O BARBUDO

Por Henrique Araújo | 30/06/2009 | Contos

A barba já foi objeto de valor no passado. O bigode então nem se fala. Era o documento mais precioso. O prazer do menino era quando lhe apareciam os primeiros fios de barba. Ele ficava alisando o bigode a toda hora, fazendo pequenos cavanhaques, mesmo que tivesse só alguns fiapos. Qualquer senhor fazia compra e negócios usando apenas o bigode. Deixava-se um fio de bigode empenhado e no dia do acerto de contas, ele vinha pagar e retirava o bigode.

Houve tempo em que os bigodes foram motivo de disputa. Todos os homens deixavam o bigode crescer e no fim do ano ele era medido. Ganhava o prêmio o que tivesse o maior. Havia bigodes tão grandes que eram amarrados nas orelhas. A barba então chegava ao joelho. Havia barbas de cores diversas: pretas, brancas, grisalhas. As mais feias eram as russas.

Hoje os bigodes e as barbas perderam o valor completamente. Vá alguém comprar alguma coisa e deixar um fio de bigode como garantia. Ninguém vende por diversas razões: uma delas é que é anti-higiênico, outra é que são poucos os homens que honram os seus bigodes.

Quando eu era um pouco mais jovem, deixei crescer a barba e o bigode. Eu queria me modificar um pouco. Confesso, sinceramente, que até me achava bonito de bigode no começo do uso. Depois aconteceram alguns fatos desinteressantes que acabei não gostando mais do bigode, nem da barba.

Em primeiro lugar trabalhei num grande hospital que não fornecia o jantar. Só se tomava sopa na hora de dormir. Recomendações médicas. Diziam que era mais saudável e desinfastiante. Para não perder o emprego eu tinha que concordar, mas era um sacrifício. A sopa caía ou escorregava da colher e se internava no bigode e na barba. Ainda bem que era só eu de bigode ali, mas já imaginou 40 barbados e bigodudos tomando sopa numa mesma mesa? E o pior de tudo é se só houver uma toalhinha para todos.

Eu ia levando o tempo assim, até que um dia peguei uma terrível gripe. Que sacrifício! Já imaginou como eu ficava quando ia escarrar o nariz? Não é preciso ficar rindo ou com cara de nojo não, mas é aconselhável que não leia esta estória se estiver fazendo uma refeição. O escarro se internava no interior do bigode e da barba e era um sacrifício retirá-lo daí. E tinha que ser retirado, pois do contrário secava e ficava muito pior.

Sarei da gripe depois de penar um pouco. Só não cortei o bigode nem a barba. Nessa época eu tomava cerveja e fumava um pouco. Sempre que levava o copo à boca, ficavam algumas partículas, por mais que eu tivesse cuidado. E foi assim que um dia me aconteceu uma tragédia. Eu exagerei um pouco na bebida e fiquei zonzo. Acendi um belo cigarro e continuei bebendo e fumando. Quando o cigarro ficou um pouco menor e eu dei uma bela tragada, acendeu uma labareda, pegou fogo no bigode que passou para a barba. Saí do bar correndo, batendo as mãos na cara, tentando apagar o fogo da barba e do bigode. Meti o rosto no primeiro tanque que encontrei, fui para casa, raspei todo o resto do incêndio, nunca mais quis saber de barba nem de bigode.

Hoje eu ando de cara lima. Não tem perigo nenhum de incêndio, masaindaguardo as fotos do tempo emqueusavabigode. Só quenãomostroparaninguém,pois para

alguns que mostrei, eles me perguntaram: quem é este marginal?

Também me lembro de quando eu ia para os clubes paquerar algumas gatinhas. Nenhuma gatinha aparecia. Quando me viam já diziam: "O que é que esse véio rabugento faz aqui?"

Hoje ainda penso muito naquele tempo. O que eu não entendo é o gosto de muitas mulheres. Há algumas casadas com cada bigodudo que tenha a santa paciência! O que é que elas sentem quando beijam tais senhores? E quando comem sopa ou estão com gripes? Não. Aquele tempo não quero que retorne mais.

Houve um tempo também que eu gostava de usar cabelos bem compridos. O chamado tempo dos play-boys. Como eu me achava bonito de cabelos compridos! Minha mãe teve a ousadia de mandar reproduzir uma foto daquele tempo em um quadro. De vez em quando chegava alguém aqui em casa, olhava para o quadro e dizia: Quem é aquela simpática senhora da fotografia? Confesso que saía de perto imediatamente para não chamar o fulano de "santo". O fato é que usei cabelo longo por muito tempo e só cortei quando uma colega minha da universidade disse: " para que você usa cabelos compridos assim? Economizar papel higiênico?" Foi o veredicto final. Deixei de usar barba, bigode e cabelo comprido. E estou muito bem assim.