O ato e a potência como elementos fundamentadores do devir
Por Daniel Leite da Silva Justino | 04/05/2011 | FilosofiaO ATO E A POTÊNCIA COMO ELEMENTOS FUNDAMENTADORES DO DEVIR
Por Daniel Leite da Silva Justino
Resumo
Este estudo discute a noção apresentada por Aristóteles acerca do ato e da potência. Mostrando a contribuição dos seus antecessores, como elemento fundamental para a elaboração destas noções. Elas foram criadas tendo por fim, solucionar o problema do devir, que fora iniciada pelos jônicos e que ganharam maior repercussão com o embate teórico entre Heráclito que admitia o devir como essência das coisas e Parmênides que defendia o ser, ou seja, a imutabilidade como essência dos seres. Como solução o estagirita apresenta as noções de ato e potência admitindo ao mesmo tempo o devir e a permanência como elementos inerentes aos seres. Ao expor sua noção ele estabelece relações de valor, de causalidade e de composição entre o ato e potência. E suas relações com a substância.
Palavras-Chave: Ato. Potência. Devir.
Introdução
Um dos temas mais intrigantes da filosofia antiga foi sobre a questão do devir, ou seja, da mudança. Sem dúvida, o grande solucionador dessa problemática fora Aristóteles que com a criação das noções de ato e potência, explicou de maneira consistente a questão da mutabilidade das coisas, porém, deve-se reconhecer a contribuição dos seus predecessores, os jônios, Heráclito, Parmênides, Anaxágoras e Platão, que por meio de suas reflexões contribuíram para que Aristóteles criasse o conceito de ato e potência.
Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, tendo como teóricos JOLIVET (1972), BURNET (2007), MONDIN (2006) e REALE (2001).
Os predecessores de Aristóteles
Os primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos, centraram suas reflexões sobre a temática do cosmo, na tentativa de compreender o princípio ordenador e a causa suprema, physis, de todas as coisas. Os jônios, por exemplo, defendiam que os diversos corpos eram provenientes de uma substância única. Tales afirmava ser a água, o principio de todas as coisas; Anaxímenes opondo-se a esta concepção, defendia ser o ar e Anaximandro propôs o indeterminado, o apeíron. Na concepção de ambos, o elemento primeiro que deu origem a multiplicidade de seres, permanece o mesmo, sob a variedade de seres, porque dele derivam e convergem tudo, porém, permanecendo o mesmo.
Dando uma nova vertente a questão da reflexão sobre a origem da multiplicidade de seres, surgi no século VI a.C. um filosofo chamado Heráclito de Éfeso, que embora adotasse como os jônios, um elemento físico, fogo, como causa primeira de todas as coisas, reconhecia que a identidade da substância primordial não poderia ser mantida, pois o devir fazia parte da essência de todas as coisas. Por isso ele afirma que ninguém "... ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois novas águas correm sempre..." (HERÁCLITO apud BURNET, 2007, p. 154). A mudança na sua concepção era a passagem de um contrário a outro, Porém, em meio a este antagonismo há uma harmonia dos contrários que garante a ordem no universo.
Em oposição a Heráclito, aparece Parmênides de Eléia, que rompendo de modo radical com o monismo materialista vigente e propondo o Ser como princípio de todas as coisas, abala profundamente as estruturas da cosmologia, transformando-a em certa maneira em uma ontologia com a teoria do Ser. Ao definir o ser como princípio de todas as coisas, Parmênides destrói a ideia do devir, pois na sua visão o não-ser inexiste, porque admitindo a existência da mutabilidade, reconheceria a existência do não-ser, pois subtenderia que o ser é proveniente do não-ser por meio do devir. As mudanças empíricas na concepção do eleata, não passavam de meras ilusões.
Na tentativa de resolver este embate entre Parmênides e Heráclito, Platão admitiu a existência de duas realidades distintas: o mundo inteligível e o sensível. Neste o devir estaria presente, porque a própria experiência comprovava, porém, as coisas sensíveis só existem em função daquele, pois é em função da participação das idéias , que as coisas são. Platão admitiu, pois, graus no ser, para explicar esse devir. O ser verdadeiro são as idéias, únicos objetos da inteligência. As coisas sensíveis existem, mas são apenas reflexos graduados do ser autêntico.
Por fim, Aristóteles retoma a problemática do devir que esteve presente nas reflexões da maioria dos seus antecessores e soluciona o problema adotando as noções de ato e potência. A partir desses conceitos ele desenvolve sua metafísica.
Formulação da concepção de Ato e potência
Diante da multiplicidade de seres, duas questões são levantadas, será que o ser vem antes da mudança ou a mudança antecede o ser? Para Jolivet "... o ser vem antes da mudança (...) porque toda mudança implica a permanência de um sujeito que, sendo antes isto ou aquilo, passa a ser, em seguida, isto ou aquilo sem cessar de ser ele mesmo." (JOLIVET, 1972, p. 218), admitindo a ideia do ser como antecessor da mudança, reconhece-se que o ser não pode provir do não-ser, pois do nada provém nada. Ao longo do devir o ser modifica-se para permanecer o mesmo, ou seja, entende-se isto com a adoção das noções de ser em potência, poder ser, e ser em ato, pois o que antecede é o ser em potência que se transformará em ato, sem, contudo deixar de ser um Ser ao qual a potência já o determinava.
Para entender a mudança é fundamental compreender os conceitos de ato e potência. Ato na concepção de Regis de Jolivet é "... tudo o que é..." (JOLIVET, 1972, p. 221), o ato na sua definição é o determinado, ou seja, algo que é concreto, não apenas na dimensão material, mas enquanto ser atual. Já a potência é tudo o que pode vir a ser, ou seja, é a possibilidade ou o determinante. A árvore, por exemplo, é um ser em ato, porque é algo determinado, contudo, no ser da árvore existem seres em potência, como por exemplo, ser janela, ser cadeira, ser quadro, que cuja natureza já esta determinada, embora não de maneira absoluta. Na árvore há o ser em potência da janela, no entanto, não existe o ser em potência do pássaro, pois, na potência já esta determinada às naturezas que dela são possíveis de se tornarem em ato.
Os seres existem exatamente por causa desta relação entre ato e potência, é por isso que Jolivet diz: "... o ato e a potência não são seres separados, mas, somente princípios de ser..." (JOLIVET, 1972, p. 221), e é partir destes dois princípios que os seres finitos, contingentes se originam, pois, os seres finitos se encontram em ato, porém este é limitado pela potência, caso não fossem deixariam de ser finitos e passariam a ser ato puro, dependendo apenas de si.
A potência possui algumas divisões, a ativa, cuja característica é a ação, ou seja, a possibilidade de agir num outro "corpo" . Jolivet dá como exemplo "... o fogo que esta em potencia de esquentar..." (JOLIVET, 1972, p. 222) e a passiva, que é possibilidade de sofrer a ação de outro "corpo". Jolivet dá como exemplo "... a água que está em potencia de ser aquecida..." (JOLIVET, 1972, p. 222). Há outro tipo de divisão, a da potência subjetiva e a da potência possível, esta é a potência em que uma coisa pode ser, já aquela é a potência que existe em ato ou a potência atual.
O ato também possui uma divisão, em ato puro, que é o ato livre de potencialidade, ou seja, o ato que não possui limite, por exemplo, o ser supremo. A potencialidade é típica dos seres contingentes cujo ato não está em absoluto, por isso, só o ser absoluto se enquadra neste ato puro. E há o ato mesclado de potencialidade, ou seja, os seres finitos que estão em ato, porem são limitados pela potencialidade que lhe são inerentes.
Relação entre ato e potência
No âmbito metafísico, o ato estabelece relações com a potência, em três níveis: Do valor, da causalidade e da composição. A partir da análise dessas relações deduzisse o grau de importância entre estas duas noções metafísicas.
Primeiramente, do ponto de vista do valor, o ato é superior a potência, pois, ele determina o grau de perfeição do ser, por isso, afirma Tomás de Aquino que "cada coisa é perfeita na medida em que está em ato, imperfeita na medida em que está em potência" (AQUINO apud JOLIVET, 1972, p. 223), porque o ato é algo já determinado, ou seja, é uma substância concreta. Porém, mesmo sendo concreto, por causa da existência da potência ele torna-se limitado, pois esta é a principal causa da finitude dos seres contingentes. Caso não existisse a potência, também não haveria o devir, pois todos os seres seriam imóveis e eternos. Apenas o ato puro é absolutamente perfeito, por causa da ausência de potencialidade.
No aspecto epistemológico, ou seja, do ponto de vista do conhecimento o ser em ato se sobrepõe ao ser em potência, pois esta além de não ser determinada é submissa ao ser em ato, pois só a conhecemos em virtude de um ser em ato. Convertendo estas noções, potência e ato, em essência e existência, compreende-se que a essência só é compreendida em virtude da existência.
Segundo, do ponto de vista da causalidade o ato novamente é superior a potência, por que na passagem da potência ao ato, requer um ser em ato. Pois, a potência não existe por si, mas em função do ato, por isso no ciclo da causalidade, todo ser em potência está presente num ser em ato. Nesta digressão Aristóteles prova a existência de "Deus", por meio do argumento do motor imóvel.
Por fim, do ponto de vista da composição, o ato também supera a potência, pois fora do ato não há potência, pois esta não é encontrada em estado puro na natureza. Pelo fato de ser algo determinável.
O ato e a potência em relação com a substância
A relação do ato e da potência com a substância é estabelecida por Aristóteles, partindo dos dois elementos constituintes da substância, a matéria e a forma. Abbagnano define substância como "... aquilo que é (...) o que existe necessariamente." (ABBAGNANO, 2007, p. 925) este conceito é puramente aristotélico.
A matéria na concepção aristotélica é a potência da substância, enquanto capacidade de assumir ou de receber a forma. Por exemplo, a madeira enquanto matéria é potência, pois pode assumir diversas formas.
A forma segundo o estagirita é o ato, pois, assim como a potência é condicionada pelo ato, igualmente a matéria o é pela atuação da forma. Nesta relação entre forma e matéria na composição da substância, o ato prevalece sobre a potência, em quanto que na forma, há a exclusividade do ato, e na matéria, há uma mesclagem entre potência e ato.
A matéria, assim como a potencia são responsáveis pela finitude dos seres, ou seja, são limitadoras da forma e do ato. Apenas os seres imateriais, que são exclusivamente formais, são perfeitos, imóveis e eternos, ou seja, são atos puros.
Considerações finais
Portanto, Aristóteles influenciado pelo problema vigente na filosofia, sobre a questão do devir, resultante das inquietações dos pré-socráticos, principalmente Parmênides e Heráclito, estabelece o conceito de ato e potência e a relação entre si no grau de importância do valor, da causalidade e da composição e a relação deles com a composição da substância.
Referências Bibliográficas
JOLIVET, Régis. Tratado de filosofia III: metafísica. (tradução de Maria da Gloria) 5º ed. Rio de Janeiro: Agir, 1972. p. 214-226.
BURNET, John. A aurora da filosofia grega. (tradução de Vera Ribeiro) Rio de Janeiro: PUC Rio, 2007. p. 151-159.
MONDIN, Batista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores e obras. (tradução de J. Renard). 16º ed. São Paulo: Paulus, 2006. p. 223-224.
REALE, Giovanni. Metafísica: ensaio introdutório. ( tradução de Marcelo Perine). Vol I. São Paulo: Loyola, 2001, p. 108-109.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. (tradução Alfredo Bosi). 1º Ed. São Paulo, 2007, p. 925.