O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: E A (IM)POSSIBILIDADE DE UMA VIA INTERVENCIONISTA DAS FORÇAS ARMADAS COMO PODER MODERADOR

Por Daniel Lucas Vasconcelos de Sousa | 17/10/2023 | Direito

O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: E A (IM)POSSIBILIDADE DE UMA VIA INTERVENCIONISTA DAS FORÇAS ARMADAS COMO PODER MODERADOR

 

1.INTRODUÇÃO

 

 

O presente trabalho, tem como objetivo analisar o artigo n. 142 da Constituição Federal de 1988. Artigo no qual, recentemente tem sido amplamente discutido o debate acerca da possível intervenção militar (in)constitucional como poder moderador, entre os poderes da República. Causando uma tensão entre os poderes constituintes clássicos, tendo em razão a delicada situação política vivenciada no Brasil, em que grupos de pessoas apoiadoras do atual governo federal, do presidente da República, o Sr Jair Messias Bolsonaro (PL), apontam como necessária uma intervenção militar, sob a escusa da leitura do artigo 142 da Constituição.

Afinal, esse papel de moderador, entre os poderes, caberia a cargo das Forças Armadas descritas no supracitado artigo?. Mas antes, será introduzido de início, o conceito do que seria o poder moderador, introduzindo contextos históricos e a influência de estadistas europeus na criação deste modelo de poder na época do Brasil Império, tido no período colonial como peça chave de toda organização política. Como, e por quem foi exercido o inédito poder no Brasil, de qual forma isso impactou o período monárquico; quais foram as consequências e a deixa para futuras gerações. Teria ainda viabilidade de existir tal poder de moderação na política moderna, e se sim, como seriam seus impactos na harmonia e separação dos poderes constituintes.

Evidenciar a intensa participação do exército brasileiro, e demais militares das Forças Armadas, desde os primórdios da história política nacional, começando ainda no período da monarquia. Tendo inúmeras revoltas lideradas por Oficiais, começando da Questão Militar, e indo até o golpe militar de 64, período marcado por atos institucionais que cercearam e aboliram direitos e garantias fundamentais, que seriam restituídos de volta, apenas com a promulgação da vigente Constituição Federal de 1988.

Abordar a promulgação da Constituição Federal de 1988, e como ela simboliza e representa o fim do autoritarismo militar, e a chegada de novos ares ao país que bradava por mudanças. O restabelecimento dos direitos cerceados nos obscuros períodos de regime militar. A ampla participação da sociedade em sua confecção, que lhe tornaram a Constituição mais cidadã da história do Brasil.

 

 

O artigo 142, tema deste assunto, e sobre ele, análises de diversos juristas qualificados, suas interpretações, sua eficácia, qual seria a função do texto normativo, e qual seria a intenção do constituinte quanto ao final de sua redação.

A hermenêutica, do artigo tratado, e a interpretação na qual seria de acordo com os dispositivos e princípios constitucionais e até mesmo supra constitucionais, baseado em tratados internacionais, em que o Brasil é signatário.

Discorrer sobre o atual cenário político brasileiro, período em que a discussão intensificou-se, após manifestações apoiadas pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, manifestações que reivindicavam, por exemplo:

 

➤ Votos impressos e sob contagem das Forças Armadas;

➤ Destituição de ministros da Corte Constitucional STF;

➤ Intervenção nas casas legislativas;

➤ Volta de dos Atos Institucionais, como o AI-5;

➤ Volta do regime militar; e

➤ A intervenção militar atuando como poder moderador entres os poderes clássicos

.

A repentina suspeição dos oficiais militares à luz do processo eleitoral, instigada após uma série de ataque dos Chefe do Executivo Nacional, em uma campanha de ataques contra a lisura das urnas eletrônicas, e a inserção dos militares diretamente nas eleições de 2022, e a posição da categoria frente, tanto ads eleições, quanto ao seu entendimento sobre o artigo 142.

Estes serão os principais pontos abordados nesta presente monografia, até ser alcançada a conclusão ao final, elencando e respondendo os pontos chaves que possam ter ficado em aberto, além de concluir com a opinião do autor a respeito do debate jurídico sobre os assuntos e argumentos expostos durante o transcurso dos capítulos.

 

2.ORIGEM DO PODER MODERADOR E SEU USO NO BRASIL IMPÉRIO, E OS EFEITOS DO GOLPE DE 64

 

Antes de adentrarmos no assunto, é importante esclarecer o que seria este “Poder Moderador”, logo, desta forma é preciso fazer um regresso a contextos históricos do Brasil. Mais especificamente na época do Brasil Império.

 

 

Em 1824, a ‘Constituição do Império’, como ficou popularmente conhecida a Carta da Constituição outorgada por D. Pedro I, em que nela garantiu-se a unidade territorial e instituiu a divisão do governo em quatro poderes.

Além dos demais poderes bastante conhecidos nos dias atuais, tais como o Executivo, Legislativo e Judiciário, havia uma figura de um 4ª poder ‘inédito’, este sendo denominado como Moderador, introduzido no país, após forte influência do cenário político internacional europeu.

É importante salientar que o Poder Moderador foi uma idealização do Francês Benjamin Constant, recebendo originalmente a alcunha de “Poder Real”, em sua essência tendo as mesmas características do conhecido Poder Moderador implementado pelo Imperador Dom Pedro I.

O inédito poder era levado em conta, como primordial para a organização política nacional, e era exercido exclusivamente pelo Imperador da época, lhe oferecendo carta aberta, ou seja, recebendo amplas aberturas e faculdades excepcionais para assim quando, e caso quisesse, a cargo de sua superveniência achando necessário ou não, interferir nos demais poderes clássicos, sem precisar de justificativa alguma para o feito.

Inexistindo qualquer “responsabilidade civil” que pudesse recair sobre a figura do Imperador em relação aos seus atos e efeitos causados pelo Poder Moderador.

Segundo Zacarias de Góis e Vasconcelos, icônico advogado e político brasileiro, sendo este um defensor da responsabilidade ministerial nos atos do Poder Moderador. Tendo produzido um livro sobre o tema, intitulado ‘Da natureza e limites do Poder Moderador’.

Góis e Vasconcelos discorreu a ideia da importância de existir um medidor de opinião pública, tendo como vetores representantes perante a nação e juntamente da imprensa e seus canais de divulgação da época, garantindo obviamente a decência e polidez e a reverência perante a figura do Imperador.

Um fato curioso é que o autor do livro fez leves críticas ao estilo inglês de, ‘the king can do no wrong’, que traduzindo ao português seria “o rei não pode fazer nada errado”, ironizando assim o comportamento inglês, no qual era totalmente passivo e havia de total concordância a tudo que sua Coroa redigia, motivando uma espécie de crença sobre a figura do Rei, tal como um status de divindade.

 

 

O Brasil Império perdurou por anos, até que diversas crises, e animosidades exaltadas como as alas religiosas e militares, aceleraram o processo do declínio da monarquia do Imperador Dom Pedro II. Como fora citado, A Questão Militar, como ficou conhecida, foi um dos motivos que levaram ao fim do Império brasileiro.

 

2.1A QUESTÃO MILITAR

 

 

A oficialidade brasileira, após ser influenciado durante a Guerra do Paraguai, momento em que tiveram contato com colegas de fardas de outras nações, tais como de Argentina e Uruguai, onde na ocasião, os militares estrangeiros passaram suas ideias republicanas para os militares nacionais, mostrando-os certo “atraso” da política brasileira em relação aos vizinhos sul-americanos. E com isso a classe militar da época começou um levante de reivindicações perante o Imperador, dessa vez mais inflamada, após o fim da guerra do Paraguai.

Tal cenário viria tornar-se litigioso de fato, logo quando imposições foram colocadas pelo Imperador, este proibindo qualquer forma de manifestação militar na imprensa, claramente exercendo sua força via censura.

Contudo, tal restrição não obteve o êxito desejado, uma vez que foi amplamente desrespeitada por militares, a exemplo do Tenente-Coronel Sena Madureira, tido como principal voz das reivindicações da classe, gozando do prestígio até do Marechal Deodoro da Fonseca, referido Marechal que mais tarde tornaria-se presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, onde liderou o Exército como se fosse um partido político.

Obviamente com o crepúsculo do império nacional, o Poder Moderador também deixaria de existir oficialmente em nosso ordenamento, mas será que totalmente, ou teria ainda deixado algum legado para futuras políticas?

Neste gênesis, ficou evidente a ativa participação dos militares na política nacional brasileira, antes mesmo do surgimento da República que viria a nascer.

Fato que seria comprovado com o transcurso das décadas, nas revoltas do Movimento Tenentista (1922-1930), onde Oficiais tentavam de forma descentralizada, o controle do país, até o surgimento da ditadura militar que chegaria no início dos anos 60’.

 

 

2.2O GOLPE DE 64, E O REGIME/DITADURA MILITAR

 

 

Fez-se necessário um tópico em especial para esse assunto, pois apesar de ter sido uma época delicada e certamente um retrocesso para a nação brasileira, é de suma importância, evidenciar o Regime Militar e os motivos que levaram seu acontecimento, e como o presente debate, traz à tona a discussão das Forças Armadas como Poder Moderador, este assunto não poderia ficar de fora do exposto.

Primeiramente, é importante salientar que o golpe de 1964 não nasceu da noite para o dia, obviamente. O Brasil vivia tensões políticas desde meados de 1950. Especialmente provocadas pela guerra fria.

Essa que não era uma guerra de fato, mas sim, uma guerra de influência entre as principais potências mundiais, sendo compostas nos polos concorrentes, os Estados Unidos da América (EUA), e a antiga União Soviética (URSS). Nesta guerra de influência, o principal objetivo das duas potências, consolidadas após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, era expandir suas ideologias e influência política para todos os demais países do globo.

Inevitavelmente a influência dessa disputa ocasionou diversos pontos de instabilidades pelo globo, interferindo diretamente na política interna de vários países, e em muitos fazendo literalmente implodir uma guerra de fato, onde que indiretamente as grandes potências mundiais se enfrentavam.

E no Brasil isso não foi diferente, apesar de não ter ocorrido uma guerra civil, as tensões políticas eram cada vez mais nítidas. E no começo dos anos 1960, existia uma suspeição da existência de supostos grupos ligados ao “bloco” comunista, que em tese estariam planejando uma espécie de golpe dentro do país, para estabelecer o dito modelo defendido.

Dentro deste cenário o presidente do Brasil na época era João Goulart, este que defendia reformas de base, reformas essas que causaram bastantes debates entre a sociedade brasileira, já acalorada com toda essa tensão externa.

João Goulart era constantemente acusado de “flertar” com o bloco comunista, e isso tomou conhecimento internacional, em razão de existir na época um interesse do governo dos Estados Unidos em “proteger” o Brasil devido à condição de grande influência que o país tinha na América do Sul.

 

 

Diante disso, vários oficiais militares do exército brasileiro decidiram fazer frente e começaram agir como responsáveis para colocar fim ao governo de Goulart, com o qual já existia certo desafeto, uma vez que costumeiramente aconteciam movimentos dentro das Forças Armadas contra a gestão do ex-presidente.

Desde os anos 1920 quando começaram a ocorrer revoltas Tenentistas, os militares mais radicais repassaram uma visão da qual deveria ser o Exército o responsável em garantir a ordem e o fim da corrupção no país.

O governo de Jango, como era popularmente conhecido o ex-presidente João Goulart, já havia perdido bastante apoio político, e no mês de abril de 1964 foi realizada uma sessão extraordinária do Congresso Nacional.

E o presidente do Senado convidou os presentes a comparecerem à posse do presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, como presidente interino.

Goulart encontrava-se no Rio Grande do Sul buscando aliados, todavia com o agravo da situação, decidiu então migrar rumo ao Uruguai junto com apoiadores da base de seu governo, que temiam algo pior.

Então foi empossado em 15 de abril de 1964, o Marechal Castelo Branco, até então para o que deveria ser um governo militar “temporário”, com o objetivo de acabar com o caos implantado no país. Entretanto, alguns militares do referido governo militar não compartilhavam dessa tempestividade limitada.

 

2.3OS ATOS INSTITUCIONAIS DO GOVERNO MILITAR E O FIM DO REGIME COM A RETOMADA GRADUAL DA DEMOCRACIA

 

O regime militar foi marcado por diversos atos institucionais, que cada vez mais reprimiam direitos constitucionais e fundamentais, e apesar de terem sido decretos, os mesmos tinham força de Constituição.

Como por exemplo, logo de início retirando do povo o direito de escolher seus governantes, extinção de partidos políticos e limitando a existência para apenas dois, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) sendo esta o partido do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) tendo políticos da oposição.

Portanto os militares tinham praticamente o poder e controle de tudo, e usavam de repressão e autoritarismo para combater a constante revolta de estudantes, artistas e intelectuais brasileiros que se levantavam contra os abusos da ditadura.

 

 

Qualquer pessoa que fosse considerada suspeita de conspirar contra o governo poderia ser investigada e ter seus direitos cerceados, era bastante comum nessa época que políticos, estudantes e jornalistas sumissem após serem “convidados” a um interrogatório.

E a razão para essas medidas, eram justamente uma tentativa dos militares, de fundamentar juridicamente falando, suas ações autoritárias, a fim de justificar ou legitimar a sua opressão e violência da ditadura, pois eram formas do Poder Executivo ampliar sua força de Estado. Consoante com o que o historiador Marcos Napolitano registrou em suas análises.

 

Palavras de Napolitano:

 

 

“Os Atos (Institucionais) eram fundamentais para a afirmação do caráter tutelar do Estado, estruturando a partir de um regime autoritário que não queria personalizar o exercício do poder político, sob o risco de perder o seu o caráter propriamente militar.

Para que o Exército pudesse exercer diretamente o mando político e manter alguma unidade, fundamental no processo que se acreditava em curso, era preciso rotinizar a autocracia e despersonalizar o poder.

A autoridade do presidente, figura fundamental neste projeto, deveria emanar da sua condição hierárquica dentro das Forças Armadas [...] e de uma norma constitucional que sustentasse a tutela sobre o sistema.

 

 

Portanto, foram estes atos os responsáveis pela institucionalização do regime da ditadura, pois em virtude deles houve o processo de transição de modelo do Estado, de fato existia um certo autoritarismo antes, contudo tornou-se absolutamente agressivo e sem manutenções de algumas liberdades fundamentais que antes eram resguardadas.

No governo de Costa e Silva, a situação só iria piorar seguidamente do ato institucional nº 5 (AI-5), publicado na sexta-feira 13 de dezembro de 1968. Determinou que tanto o exército quanto a polícia, não necessitavam mais de mandado judicial para prender, poderiam então realizar prisões de maneiras arbitrárias e sem qualquer rito de procedimentos que respeitassem os direitos básicos do ser humano.

Desta forma, qualquer pessoa poderia ser presa, até mesmo sem motivo aparente. Foi extinto o Habeas Corpus e também não era mais possível solicitar um advogado na situação de preso.

 

 

Apesar de alguns doutrinadores, especialmente aqueles que defendem a ditadura estabelecida no Brasil, entenderem que o termo correto seria “Ditadura Civil-Militar'', pelo fato de ter ocorrido uma efetiva participação de empresários brasileiros, especialmente ligados à Federações Industriais do Brasil, bem como Banco importantes.

A grande maioria das pessoas, que faziam parte da sociedade civil brasileira estava à mercê de sérios perigos a sua cidadania, não bastava a cassação dos direitos, também corriam riscos de vida, especialmente se sua opinião fosse contrária aos atos do governo militar.

Obviamente, a população brasileira estava bastante insatisfeita com o regime da época, e a partir de 1979, foi iniciado o processo da retomada da Democracia, o que ocorreria de fato, somente 6 anos depois, é verdade, mas indiscutivelmente, a anistia concedida aos presos políticos, assim como aos exilados e a volta da permissão de novos partidos políticos, foi o primeiro passo para a retomado que estava a chegar inevitavelmente.

E em 1978, por meio da emenda constitucional nº 11 promulgada, a qual constava em seu artigo 3ª que todos os atos institucionais e complementares contrários à constituição estavam revogados, o Brasil começava a engatinhar sua iminente democracia.

 

Art. 3º - “São revogados os Atos institucionais e complementares, no que contraria em a Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial”. (Emenda Constitucional nº 11 de 13 de Outubro de 1978)

 

 

Com a volta dos partidos políticos, no ano de 1982, voltou a ocorrer eleições com votos populares para governadores e deputados estaduais e federais. Tendo a maioria dos candidatos de oposição obtendo êxito nas votações, era evidente o vestígio de que o regime militar estava próximo do seu fim, principalmente com o movimento “Diretas Já”.

O movimento “Diretas Já”, foi praticamente o marco final do regime militar, em que na ocasião houveram inúmeras realizações de manifestações e protestos, concentrando um número expressivo de pessoas nas principais capitais do país, que em um único tom, pediam a volta das eleições democráticas para presidente da República.

 

 

O Regime Militar conheceu seu crepúsculo em 15 de janeiro de 1985, com a vitória do candidato da oposição, Tancredo Neves conquistando 72% dos votos no Congresso, colocando um ponto final na hegemonia de presidentes militares, e encerrando assim oficialmente a ditadura militar no Brasil.

 

3.A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

Nossa atual constituição foi um marco da reorganização política e social, e também na redemocratização do Brasil, pois o país tinha saído a pouco tempo de uma longa ditadura.

Logo, tinha-se uma enorme necessidade de atender todos os direitos básicos e fundamentais, dos quais durante o regime militar foram negligenciados e cerceados.

A atual Constituição Federal foi criada, durante a nova república, no governo Sarney, primeiro presidente civil, após o fim da ditadura militar. A Constituição Federal promulgada em 1988, e nela assegurou-se a ampliação da liberdade para os civis, bem como seus direitos e garantias individuais, e a volta das eleições presidenciais diretas, bem como o fim da censura nos meios de comunicação, entre outros.

É a Lei Máxima do país, traçando os principais princípios e diretrizes para o regimento da sociedade brasileira. E nela também fica definido a organização do Estado, estabelecendo a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário

Conhecida também como a Constituição Cidadã devido ao fato de que houve ampla participação de grupos populares. E para efetivar mais ainda essa participação, estabeleceu o chamado controle social, meio pelo qual a população pudesse participar da gestão de políticas e programas promovidos pelos entes políticos.

Na data histórica de 05 de Outubro de 1988, a Carta Magna foi promulgada, e juntamente com isso, os anseios de mudança e de uma nova fase na histórica do país eram visivelmente notados.

E como proferiu o Dr Ulysses Guimarães em seu lendário discurso, a promulgação era o grito da sociedade brasileira, e a voz, que personificava a vontade política para a mudança, pois a nação queria mudar e deveria mudar.

 

 

 

 

Trechos do histórico discurso do Dr Ulysses Guimarães:

 

 

“O enorme esforço admissionado pelas 61 mil e 20 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo caminho das subcomissões até a redação final.

[...]

Há portanto representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigora.

Como caramujo guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, de esperança e reivindicações de onde proveio.

[...]

Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da democracia.

É o clarim da soberania popular e direta tocando no umbral da Constituição para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais.

[...]

Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora, será luz ainda que de lamparina na noite dos desgraçados.

É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetra nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.

[...]

Foi a sociedade mobilizada nos colossais comícios das Diretas Já que pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador.

Termino com as palavras com que comecei esta fala.

A nação quer mudar A nação deve mudar. A nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança.

Que a promulgação seja o nosso grito. Mudar para vencer. Muda Brasil.”

-     Ulysses Guimarães, 05 de outubro de 1988.

 

 

Tornou-se assim, a Constituição mais democrática da história do Brasil. Estruturou todas as bases para efetivação do regime democrático do país, e sendo símbolo do fim do autoritarismo militar.

Mas será que a Constituição Federal de 1988 carrega traumas do período militar? Para essa indagação, temos uma resposta de José Afonso da Silva, considerado por muitos, um dos maiores juristas do Brasil, e que além de ver nascer, participou efetivamente do processo de elaboração da Carta Magna.

 

 

 

 

José Afonso da Silva - “Em alguns aspectos carrega, embora menos do que na Constituição de 1946, em grande parte aprovada contra a ditadura do Getúlio Vargas. Por isso a doutrina fala que ela nasceu de costas para o futuro porque estava preocupada com o passado. A Constituição de 1988 se voltou mais para o futuro. Mas há um dispositivo (artigo 5º. inciso XLIV), por exemplo, que considera crime inafiançável a ação de grupos armados contra a ordem constitucional. Há também a norma sobre a cassação do mandato, exatamente para não ocorrer como no regime militar, em que o presidente ou outro poder cassava o parlamentar. Agora só a Casa respectiva pode cassar o mandato. Esse talvez seja o tema mais diretamente contrário ao que aconteceu na ditadura.”.

 

 

Durante a entrevista concedida para o portal Conjur, o renomado jurista defendeu sua ideia de que o país ainda sofre efeitos do regime autoritário até os dias atuais, principalmente dentro das instituições.

 

Disserta José Afonso da Silva:

 

 

“Pela democracia. Veja bem: nós sabemos que as instituições parlamentares no Brasil são muito ruins hoje. Eu não costumo generalizar, porque ainda há muita gente boa lá dentro. Mas é ruim porque essa foi uma das coisas ruins que herdamos do regime militar. A ditadura liquidou com lideranças no país. A renovação disso é muito longa e muito difícil. Por isso ainda estamos vivendo este resquício doloroso”.

 

 

Nota-se pelas palavras de Afonso da Silva, que apesar do enorme progresso em relação a confecção do Constituição Cidadã, o país ainda segue seu lento processo de reabilitação, uma vez que a história e seus efeitos ainda pode se dizer que são recentes, e desta forma acabou deixando traumas e principalmente minando muitos líderes que infelizmente não conseguiram sobreviver os tempos sombrios da ditadura.

 

3.1O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL VIGENTE

 

 

Mas afinal qual seria a verdadeira finalidade do artigo 142 da Constituição Federal de 1988. Aproveitando os estudos de José Afonso da Silva, recentemente citado nesta presente monografia, tendo em vista a grande relevância do jurista para fins constitucionais, elencamos que as normas da Constituição podem ser catalogadas em três classificações de eficácia: Plena, Contida e Limitada.

 

 

Como bem se sabe, as normas de eficácia plena, são aquelas que podem, desde sua criação, serem aplicadas sem maiores burocracias. Enquanto, as normas de eficácia contida, também usufruem da imediata aplicabilidade, todavia podem ser reguladas por legislação infraconstitucional.

E, por conseguinte temos as limitadas, e nesse último caso, estas não gozam da imediata aplicabilidade, pelo fato de serem comprometidas, enquanto não forem tratadas via lei complementar, reduzindo assim a sua aplicabilidade.

Sendo este, o caso do artigo 142 da Constituição pátria, e sua famosa polêmica quanto a suposta autorização de uma intervenção militar, em um eventual conflito entre os poderes constituintes clássicos, para a manutenção da “Lei e da Ordem”.

Concebendo a ideia de que fosse considerada essa via intervencionista do artigo supracitado, a norma teria comprometida a sua aplicabilidade, pela carência da lei complementar regulamentadora, pois esta é inexistente no ordenamento jurídico brasileiro.

Pois neste cenário proposto, em que houvesse a adoção da medida intervencionista militar entre os poderes, pode-se elencar uma série de indagações tais como: “Em que medida seria essa intervenção das Forças Armadas e sua atribuição e limitação perante os outros poderes constituintes?”; “Qual seria o tempo de duração e quais os efeitos internos dessa interferência?”; “Quais os procedimentos que seriam adotados e como seria restabelecida a manutenção da ordem constitucional?”, entre inúmeras outras reflexões que podemos tirar deste caso, mas estas seriam as principais por hora.

Logo, perante todos esses questionamentos, evidencia-se claramente que trata-se de natureza limitada, o referido texto constitucional do artigo 142º. Pelo fato de estarmos diante de norma declaratória, com princípios institutivos que visam um arranjo da organização geral das Forças Armadas.

 

 

 

 

4.FATOS ATUAIS, DA CRISE POLÍTICA COM A SUPOSTA POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO MILITAR, MANIFESTAÇÕES ANTIDEMOCRÁTICAS

 

 

Entrando finalmente, em fatos atuais, e portanto sobre o atual cenário político brasileiro, será exposto a intensa disputa de influência política instaurada no

 

 

presente governo do presidente Bolsonaro, e da discussão envolvendo o referido artigo 142, da Constituição Federal de 1988.

Defendido pela base aliada do Chefe do Executivo, como uma “arma” que o mesmo poderia valer, usando as Forças Armadas e acionar uma intervenção sobre os demais poderes, especialmente o Judiciário, tido como principal desafeto do presidente e seus seguidores.

Jair Bolsonaro (PL) citou o artigo 142 da Constituição abertamente ao público ainda no ano de 2020, quando no Palácio do Planalto, proferiu que “todos queriam fazer cumprir o artigo 142 da Constituição”

 

“Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”(Jair Messias Bolsonaro, 22.04.2020)

 

 

E em 2021, rumores sobre essa possível via para intervenção militar do artigo

142 da Constituição de 88. Voltaram, e dessa vez de forma mais calorosa, o exemplo disso ocorreu com as diversas manifestações pelas principais capitais do Brasil, especialmente na capital federal, no dia 07 de setembro do citado ano, dia este em que se é lembrado a independência do país.

Na ocasião, vários populares se dirigiram às ruas em demonstração de apoio a uma hipotética medida intervencionista militar a favor da atual presidência, e contra os poderes judiciais e até mesmo legislativos.

Criou-se uma grande discussão, pelo fato das manifestações claramente terem discursos antidemocráticos, realizadas no dia 7 de setembro de 2021. E o principal envolvido, o atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, nos dias que antecederam o episódio, demonstrou não somente apoio aos seus seguidores que organizavam o movimento, mas redigiu a seguinte fala:

 

“Nós não precisamos sair das quatro linhas da Constituição. Ali temos tudo o que precisamos. Mas, se alguém quiser jogar fora dessas quatro linhas, nós mostraremos que poderemos fazer também. Vale a vontade e a força do seu povo”. (Jair Messias Bolsonaro)

 

 

Essa declaração do presidente ocorreu durante um evento público de assinatura da concessão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), em Tanhaçu, Bahia, no dia 03 de setembro de 2021.

 

 

A fala do atual presidente teve bastante repercussão, dentro dos grupos de apoiadores, bem como dos envolvidos no movimento organizado que aconteceria no dia 07 de setembro. Os apoiadores criaram para esta data, uma expectativa de possível ‘intervenção militar’ ou algo assim do gênero.

Tanta expectativa foi criada, que no dia marcado, alguns apoiadores realmente chegaram a acreditar em uma fake news disseminada em grupos de WhatsApp, na qual falsamente afirmava que o presidente Bolsonaro havia decretado Estado de Sítio, dando a entender que a suposta intervenção teria acontecido, notícia essa que foi prontamente desmentida horas depois.

Vale-se ressaltar que o clima entre os poderes Executivo e Judiciário não se encontravam na sua melhor harmonia, pode-se até dizer que era/é até o momento deste trabalho, o pior possível em muitos anos. Inclusive o presidente Bolsonaro corriqueiramente “cutuca” Ministros do STF, o que acaba inflamando esse clima de animosidade instaurado.

Essa ‘intervenção militar’, defendida pelos apoiadores do atual governo, alegam que as Forças Armadas teriam essa legitimidade em atuar como uma espécie de moderador de conflitos entre os poderes constituintes, restaurando a “ordem” entre os Poderes, Judiciário e Executivo.

As manifestações ocorridas no dia 7 de setembro de 2021 pediam até mesmo a destituição de ministros do judiciário, fechamento de casas legislativas, e a volta do AI-5 (Ato Institucional nº. 5).

E quando indagado sobre sua anuência, o presidente Bolsonaro defendeu que os atos não deveriam ser passíveis de inquérito e que foram legítimas as manifestações, e desconsiderou estes como atos antidemocráticos, e alegou que na verdade, foram legitimados sob a escusa da liberdade de opinião e expressão, direito conferido a todos.

 

“Se alguém comete um ato antidemocrático, é contra o governo federal, não é contra um do supremo. Eu não estou reclamando, entendo como liberdade de opinião. Você quer levantar um cartaz na rua ai pedindo pena de morte, faça o que você bem entender, isso é liberdade de expressão. O cara levanta uma placa da AI-5 é na constituição anterior, não existe mais”. Disse o presidente Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada.

 

 

Apesar das falas do então presidente, os atos realizados em 2021, foram sim de cunho antidemocrático, pois atentaram contra a democracia e a ordem

 

 

constitucional, sendo totalmente passíveis de investigações, que posteriormente foram pautadas no STF.

Vale-se ressaltar que a pena de morte no Brasil existe apenas para situações excepcionais e hipotéticas, em casos de guerra declarada. A pauta de pena de morte, fora deste bojo é totalmente inconstitucional, pois além de ferir cláusula pétrea.

Tendo em vista que visa suprimir um direito fundamental garantido, atenta contra o Decreto nº. 2.754, onde o Brasil ratificou o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, referentes à abolição desta modalidade de pena, no qual o país foi um dos signatários.

Por mais que exista realmente o direito da liberdade de opinião e expressão, direitos estes que foram frutos de muita resistência e luta do povo brasileiro, que lutaram arduamente na época do fatídico regime militar, período em que todos os direitos básicos e fundamentais foram cercados.

É sabido que apesar da relevância ímpar e do caráter essencial para a democracia, os direitos fundamentais não são absolutos, pois existe a necessidade também de proteger outros bens jurídicos relevantes para a ordem constitucional, que em sede destes, poderiam sim justificar restrições aos direitos fundamentais. Como é trazido na Convenção Interamericana de Direitos Humanos:

 

Da Convenção Interamericana de Direitos Humanos. [...] Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão

Toda Pessoa tem direito à liberdade de pensamentos e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidade ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:

b) A proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

 

 

A Convenção, portanto, previu a possibilidade de designar delimitações à liberdade de expressão, que decorram do exercício abusivo deste direito. E ressaltou que não pode de maneira alguma limitar, para além do especificadamente necessário.

 

 

 

 

4.1ARGUMENTOS PRÓS E CONTRAS SOBRE A POSSÍVEL INTERVENÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS COMO MODERADOR ENTRE OS PODERES DA REPÚBLICA

 

Foi usado como principal motivação, de que isso seria uma norma constitucional expressa, em que as instituições que compõem as Forças Armadas, sendo elas; Exército, Marinha e Aeronáutica. Citadas no referido artigo n. 142 da atual Constituição teriam esse papel diante de uma crise entre os poderes clássicos.

 

Observa-se na íntegra do texto constitucional:

 

 

Art. 142, CF/88. “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

 

 

Por incrível que pareça, esse ponto de discussão não é exclusivo do ano de 2021, mas em 2020, quando o então renomado jurista Ives Gandra Martins, conhecido pelo seu notório saber jurídico, tendo sido inclusive ministro do Supremo Tribunal Federal, pronunciou o que pode-se dizer, ter sido uma interpretação polêmica, na hermenêuticas do referido texto constitucional, em sua análise.

Ives cita a existência da via intervencionista militar, que usaria de tal poder moderador, para a garantir a harmonia dos poderes.

 

Citação proferida por Gandra Martins:

 

 

"Não entro no mérito de quem tem razão [...], mas no perigo que tal decisão traz à harmonia e independência dos poderes (artigo 2º da CF), a possibilidade de uma decisão ser desobedecida pelo Legislativo que deve zelar por sua competência normativa (artigo 49, inciso XI) ou de ser levada a questão — o que ninguém desejaria, mas está na Constituição — às Forças Armadas, para que reponham a lei e a ordem, como está determinado no artigo 142 da Lei Suprema".

 

 

Essa declaração teve bastante peso de influência devido ao porte do jurista, repassando o mesmo entendimento equivocado, adiante para outras

 

 

pessoas, conhecedoras do Direito ou não, inclusive sendo até compartilhado um vídeo em que o próprio jurista Gandra Martins afirmou que:

 

"Se um dos poderes resolver desobedecer, confrontar ou conflitar com outro, sobre a discussão de como é que se aplica a lei, não é o Supremo (STF) a última instância [...] O artigo 142 diz que quem tem que repor a lei e a ordem são as Forças Armadas”.

 

 

Para o professor Lênio Streck, titular de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), o renomado Gandra Martins fez uma leitura ideológica viciada do texto normativo.

 

"Ele (Gandra Martins) afirma o que gostaria que o artigo 142 dissesse, e ainda faz uma leitura fatiada, desprezando o princípio da unidade constitucional, a que exige que a interpretação da Constituição seja feita tomando a Carta (Constituição Federal de 1988) como um todo, e é certo que ela não permite intervenção militar. Pelo contrário, o constituinte escreveu que todo poder emana do povo, pelo voto”. Afirmou Streck.

 

 

Streck, vai adiante e também disserta que:

 

 

"Se assim fosse, a democracia, ao fim e ao cabo, dependeria de um poder armado. Seria um suicídio institucional. O artigo 142 apenas diz que, excepcionalmente, as forças podem ser chamadas para a tarefa de segurança pública, como já ocorre com as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Jamais para se meterem na política”. Finalizou Streck.

 

 

É importante alinhar também que a Constituição define que o Supremo (STF), é o guardião da Carta Magna. Do qual se valendo de um colegiado competente, detém a última “palavra” para interpretar se constitucional ou não, a aplicabilidade das leis.

Mais recentemente, no dia 16 de Agosto de 2021, durante uma entrevista no programa ‘Direto ao Ponto’, da emissora Jovem Pan, cujo tinha como convidado da vez, o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (CGI), o general Augusto Heleno, ao ser indagado sobre o atual cenário da crise política brasileira, especialmente sobre as crescentes tensões instauradas não apenas nos bastidores de Brasília, mas sim também diversas regiões do país, com a discussão cada vez mais ampliada para vários setores e classes.

 

 

Augusto Heleno foi bem fático, sobre não acreditar em uma intervenção federal, mas a seu ver, as Forças Armadas, em caso de necessidade, poderiam atuar como poder moderador.

 

Disse o General Heleno:

 

 

"Eu sinceramente, na situação atual, não acredito que vá haver intervenção das Forças Armadas. Estão acontecendo provocações de uma parte e outra parte, é isso não é aconselhável porque cria um clima tenso entre 2 poderes e entra o legislativo como mais 1 complicador nessa situação. É importante que busquemos um ponto de equilíbrio e tenhamos a preocupação de não cometer excessos. Nenhum dos Poderes. Para a opinião pública, há uma certa concordância nesse papel do Judiciário que tem colocado as coisas coisas numa tensão maior. Não acredito em intervenção no momento. Essa intervenção poderia acontecer em um dado muito grave, discordo até sobre o que fazem sobre o artigo 142 (Constituição Federal), mas acho que não seria empregado na situação atual e espero que não precise ser empregado jamais”

 

 

Indo mais adiante, o General ainda ressaltou que, pelo fato da experiência do exército nacional em missões de paz, os soldados e oficiais brasileiros estariam prontos para atuar como “poder moderador”.

Durante o início da década de 2000, coube ao Brasil, liderar as forças de paz da ONU no território do Haiti, país localizado na América Central, na ocasião sofrendo uma forte crise política sem antecedentes, tendo como resultado, uma guerra civil entre os clãs locais. (Forças Armadas Brasileiras tiveram que tomar a frente do conflito, uma vez que a Força Tarefa dos Estados Unidos, estava ocupada combatendo o terrorismo no Oriente Médio).

 

"Tem uma preparação muito boa. Preparação essa que já foi mostrada em várias situações. Nós já participamos de várias missões de paz de características completamente diferentes. Participamos da Segunda Grande Guerra Mundial, lógico, em outra época, mas as Forças Armadas nunca deixaram de ser adestradas. Quanto ao material que as Forças Armadas dispõe, é um material que para enfrentar uma grande potência nós vamos ter uma série de desvantagens, mas para atuar na garantia da lei e da ordem, é um material perfeitamente compatível”.

Reiterou Augusto Heleno.

 

 

Percebe-se claramente que a conotação das palavras “da Lei e da Ordem”escolhidas pelo então ministro, foram claramente uma referência ao texto constitucional citado por ele nas primeiras declarações.

 

 

O artigo 142º da Constituição Federal explicita o seguinte: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da Lei e da Ordem”.

Usado como principal ponto de argumento para a base apoiadora do atual presidente Bolsonaro, que acusam a existência dessa possibilidade de atuação das Forças Armadas como poder moderador, baseado principalmente no final do referido texto constitucional.

Diante desta entrevista realizada pelo ministro e general Augusto Heleno, na rádio Jovem Pan,, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, classificou como repugnante e inaceitável tal interpretação trazida pelo militar.

 

"A apologia da adoção (e prática) do pretorianismo, mediante distorcida interpretação do artigo 142 da Constituição Federal, é repugnante e inaceitável, pois traduz expressão de ostensivo desapreço que perigosamente conduz à prática autocrática do poder, à asfixia dos indivíduos pela opressão do Estado e à degradação, quando não supressão, dos direitos fundamentais da pessoa cuja prevalência traduz, no plano ético, o sinal visível da presença de instituições que apenas florescem em solo irrigado pelo ético, o sinal visível da presença de instituições que apenas florescem em solo irrigado pelo sonho generoso da liberdade e democracia”. Celso de Mello,

 

 

Celso de Mello também foi seguro em dizer que não existe qualquer possibilidade de creditar-se um “suporte constitucional” que legitima uma intervenção militar nos poderes da República, e tal induzimento seria uma repulsiva conspiração de golpe de Estado.

 

"O entendimento recentemente revelado por certa autoridade da República mostra-se típico de quem não entende nada quando se trata de interpretação constitucional! A exegese em questão, além de primária e errada, notadamente porque sustenta a ideia esdrúxula de que residiria nas Forças Armadas o poder moderador, é igualmente preocupante, pois reflete, ainda que tal possa não ser a intenção de referida autoridade, a visão dos epígonos da autocracia, daqueles desejosos de desconsiderar a ordem democrática e de transgredir o Estado de Direito, cujos fundamentos de legitimação repousam na "rule of law", vale dizer, na soberania e no império da lei e da Constituição da República! Quem interpreta a Lei Fundamental de nosso país e dela extrai compreensão equivocada e juridicamente inidônea destinada a viabilizar uma inadmissível intervenção militar nos Poderes da República demonstra, com esse gesto de suprema infidelidade

 

 

 

à majestade e à autoridade da Constituição, desprezo manifesto pelas instituições que compõem o sistema político-institucional brasileiro!

Em nossa Constituição, que consagra o dogma essencial da separação de poderes, repousa o fundamento de nossas liberdades! Preconizar a possibilidade, ainda que remota, de intervenção pretoriana no sistema institucional de nosso país constitui perversão do princípio democrático e gesto profano de vilipêndio à ideia de República! Quem admite a mera possibilidade de intervenção militar nos poderes do Estado, como o Judiciário e o Legislativo, é um profanador dos signos legitimadores do Estado democrático de Direito e conspurcador dos valores que informam o espírito da República! A apologia da adoção (e prática) do pretorianismo, mediante distorcida interpretação do artigo 142 da Constituição, é repugnante e inaceitável, pois traduz expressão de ostensivo desapreço que perigosamente conduz à prática autocrática do poder, à asfixia dos indivíduos pela opressão do Estado e à degradação, quando não supressão, dos direitos fundamentais da pessoa cuja prevalência traduz, no plano ético, o sinal visível da presença de instituições que apenas florescem em solo irrigado pelo sonho generoso da liberdade e da democracia ! "Japona não é toga", como afirmou há décadas o saudoso senador paulista Auro de Moura Andrade!

A estratocracia não pode nem deve ser vista como sucedâneo possível, mesmo que pontual, do regime fundado na noção de democracia constitucional!!!!! Inquestionável é o fato de que o artigo 142 da Constituição Federal não confere suporte institucional nem legitima a intervenção militar em qualquer dos Poderes da República, sob pena de tal ato, se consumado, traduzir um indisfarçável (e repulsivo) golpe de Estado!

Cumpre não desconhecer, finalmente, neste ponto, a gravíssima advertência do saudoso e eminente deputado federal Ulysses Guimarães (1916-1992), em memorável discurso proferido em 05/10/1988, no encerramento da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou e promulgou a vigente Constituição da República, ao destacar a sacralidade do texto constitucional, estigmatizando com o labéu de traidor aquele — governante ou governado — que ousasse transgredir a supremacia da Lei Fundamental de nosso país, pronunciando, então, palavras candentes que guardam impressionante e permanente atualidade: "Descumprir [a Constituição] jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério."

Íntegra da resposta do ex-ministro do STF, Celso de Mello.

 

 

Contudo, essas interpretações dos apoiadores de uma via intervencionista, consideram apenas uma hermenêutica textualista, ignorando não somente uma visão sistemática completa, pois o correto seria ler-se como um todo, mas também negligenciam a classificação das normas, quanto à sua eficácia limitada, que é o caso do artigo 142 da Constituição Federal, como já explorado neste trabalho.

Inclusive, caso existisse essa autonomia para quem detém o porte de armas, ter a faculdade ampla para moderar os poderes, seria basicamente um novo poder, muito semelhante ao poder moderador, o qual deixou de existir no Brasil desde o

 

 

final dos tempos monárquicos, usado exclusivamente pelo Imperador, como exposto no introito da presente monografia.

E seria este mesmo o papel das Forças Armadas? Indo mais adiante, seria possível de se falar em um Estado democrático de Direito nesta situação defendida por apoiadores da ideia.

Suponhamos que as eleições fossem controladas por quem detém essa autonomia, uma inquisição para se refletir, apesar de termos casos concretos pelo mundo, onde evidencia-se que realmente não é uma boa receita esse casamento.

E como bem se sabe, a Constituição Cidadã foi um verdadeiro divisor de águas na história do Brasil, e após mais de 20 anos sob o controle da ditadura militar, foi então a Carta confeccionada.

Sendo a consagração do fim deste regime, portanto seria até contraditório, defender que a mesma Constituição Federal traria em seu texto, uma norma constitucional em abriria tal “brecha” para a situação proposta.

 

 

5.CONCLUSÃO

 

 

Após todo o exposto deste presente trabalho, fica-se claro e evidente que o artigo 142 da Constituição Federal não legítima uma intervenção das Forças Armadas sobre os poderes da República, inexistindo essa escusa de agir como moderador entre os poderes.

No âmago de toda essa discussão está o texto constitucional do artigo 142, e como foi bem visto a interpretação daqueles que defendem uma intervenção militar “constitucional” baseada na redação do artigo, contudo este entendimento, além de equivocado, atenta contra a ordem constitucional.

O artigo 142, não abre brecha para aventuras autoritárias, e de maneira alguma abre faculdade para as Forças Armadas intervirem nos Poderes, sejam eles Executivo, Legislativo e Judiciário.

E para comprovar esta interpretação, devemos fazer a leitura do artigo 142 com o artigo 2ª da Carta Magna, que assim diz o seguinte:

 

2ª CF/88 - “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

 

 

 

 

Ora, uma intervenção dos militares a pedido de um Poder em face do outro, é a mais clara quebra de harmonia da qual deve existir entre os poderes da República, tão importante esta independência dos poderes, que o constituinte teve o escopo de garanti-la no introito da Carta.

Além disto, no próprio artigo 142, em seu parágrafo primeiro, é previsto o seguinte:

 

"Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas” Art. 142, §1º, CF/88

 

 

E na Lei complementar 97/1999, na qual fixa as operações e procedimentos das Forças Armadas, por exemplo, em situações como de missões oficiais nacionais e estrangeiras. Na mesma lei, é inexistente qualquer conteúdo que remeta ou refira-se a essa suposta intervenção militar constitucional.

O próprio Caput do artigo 142 limita-se apenas a definir as instituições pertencentes às Forças Armadas, bem como seus objetivos na segurança da democracia do país.

E ao referir-se à "garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, percebe-se que na passagem não é afirmado que será por iniciativa de qualquer Poder. É impensável, que após 21 anos de regime militar, o constituinte desse tal autorização para que ocorresse uma intervenção militar outra vez no país, em face do Estado democrático de Direito.

Importante também frisar que manifestações populares, que reivindicam tal posicionamento são atos atentatórios à democracia e ordem constitucional. Ainda que, sob a escusa do direito de opinião e/ou liberdade de expressão, pois a própria Constituição limita, por mais fundamentais que sejam os direitos, nenhum será absoluto. Logo, o poder popular, é delimitado pelo texto normativo supra constitucional. Como é evidenciado no art. 1º, Parágrafo Único da Constituição Federal:

 

"nos termos desta Constituição” Art. 1º, PU - CF/88

 

 

Por fim, conclui-se que o poder moderador, ora existiu realmente e pode ter sido a chave de toda organização política, contudo, no período monárquico, sendo extinto após a sua queda. Em um Estado Moderno e Democrático de Direito, não há espaço para tal manobra intervencionista militar, porque seria inegavelmente, um ato inconstitucional.

A importância da discussão deste trabalho é de grande importância, tendo em vista o atual momento delicado vivenciado no Brasil. Fazendo valer-se das palavras de Edmund Burke, “Um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”.

Portanto, é de suma relevância momentos de reflexão sobre os acontecimentos elencados na história nacional, onde por diversas vezes a democracia foi derrotada, mas nunca vencida.

Deve-se ter sempre o passado como exemplo, e o futuro como a direção que será melhorada. Como havia dito o Dr Ulysses Guimarães em seu discurso histórico, a Constituição certamente não é perfeita, a mesma prova isso quando admite reformas em seu tronco.

Sobre ela, a Constituição, pode-se sim discordar ou divergir de um ponto ou outro, mas descumpri-la, jamais, tampouco afrontá-la. Há quem ousar traí-la, estará concomitantemente traindo a própria pátria.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

VASCONCELLOS,   Zacarias   de   Goís   e.   Da   natureza   e limites do Poder Moderador. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Typ, Universal de Laemmert, 1862.

 

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional POSITIVO. 43ª Edição. Salvador: Juspodivm, 2020.

 

Não precisamos, mas podemos jogar fora das quatro linhas da constituição, diz bolsonaro. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br>. Acessado em > 03/09/2021.

 

A fake news bolsonarista sobre o “poder moderador” das forças armadas. Disponível em <https://www.veja.abril.com.br>. Acessado em > 29/05/2020.

 

FRIEDE, Reis. Do emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Jus.com.br. Disponível em: <https://jus.com.br>. Acessado em > 21/02/2018.

 

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Bolsonaro não tem provas sobre fraude de urnas, mas insiste em ilação já desmentida por TSE. Disponível em <https://brasil.elpais.com>. Acessado em > 29/07/2021.

 

Defesa se irrita com fala de Pacheco sobre golpe e eleições. Disponível em

<https://www.poder360.com.br>. Acessado em > 17/05/2022.

 

 

Brasil não consente mais com “aventuras autoritárias”, diz Fachin. Disponível em

<https://www.uol.com.br/>. Acessado em > 17/05/2022.

 

 

COELHO, Paulo Sergio; VAUGHN, Gustavo Favero. A ‘sábia ignorância’ de quem defende uma ‘intervenção militar constitucional’. Migalhas. Disponível em

<https://www.migalhas.com.br>. Acessado em > 09/06/2020.

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