O "ANTISSEMITISMO RACIAL"
Por Luiz Eduardo Farias | 26/08/2011 | História* Segunda parte do artigo "O processo de desumanização dos judeus como facilitador do Holocausto", elaborado como conclusão do curso de pós graduação em História Contemporânea no Centro Universitário Geraldo Di Biase.
Os ideais da Revolução Francesa exportaram a "necessidade" de igualar juridicamente todos os cidadãos. Neste embalo, o século XIX foi o momento em que os judeus saíram dos guetos e iniciaram um processo de emancipação, sendo inseridos civilmente na sociedade, com os mesmos direitos e deveres dos demais cidadãos.
No início, alguns judeus não comemoraram a emancipação. O direito ao voto e ao serviço militar implicaria também o abandono ao seu estilo de vida, com seus velhos controles comunitários.1 Com o passar do tempo, se acostumaram e houve uma aculturação.No entanto, mesmo que tivessem deixado de ser parias políticos e civis, os judeus continuavam sendo parias sociais.2
No século do cientificismo, as teorias raciais viriam para fornecer uma nova (sem excluir as outras) justificativa para o antissemitismo. Ou seja, a assimilação dos judeus nas sociedades europeias supostamente os colocaram em situação de igualdade. Era preciso, portanto, diferenciá-los de modo permanente.3 Explode a noção do judeu como uma raça degenerada e que deve ser separada e até destruída do convívio com as demais raças, com a grave possibilidade de contaminá-las. Os judeus fizeram uma conversão de "forasteiros religiosos" a "forasteiros étnicos"4
No contexto alemão, as teorias raciais eram somadas às "descobertas" do passado glorioso e o resgate dos arianos. O que se seguiu, nas palavras de Leon Poliakov, foi um verdadeiro "maquineísmo racial" entre estes últimos e os semitas.5
O nazismo não tirou suas idéias do vazio. Cientistas buscam classificar os seres humanos em raças desde o final do século XVII. Cerca de um século depois, um médico alemão, Johann Friedrich Blumenbach, encontrou 5 grupos humanos. No século XIX, sob influência ou não de Darwin6, vários estudiosos encontraram 3, 4, 7, 11 ou 12 raças. No século XX, etnólogos corrigiam esta informação e diziam ser 29. Outros chegaram a incrível marca de 38 raças.7
Uma das maiores influências, neste sentido, par o pensamento de Hitler foi Chamberlain, para quem a história da humanidade é a da luta entre as raças. Os arianos, dizia ele, são os únicos com a capacidade de dominar o mundo. No entanto, os judeus aos poucos teriam corrompido o sangue dos arianos. Não havia remédio melhor do que eliminar o contato entre os dois. Somente assim a raça ariana poderia restaurar a sua força de "homens deuses"8
Outro nome importante foi Gobineau, defendendo que as raças brancas, sobretudo os arianos, estão na origem das grandes civilizações. De forma parecida com Chamberlain, dizia que a miscigenação levava à degeneração racial.9 Porém, diferente dele, não execrava os judeus. No seu "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas" (1853-55), Gobineau fazia referência a eles como "um povo livre, um povo forte, um povo inteligente (...) que (...) fornecera ao mundo quase igual número de doutores que de mercadores."10
Para concluir a galeria dos cientistas, abrimos espaço para Francis Galton. Mergulhado na ideia de darwinismo social, este pesquisador defendia a política de casamentos seletivos como meio de "melhorar" a humanidade. Galton criou um termo, em 1883, para designar esta nova área da ciência: eugenia (bem nascer).11 O pressuposto aqui era que o fator fundamental para determinar as qualidades humanas, como a inteligência, seria a herança genética. O que veremos no nazismo é a adaptação desta chamada "eugenia positiva" ? orientando a reprodução ? para uma "eugenia negativa" ? exterminando os considerados "geneticamente incapazes".12 Na Alemanha, esta ciência recebeu o nome de "higiene da raça".13
Além destes cientistas mais famosos, encontramos na academia uma preocupação intensa em estudar o povo judeu. Na segunda metade do século XIX, Gustave Le Bom, em uma revista científica, dizia que "entre seus sentimentos, suas idéias e os dos povos arianos, existem verdadeiros abismos.". Em outro trabalho, uma tese de doutorado, o doutor Henry Meige fala sobre o "judeu errante" como uma "patologia nervosa", evidentemente como "uma característica de sua raça."14
Ainda como consequência da emancipação, multiplicaram-se casos de pogroms pela Europa, sobretudo na parte oriental. Na Rússia, o próprio governo incitava o antissemitismo. No início do século XX, patrocinado pelo czar Nicolau II, foi amplamente divulgado um suposto plano de dominação do mundo pelos judeus ? O Protocolo dos Sábios de Sião. Antes disso, o procurador do Santo Sínodo teria dito: "que 1/3 dos judeus emigrem, 1/3 se converta ao cristianismo, e 1/3 morra." Já um ministro prometera que deixaria "a situação na Rússia tão intolerável que os judeus serão forçados a emigrarem até o último homem." Em momentos de crise estouravam-se dezenas, até centenas de ataques a judeus. Somente no ano de 1905, quando o país foi derrotado na guerra contra o Japão, foram 690 pogroms.15
Mesmo na parte ocidental da Europa surgiam associações antissemitas e era raro algum partido político não colocar a questão judaica na sua plataforma.16 Declarar-se inimigo dos judeus era uma forma de conquistar seguidores.17 Na França, justamente onde um século revolucionários clamavam por igualdade, a ralé gritava "morte aos judeus". Obras preconceituosas como "A França judaica", de Marpon e Flamarion eram até best-sellers.18 Um estudo mostrou que de 51 escritores alemães antissemitas, entre 1861 e 1895, 19 deles admitiam o extermínio físico dos judeus.19 Neste último país, nas décadas de 1870 e 1880, mais de 500 escritos e livros antissemitas foram publicados.20 Voltando a França, um caso ganhou repercussão e expôs ao mundo o tamanho do preconceito com os judeus neste país. O capitão Alfred Dreyfus foi acusado e condenado por espionagem. Tempos depois ficou provado o erro e o capitão foi considerado inocente. Não obstante, a população, pelo fato de Dreyfus ser judeu, continuou a considerá-lo um traidor.21
Por último, Bauman não nos deixa esquecer que "numa época de nacionalismos exacerbados, o judeu era uma nação sem nacionalidade, um estrangeiro em seus países, porém diferentes dos outros ? um ?inimigo interno?". Num século que exala nacionalismos, os judeus erm o "vazio nacional".22
Neste contexto, o sionismo surge, então, como uma contra ideologia.23 Este movimento é baseado em preceitos teológicos, a posse da Terra Prometida, e neste contexto é retomado em seu aspecto político social, como defesa diante dos ataques antissemitas e como desejo de viver em um lugar em que os judeus tivessem voz e comando.24
Mesmo que não fosse um movimento significativo, se considerarmos a totalidade da comunidade judaica na Europa, o sionismo influenciou, em parte, milhares de judeus a migrarem para a Palestina durante a segunda metade do século XIX.25
1 BARON, Salo W. Op. Cit., p. 130.
2 ARENDT, Hannah. Op. Cit. p. 95.
3 BAUMAN, Zygmunt. Op. Cit., p. 79-80.
4 MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009, p. 36.
5 POLIAKOV, Leon. O Mito Ariano. São Paulo: Perspectiva, 1974, p.260.
6 O próprio Darwin colocava em dúvidas a uniformidade racial tanto dos arianos como dos semitas. Idem Ibidem, p. 242.
7 MAGNOLI, Demétrio. Op. Cit., p. 21.
8 ZAGNI, Rodrigo Medina. Op. Cit.
9 MAGNOLI, Demétrio. Op. Cit., p.24.
10 FONTETTE, François de. Op. Cit., p.72-73.
11 GUERRA, Andréa Trevas Maciel. Do holocausto nazista à nova eugenia no século XXI. Cienc. Cult., jan./mar. 2006, vol.58, no.1, p.4-5. ISSN 0009-6725. Disponível em: