O ANIMAL NÃO HUMANO COMO SUJEITO PASSIVO DO CRIME
Por Bruno Henrique Bernardo Fahd | 28/06/2016 | DireitoO ANIMAL NÃO HUMANO COMO SUJEITO PASSIVO DO CRIME: Uma análise das vaquejadas sob a perspectiva penal.
Bruno Henrique Bernardo Fahd
Eric Abreu Caldas[1]
RESUMO
O presente paperexibe como objeto de análise sobre a proteção dos direitos dos animais sob o prisma da prática da vaquejada. O trabalho foi elaboradopor meio de pesquisa bibliográfica. O paper está desenvolvidoem três capítulos, o primeiro capítulo trata especificamente das noções gerais do crime e da possibilidade do animal figurar como sujeito passivo, analisando o conceito e a definição de crime. No segundo capítulo aborda-se sobre a proteção da fauna, observando como ela se dá e a sua proteção jurídica. No terceiro e último capítuloponderaremos acerca da análise das vaquejadas sobre a perspectiva penal, observando primeiramente o que é a vaquejada e depois os direitos violados e a Lei nº 9.605/98.
Palavras-chave:Crime; Animal; Sujeito Passivo; Maus-tratos;
INTRODUÇÃO:
Umas das discussões mais relevantes no âmbito penal atualmente são os direitos dos animais. Cada vez mais o tema ganha força e se torna importante para a sociedade, que passa a considerá-lo, principalmente tendo em vista a mudança na concepção dos paradigmas anteriormente existentes sobre o tema.
Assim, se faz extremamente pertinente a produção de trabalhos científicos sobre o tema, que busquem um aprofundamento no mesmo, promovendo sua devida discussão e consequentemente trazendo resultados práticos para a sociedade e para os operadores do direito.
É com esse lastro que o presente trabalho busca observar o animal como sujeito passivo do crime e para isso utiliza-se um esporte muito popular como meio de observação: A vaquejada. Tendo em vista que o animal é objeto presente para a prática do mesmo e está, portanto, sujeito a práticas que podem ser consideradas como criminosas.
- O ANIMAL NÃO HUMANO COMO SUJEITO PASSIVO DO CRIME
Para o devido estudo de como o animal não humano pode ser considerado sujeito passivo de um crime, primeiro se faz necessário analisar e compreender as noções gerais do que é um crime. Para, a partir de tal observação, ser possível ter a devida compreensão sobre a temática.
- Crime: Noções Gerais
Ao observar as noções gerais sobre o que se compreende como crime, primeiro é preciso observar a sua conceituação. Sobre isso, dispõe Fernando Capez (2012, p. 124) “Conceito de crime: o crime pode ser conceituado sob os aspectos material e formal ou analítico”.
Assim, é possível depreender que o conceito de crime é composto por dois aspectos: O material e o analítico. Sobre o primeiro, continua a dispor Fernando Capez (2012, p. 125):
Aspecto material: é aquele que busca estabelecer a essênciado conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser consideradocriminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definidocomo todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesaou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para aexistência da coletividade e da paz social.
Portanto, o aspecto material, de acordo com a afirmação doutrinária supracitada, é aquele que busca estabelecer a essência do conceito de crime. Essa essência se resume no fato ocorrido que promove uma lesão a um bem jurídico que é tutelado, protegido, pelo Direito Penal.
Essa é a principal definição do aspecto material do crime, o acontecimento de um fato que lesa um bem jurídico albergado de proteção penal. Ademais, sobre o segundo aspecto relevante do conceito de crime, o analítico, dispõe Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 590):
A elaboração do conceito analítico começou com Carmignani (1833), embora encontre antecedentes em Deciano (1551) e Bohemero (1732). Para Carmignani, a ação delituosa compor-se-ia do concurso de uma força física e de uma força moral. Na força física estaria a ação executora do dano material do delito, e na força moral situar-se-ia a culpabilidade e o dano moral da infração penal.
Desta forma, evidencia-se a perspectiva analítica do crime. Que, segundo a afirmação doutrinária, seria um concurso, um encontro entre dois acontecimentos. No caso, além da força física citada, que nada mais seria que o elemento material, também teríamos uma força moral. Essa força moral seria a parte subjetiva a ser analisada para a devida conceituação do crime. O que resta melhor elucidado pela afirmação de Fernando Capez (2012, p. 125):
Aspecto analítico: é aquele que busca, sob um prismajurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidadedeste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre ainfração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérpretedesenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todofato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve serobservada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso,verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, jásurge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ounão culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízode reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência dainfração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.
Observa-se assim, portanto, os pontos estruturantes da força moral, que é a parte subjetiva no conceito de crime. Como fora demonstrado, após a constatação da força material, se faz necessário a observação da análise da culpabilidade no fato. O que é de extrema importância para a classificação da conduta como crime, pois a constatação que há uma reprovação pelo ato cometido é um dos elementos estruturantes do conceito de crime.
Ademais, após tais considerações sobre os elementos conceituais do instituto penal classificado como crime, é de suma importância mencionar o conceito legal do que é crime. E para isso, destaca-se o afirmado por Cézar Roberto Bitencourt (2012, p. 592):
A Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro (Decreto-lei n. 3.914/41) faz a seguinte definição de crime: “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.
Destarte, evidencia-se o conceito legal de crime no âmbito jurídico brasileiro. O nosso Código Penal, por meio de sua Lei de Introdução, considera-o como uma infração penal definida por lei e que a mesma imponha como sanção para tal a pena de reclusão ou detenção, seja ela de maneira isolada ou em conjunção com a de multa. Além disso, o conceito trazido pela norma penal em vigor também diferencia o crime da contravenção, o que é de extrema relevância para a compreensão de cada um dos institutos.
Assim, vale ressaltar que a despreocupação da Lei de Introdução ao Código Penal em não conceituar cientificamente, ou de maneira doutrinária o crime, atendo-se para uma postura de pura demonstração de como se dão suas características, foi uma experiência positiva, rompendo com as experiências passadas cujo conteúdo era formal demais, não agregando nenhuma ajuda na conceituação legal de crime (BITENCOURT, 2012).
Ainda sobre o assunto, continua dispondo Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 594): “A divisão mais utilizada, porém, pelas legislações penais, inclusive pela nossa, é a bipartida ou dicotômica, segundo a qual as condutas puníveis dividem-se em crimes ou delitos (como sinônimos) e contravenções, que seriam espécies do gênero infração penal”.
Portanto, a legislação brasileira adota a divisão bipartida do conceito de crime. Isso é de suma importância, pois para que uma prática possa ser definida como crime, os elementos mais importantes presentes precisam ser a tipicidade e a ilicitude do mesmo, com a culpabilidade sendo considerada na aplicação da pena. (BITENCOURT, 2012). Sobre o tema, também conclui Fernando Capez (2012, p. 126):
Nosso Código Penal diz que: a) quando o fato é atípico, não existe crime (“Não há crime sem lei anterior que o defina” — CP, art. 1º); b) quando a ilicitude é excluída, não existe crime (“Não há crime quando o agente pratica o fato” — CP, art. 23 e incisos). Isso é claro sinal de que o fato típico e a ilicitude são seus elementos.
A presente afirmação nos remonta para dois pontos importantes no estudo das noções gerais do crime: a atipicidade e ilicitude. São dois pontos importantes, pois como exposto pelo doutrinador, o nosso Código Penal considera que as condutas consideradas atípicas, ou seja, aquelas cujo não exista uma lei anterior a sua prática definindo-as, não podem ser consideradas como crime.
Quanto à ilicitude, ocorrendo a sua exclusão, não é nem considerada a existência do crime, como pôde ser ressaltado por meio da afirmação supracitada. Além disso, o fato da culpabilidade não ser elemento constitutivo na conceituação legal do crime pode ser corroborado por Fernando Capez (2012, p. 126): “Agora, quando a culpabilidade é excluída, nosso Código emprega terminologia diversa: ‘É isento de pena o agente que...’ (CP, art. 26, caput)”.
Observando-se assim, portanto, após a análise do conceito de crime e de suas facetas, que o conceito legal de crime aplicado no âmbito jurídico brasileiro é o bipartido. Sendo considerada como crime, a conduta que possuir tipicidade e ilicitude. Desta forma, pode-se passar ao próximo elemento do estudo.
1.2. O Animal como Sujeito Passivo:
Após as considerações sobre os aspectos gerais que definem uma conduta como crime, passa-se para a observação da possibilidade de o animal figurar como sujeito passivo de um crime. Para tanto, se faz de suma relevância observar a afirmação de Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 637-638), sobre o assunto:
Sujeito passivo é o titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa. Sujeito passivo do crime pode ser: o ser humano (ex.: crimes contra a pessoa); o Estado (ex.: crimes contra a Administração Pública); a coletividade (ex.: crimes contra a saúde pública); e, inclusive, pode ser a pessoa jurídica (ex.: crimes contra o patrimônio). Sob o aspecto formal, o Estado é sempre o sujeito passivo do crime, que poderíamos chamar de sujeito passivo mediato. Sob o aspecto material, sujeito passivo direto é o titular do bem ou interesse lesado. Nada impede, no entanto, que o próprio Estado seja o sujeito passivo imediato, direto, como ocorre quando o Estado é o titular do interesse jurídico lesado, como, por exemplo, segundo a doutrina majoritária, nos crimes contra a Administração Pública. A análise pormenorizada dos sujeitos do delito, ativo e passivo, deve-se realizar no estudo da parte especial, em cada figura típica.
Sendo assim, de acordo com a demonstração do entendimento doutrinário sobre o como se constitui o sujeito passivo de um crime, podemos vislumbrar alguns detalhes. O primeiro deles é que as pessoas naturais e jurídicas podem ser consideradas como parte do pólo passivo de um crime. Além delas, o Estado e a coletividade também podem ser enquadradas nesse rol.
Entretanto, o ponto mais interessante a ser ressaltado é o fato de o Estado ser sempre considerado um sujeito passivo mediato. Isso ocorre pela responsabilidade que o Estado detém sobre a prática de crimes, sendo seu dever salvaguardar tais condutas, ou seja, a prática de um crime é uma ofensa, mesmo que mediata, ao Estado.
Porém, como pôde ser observado, os animais não constam como sujeitos passivos da prática de um crime. Isso se dá pelo fato dos animais no âmbito jurídico brasileiro serem considerados objetos, o que acaba acontecendo também no âmbito penal, sobre isso, afirma Fernando Capez (2012, p. 163): “Há casos em que se confundem na mesma pessoa o sujeito passivo e o objeto do crime;”.
Observando-se assim, portanto, que é praticamente isso que acontece no Direito Penal brasileiro quanto aos crimes praticados contra animais, uma confusão entre o sujeito passivo e o objeto do crime. Isso ocorre pelo fato já citado de que os animais não possuem esses status de sujeito passivo do crime, sendo considerado o objeto e o sujeito passivo o seu dono (BITENCOURT, 2012). Assim, a grande verdade é que de fato ocorre uma confusão entre o sujeito passivo e o objeto do crime.
- PROTEÇÃO DA FAUNA
2.1. Proteção Jurídica
Desde o início, a relação do ser humano com os animais é caracterizada pelo domínio, marcado primeiramente pela caça, onde não se tinha, ainda, uma ideia de compromisso com o futuros quanto aos recursos naturais, pois pensavam ser infinitos. Desde então, as florestas começaram a ser destruídas e os animais mortos e levados por meio do contrabando para fora do país, em condições inadequadas e cruéis, levando à morte de inúmeros. A população, em sua grande parte, não foi interessada em proteger os animais, como explica Lélio Braga Calhau (2004, p.?):
Ao contrário do que a maioria imagina, o pensamento crítico ambiental deita raízes há muito tempo em nossa história, existindo diversos trabalhos publicados no século XVIII e IXX que tratam da crítica ambiental, não com a abordagem atual, mas também, pelo contexto histórico, não menos importantes. Todavia, a cultura popular ainda deita raízes no passado e o meio ambiente e (em especial, os animais) são dizimados em alta velocidade, sendo que grande parte da população não protege ou se interessa pela proteção de nossa biodiversidade.
Enxergar o animal como sujeito de direitos ainda é algo difícil, uma vez que muitas pessoas os vêm como se fossem uma coisa, podendo ser objeto de violência e sem necessidade de punição. Como pode-se perceber na prática das vaquejadas, o boi é maltratado e nisso consiste a diversão do povo, não se importando com a vida que ale está sendo violada.
O aspecto econômico é bastante relevante no caso das vaquejadas, gerando apostas, empregos e até mesmo investimentos. E deste ponto de vista, o governo nem sempre tipifica a conduta como ilícita já que há circulação de dinheiro. Além do tráfico de animais, que movimenta muito dinheiro, enquanto funcionários públicos são coniventes com tal prática.(CALHAU, 2004, p.?)
Diante disto, a Constituição Federal trouxe em seu art. 225 que todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbindo ao Poder Público proteger a fauna de práticas que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Quando a Constituição refere-se à proteção à fauna, interessa ao homem até mesmo para efeito de garantir sua alimentação, pois o que a lei chama de fauna é um conjunto, e devem-se preservar todos os seres que constituem o ecossistema (é o conjunto de vegetais e animais que interagem entre si ou com outros elementos do meio ambiente, dando sustentação à diversidade biológica). A fauna e a flora devem ser juntamente protegidas, pois segundo o conceito de ecossistema, uma não vive sem a outra, há uma interação entre os vegetais e os animais. Por essa razão, se faz necessária à expressa proteção à fauna e as consequentes punições. O legislador determinou no art. 225, 3º da Constituição Federal que o infrator que causar lesões ao meio ambiente, está sujeito a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar o dano. Nota-se, que a responsabilidade é objetiva, basta que se prove o nexo causal entre a conduta do infrator e o dano, e estará o mesmo obrigado a repará-lo. (BISCAIA, 2011, p.?)
Em 1978, a UNESCO editou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, realizando no México, já em 1997, o primeiro encontro nacional pelos direitos dos seres vivos, onde se foi declarado o posicionamento pela dor e sofrimento imposta, pelo ser humano, aos animais. Essa Declaração, traz em seu art. 2º que cada animal tem direito ao respeito e que o homem, enquanto espécie animal não tem o direito de eliminar outros animais ou explorá-los, pois cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem. Prevendo, ainda, em seu art. 3º que nenhum animal deve ser maltratado e submetido a atos cruéis, e que se a morte de um animal for necessária, deverá ser instantânea, sem dores ou angústias. (CALHAU, 2004, p.?)
2.2. Proteção Jurídica Penal
O Decreto 16.590 de 1924, foi a primeira norma a explanar a crueldade contra os animais, chegando a proibir as brigas de galo e as corridas de touro. Mais tarde, em julho de 1934, o Presidente Getúlio Vargas promulgou o Decreto Federal 24.645, o qual previa medidas de proteção aos animais, tendo força de lei. (CALHAU, 2004, p.?)
Ao ser baixado o Decreto-Lei 3.688 em 1941, LCP (Lei de Contravenções Penais), expressava em seu art. 64 a proibição da crueldade contra os animais, o que gerou muita polêmica pelo fato da Lei de Contravenções Penais ter ou não revogado o Decreto anterior.Tal artigo do Decreto abrangia todos os tipos de crueldade contidas no Decreto 24.645. (CALHAU, 2004, p.?)
Ao aparecerem novas formas de crueldade passíveis de punição e, ainda, das novas exigências da sociedade, o significado de crueldade compreende os maus tratos em sua generalidade perversa, de maneira a se expandir à novas práticas de crueldade contra os animais, além de combater qualquer novidade acerca das condutas desumanas e dos maus tratos. Estabelecendo normas legais coerentes com realidade contemporânea. Surgindo a aprovação de outras leis, como o Código de Pesca, a Lei de Proteção à Fauna.
A Lei 9.605/98 foi o mecanismo mais adequado ao se tratar da proteção dos animais, tipificando como crime as crueldades e maus tratos cometidos contra os mesmos. Tornando-se crime praticar ato de abuso, ferir, maus tratos ou mutilar animais domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, silvestres. Com detenção de três meses a um ano. O Direto Penal passou a garantir efetivamente a proteção do meio ambiente.
O Direito Penal se expandiu bastante, passando a proteger bens jurídicos no sentido de crimes de internet, lavagem de capitais, contra o consumidor, e o Direito Penal Ambiental fazendo parte dessa evolução também. Haja vista que, apenas a lei ambiental não tem boa eficácia, sendo necessária a criação de uma norma intimidadora, a exemplo da LEI 9.605/98.
- UMA ANÁLISE DAS VAQUEJADAS SOB A PERSPECTIVA PENAL
3.1. Vaquejadas
A vaquejada é um “esporte”, onde dois vaqueiros montados a cavalo perseguem o boi até que ele fique emparelhado entre os dois cavalos e seja derrubado. Presume-se que a origem da vaqueja se deu no sertão nordestino, quando não havia cercas e os animais eram marcados e soltos na mata. Quando era preciso juntar os gados, os fazendeiros chamavam seus vaqueiros.
Os vaqueiros vestiam gibões de couro e entranhavam na mata em busca dos bois, de maneira que faziam malabarismo para não se arranharem nos espinhos e pontas de galhos secos do cerrado. Alguns animais eram muito bravos por nunca terem tido contato com humanos, e nessa busca, alguns dos homens se destacava pela habilidade e valentia. Surgiram, então, as competições.
A primeira vez que ocorreu uma vaquejada foi no Ceará, na cidade de Morada Nova. Em 1880 se praticava com a lida do boi, em apresentações em sítios e fazendas, ainda não havia formalmente a palavra vaquejada. Em 1920 começou a surgir a ideia da festa de vaquejada, com brincadeiras de argolas e corridas de pé-de-mourão. E em meados dos anos 60, se iniciaram as primeiras vaquejadas na faixa dos seis metros, mas, eram eventos pequenos. Na década de 80, houve alteração nas regras, passando a ser uma faixa de dez metros e distribuição de prêmios para competidores. E a partir dos anos 90 começou a ser vista como um grande negócio, o vaqueiro passou a ser reconhecido e até mesmo ingressos são cobrados para participação do evento.
Acerca da vaquejada, afirma Thomas de Carvalho Silva (2009): “Era a “Festa da apartação”, da separação do gado. Feita a separação, acontecia a vaquejada. São provas que mostram a habilidade dos peões e vaqueiros na lida com cavalos e gado”. Desta forma, observa-se que o objetivo da “modalidade esportiva” vaquejada é promover a demonstração das habilidades dos peões no manejo do Boi.
Entretanto, a Constituição Federal no seu art. 215, § 1º, dispõe: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. É sobre esse prisma, que a prática da vaquejada é albergada.
Pois apesar de usar os animais como objetos de uma atividade esportiva que busca demonstrar habilidades dos seus praticantes, a mesma é vista como uma manifestação cultural, como pode ser observada pela afirmação de Sônia de Souza Mendonça Menezes (2006, p. 1): “A vaquejada, festa que teve origem no sertão nordestino com a labuta na criação de gado, a partir da festa da apartação expressa uma representação cultural arraigada do sertanejo constituindo em uma prática lúdica rural”.
Entretanto, apesar de tal visão esportiva considerada por muitos defensores da vaquejada, não foi a mesma visão que o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, teve sobre a Farra do Boi, que é uma análoga da vaquejada presente no Estado de Santa Catarina, segue o voto:
Garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do art. 225, § 1º, inciso VII, da CF, que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade.” (STF - Min. Marco Aurélio - Recurso Extraordinário nº. 153.531-8/SC).
Observando-se assim, portanto, que a vaquejada apesar de ser considerada por muitos como um esporte e uma manifestação cultural, ela vale-se do animal como objeto para o seu fim. E a partir desse uso faz-se necessário uma observação de um limite para que não ocorra a prática de maus-tratos contra os mesmos.
3.2. Direitos violados e a Lei 9.605/98
Considerando-se os animais como portadores de direitos e possuidores de interesses, seus direitos são abrangidos na Constituição Federal brasileira, em seu art. 225, § 1º, inc. VII:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
- 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Portanto, deve-se proteger a fauna (animais), de práticas que os submetam à crueldade, como ocorre na vaquejada, sendo esta ilegal e inconstitucional. Os animais são expostos à crueldade e maus tratos em troca da diversão do homem. Tais maldades são perceptíveis no parecer técnico da Dra. Irvênia Luiza de Santis Prada, divulgado em 25 de julho de 2009:
“Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma sequência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência, existe a ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. Como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental.
A estrutura dos equinos e bovinos é passível de lesões na ocorrência de quaisquer procedimentos violentos, bruscos e/ou agressivos, em coerência com a constituição de todos os corpos formados por matéria viva. Por outro lado, sendo o “cérebro”, o órgão de expressão da mente, a complexa configuração morfo-funcional que exibe em equinos e bovinos é indicativa da capacidade psíquica desses animais, de aliviar e interpretar as situações adversas a que são submetidos, disto resultando sofrimento.” (apud, LEITÃO, 2002, p. 23)
A Lei 9.605/98 criminaliza a prática da vaquejada, na medida em que os animais são feridos, mau tratados ou até mortos, como traz expressamente em seu art. 32:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
- 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
- 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
A vaquejada é uma atividade esportiva que chega a causar repulsa, os animais são submetidos à crueldade, o boi é cercado pelos vaqueiros e submetido a chutes e chicotadas em algumas partes do corpo, até mesmo nos testículos, para que o animal fique mais afoito, aumentando o grau de dificuldade para os concorrentes. Nesta visão, é impossível não enxergar que existe o sofrimento do animal. Portanto, a vaquejada resume-se em dominação do animal, seguido de seu sofrimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Por todo o exposto, verifica-se que o animal não humano pode ser considerado sujeito passivo de crime, portadores de direitos. Tanto, que a própria Constituição Federal traz em seu art. 225, § 1º, VII o dever da proteção aos animais, fazendo com que as práticas que violem este dispositivo se tornem ilegais.
Diante disto, as vaquejadas são tidas como atividades ilícitas e ilegais, uma vez que viola a Constituição, sendo, ainda, tipificada como crime através do advento da Lei 9.605/98 contra os maus tratos aos animais. Portanto, se estabelece uma relação entre o animal não humano como sujeito passivo de crime, tendo seus direitos tutelados e garantida sua proteção.
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. Vol. 1. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CALHAU, Lélio Braga. Meio ambiente e tutela penal nos maus-tratos contra animais. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5585/meio-ambiente-e-tutela-penal-nos-maus-tratos-contra-animais>. Acesso em 03 maio 2015.
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STF - Min. Marco Aurélio - Recurso Extraordinário nº. 153.531-8/SC.
[1]Alunos do 2° período vespertino do Curso de Direito, da UNDB.