Lucy que trabalhava aí na seção de embalagem...
Perplexo Tiago sente o coração disparar. O suor frio na testa. As mãos trêmulas. Prevendo. Num instante prevendo.
A voz continua se detalhando na notícia sensacionalista do matutino:
- A menina junto com mais duas colegas sofrerem um acidente no carro que iam e...
Os dorsos das mãos banham-se em suor. O coração bate com força. Prendendo-se Tiago baixa os olhos, fitando seus sapatos esportivos, com as meias brancas. Entendendo.
- Segundo a reportagem somente uma das três escapou da batida do carro contra o caminhão.
Então, erguendo o rosto, Tiago fala, numa aflição contida, para nada demonstrar:
- Só uma?
Antônio se ergue do sofá e deixando o jornal ao centro deste, completa o que leu:
- Só uma das três... A Lucy morreu.
O silêncio pesado entre ambos. A zoadinha ritmada do ar-condicionado defeituoso e vindo do térreo sobe o grito que entra pela janela à direita dos dois.
- Apressa isso amarelinho safado!
Antônio sorri com o xingamento e Tiago perde os olhos à janela que exibe o céu azul, sem nuvens. E aquela frase retorna: "Este foi o nosso primeiro e... último encontro". Sim, antecipadamente ela se despedia, como se previsse o próprio futuro.
- Doutor vou para o salão. Com licença.
- Vá Antônio. Vá.
Sozinho. A janela. O céu azul, vazio de nuvens. A lembrança do rosto moreno, de covinhas ao sorrir, a voz meio-rouca, sensual, o gesto feminino de pentear com os longos dedos os cabelos finos, longos para trás. Os olhos negros, de intenso brilho... Sente. Apressado busca o lenço no bolso traseiro das calças, para enxugar a vista já nublada por as lágrimas da saudade.
- Tudo foi muito rápido, como num sonho!
O desabafo. Então o telefone toca, chamando-o à vida prática. Repõe o lenço no bolso e estendendo o braço segura o aparelho, atendendo.
- Alô? Está falando com ele. Pode dizer.
Aguarda, enquanto a mão com o pequeno aparelho treme novamente.
Impressão sua? Lá fora, há um brilho maior no azul do céu, como se fosse uma mensagem.
Uma mensagem.
Paulo Valença é contista, romancista, com prêmios nacionais, membro de várias instituições literárias, presente na internet, por meio de sites, e reside em Recife/PE.