O Bar
Por Beatrice Cavalcante | 28/05/2019 | ContosTrago em minhas mãos as marcas de alguns socos na parede, meus olhos carregam olheiras de uma noite inteira chorando, o cansaço e desespero por mais uma xicara de café é culpa da noite mal dormida. Lá no fundo eu sei que a culpa disso tudo é só minha, ninguém pediu para eu socar a parede, apesar deu me lembrar de ter ouvido alguém sussurrar que eu devesse fazer isso. Bom, agora estou aqui, olhando mais uma vez para essa planilha de Excel sem saber o que tenho que fazer, ou melhor, sem querer fazer o que preciso.
Quando foi que tudo começou a desmoronar? Talvez os socos que eu dei na parede tenha me ajudado a destruir tudo, faria sentido.
A única coisa que eu tenho certeza é que quero outro copo de whisky, dessa vez sem gelo, já está frio demais a noite e eu preciso me esquentar, olho ao redor e apesar de ser uma segunda-feira o bar até que está bem cheio, leia-se três ou quatro mesas preenchidas por perdedores como eu. Todos aqui gostam da sensação de ser cumprimentado pelo garçom, eu sei que eles também se sentem mais confortáveis aqui do que em suas próprias casas, em casa, você tem que ir buscar sua própria bebida e ninguém te cumprimenta quando você chega, e muito menos, sentem sua falta quando você fica muito tempo sem aparecer por lá.
De tudo, o que eu mais gosto é ver que não estou sozinha, mesmo quando vou sozinha até o bar, eu sempre me sinto acompanhada, o bar pode estar vazio, mas a cerveja e whisky sempre preenchem todo o vazio que eu possa sentir, totalmente diferente de quando chego ao trabalho, aqui é sempre tão cheio, as pessoas são sempre tão felizes e isso me sufoca, por que eu não consigo sentir essa felicidade também? Claramente o problema está em mim, afinal de contas, se todos estão sorrindo menos eu, o problema só pode ser eu, certo?
Gosto de frequentar o bar, porque por mais que eu chegue lá triste eu sempre saio sorrindo e feliz, muitas vezes eu saio fazendo amizades na fila do banheiro, sabendo o nome de todos os garçons, coisa que certamente não aconteceria em nenhum outro lugar. No trabalho, eu chego sonhando com a hora de ir embora, na faculdade a mesma coisa, bom na faculdade as vezes eu nem vou, penso que é inútil perder meu tempo lá, eu não tenho mais cabeça para conseguir aprender alguma coisa, estou ansiosa para o dia que eu não vou mais querer vir ao trabalho, afinal, não entrego nada mesmo, foi o que meu chefe me disse um dia desses.
Dou outro soco na parede, talvez assim eu consiga voltar a respirar, odeio estar sóbria, odeio ter que encarar a vida, as pessoas, os sorrisos, milhares de e-mail inúteis, pessoas pró ativas, se eu venho para cá é para poder ter dinheiro e torrar tudo no que realmente têm me feito feliz, álcool. Ao meu ver estou fazendo um bem, mantenho o emprego de todos daquele bar, o lucro está garantido todas as vezes que me sento naquela cadeira suja.
Diferente daqui, lá eu sinto que as pessoas me querem por perto, ou será que eu quero as pessoas perto de mim? Tanto faz, o ar daqui é denso, toxico, queria ir embora e não precisar nunca mais voltar. Infelizmente eu sei que não é assim que as coisas funcionam. Enquanto eu não consigo resolver as coisas, digo, definitivamente, eu sigo socando a parede, sujando minhas mãos de sangue, passando noites e mais noites em claro, rezando para que o dia seguinte demore para chegar e depois, torcendo para que a noite chegue e eu possa ir para o bar esquecer todo o sofrimento que passei, todos os sorrisos falsos que eu recebi ao longo do dia e todas as vezes que eu precisei conversar com essas pessoas estúpidas.
Encha mais um copo, traga outra garrafa, hoje eu não quero ir para casa, também não gosto de lá. Tenho a sensação que cada dia que passa, existe cada vez menos lugares que eu me sinta bem. Entro no ônibus, o bar já fechou, durmo e torço para não acordar, não sinto medo, não me importo se vão me assaltar ou coisa pior, eu só não quero chegar, não quero chegar em lugar nenhum, só quero ficar aqui e não precisar lidar com as coisas, nunca mais.