O AMOR DE BLIMUNDA SETE-LUAS E BALTASAR SETE-SÓIS...
Por Solineide Maria Oliveira | 16/11/2016 | LiteraturaUNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS
O AMOR DE BLIMUNDA SETE-LUAS E BALTASAR SETE-SÓIS,
POSSÍVEIS REPRESENTANTES DA EFETIVAÇÃO DO AMOR
ENTRE SANTA CLARA E SÃO FRANCISCO DE ASSIS,
NO LIVRO MEMORIAL DO CONVENTO, DO ESCRITOR JOSÉ SARAMAGO.
ILHÉUS - BAHIA
2009
SOLINEIDE MARIA DE OLIVEIRA
Trabalho de conclusão de semestre apresentado a Professora Dra. Patrícia Kátia da Costa Pina, da Disciplina Literatura Portuguesa II, no Curso de Letras, da Universidade Estadual de Santa Cruz, como requisito para obtenção do terceiro e quarto créditos.
Dedico este artigo a professora Patrícia Pina e Clinio Jorge. E dedico ao meu marido Jorge Rodrigues que o Oceano Atlântico me trouxe. Estes que tem olhos de ver e ler - os livros. Estes, que representariam pessoas - “por dentro”.
Obrigada.
Eu escrevo para desassossegar.
José Saramago
O AMOR DE BLIMUNDA SETE-LUAS E BALTASAR SETE-SÓIS: POSSÍVEIS REPRESENTANTES DA EFETIVAÇÃO DO AMOR ENTRE SANTA CLARA E SÃO FRANCISCO DE ASSIS, NO LIVRO MEMORIAL DO CONVENTO.
Solineide Maria de Oliveira
Aluna do Curso de Letras da UESC
solys2002@hotmail.com
Professora Dra. Patrícia Pina
Orientadora
dacostapina@gmail.com
Este artigo intenta discutir sobre o reencontro de duas criaturas que amaram tanto - segundo relatos históricos, São Francisco de Assis e Santa Clara - a ponto de se destinarem à mesma causa: morrer na clausura, caridade, bondade, e no amor. O desassossego que surgiu e cresceu durante a leitura do romance Memorial do Convento, de José Saramago, foi o de que, talvez, o autor tenha posto nas personagens Baltasar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas, a possibilidade da efetivação do amor daqueles dois santos, realizada nesses dois protagonistas que vão se amar de fato, e se darão um ao outro, porque só tem a si próprios, e vão ficar juntos até sempre. Dessa maneira, trilharemos o caminho das definições mais gerais do que viria a ser o amor. Nossa pretensão é a de buscar a análise de uma interpretação do “amor” e do amor que o casal em cita traz para a real possibilidade de vivência na vida, evocando o possível reencontro de Francisco de Assis e Clara de Assis. Esta pesquisa será embasada á luz dos postulados de Júlia Kristeva, mas serão visitados autores, os quais possam beneficiar nossa tarefa.
Palavras-chave: Amor, História, Ficção.
1 Justificativa
História e ficção, neste romance, se entrelaçam, enquanto o Convento de Mafra é construído. O autor não se preocupa muito, parece, com o título de autor histórico, que ora ou outra lhe conferem os jornalistas e críticos de literatura; para ele, supõe-se, o mais interessante é trabalhar com a ficção dentro da História. Assim, valorizaria outros rumos na obra, por exemplo: o do Fantástico.
Diz-se que escrever fez-se necessário, para, dessa forma, se contar a História. E, já que “a aventura passou a ser a própria escrita, o amor e a morte, como histórias, ficaram num segundo plano. Mas ficaram” (Novas coordenadas do Romance Português, 1983, p. 33).
Importante definir, que lançaremos nessa pesquisa um olhar sobre o amor entre duas personagens, Blimunda e Baltasar, protagonistas no romance Memorial do Convento, livro publicado em 1982.
José Saramago visa entrelaçar suas narrativas nas entrelinhas desse assunto, que parece fora de moda na contemporaneidade, mas que em verdade, far-se-ia necessário debatê-lo até, quem sabe um dia, se torne realizável efetivamente. Este escritor indica que o desassossego seria a maneira ideal de localizar plausíveis respostas para muitos dos questionamentos do ser.
2 Do amor
Supõe-se que há alguns tipos de amor. Dividiram-no, mas em geral, o amor seria alguma coisa entre boa e saudável. Ele traria a paz que consola e o silêncio que fala ao mais íntimo e sugere dizer em palavras de algodão: fique bem.
Os filósofos escreveram sobre ele, ainda que o marginalizassem. Os poetas, romancistas, apaixonados escreveram inúmeras cartas de amor a suas amadas e amados. Os cristãos escreveram, os ateus escrevem.
O que é tal força? Seria o minúsculo efeito de dentro, que traçaria rumores de uma possível paz interior com o exterior? E esse amor com o outro, do outro, de outro? É amor, atração física? Primeiro lancemos algumas definições importantes sobre o amor:
Em Aristóteles, “o amor é uma força metafísica”. Uniria fogo, terra, água e ar; seria o responsável pela harmonia desses elementos. Ele ainda manteria tudo unido, junto e bem. Conforme Platão, “o amor é falta, insuficiência, ao mesmo tempo é desejo de conquistar o que não se possui”. (AS FONTES DE PLATÃO E ARISTÓTELS NÃO FORAM CITADAS)
Evocando o poeta Rilke, exporíamos o amor como atitude de crescimento enquanto ser humano, pois, este nos diz que: “Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação” (RILKE, 1978, p. 56).
Stendhal diz que “o amor é um sentimento tão delicioso porque o interesse de quem ama confunde-se com o do amado” (STENDHAL, 2007, p. 260).
“Amor! Sensata loucura, sufocante amargura, vivificante doçura: sentencia Shakespeare em Romeu e Julieta.
Santo Agostinho assevera que “amar a Deus significa amar o amor, mas ninguém pode amar o amor, se não se ama quem ama. Não é amor o que não ama ninguém”. Dessa maneira, o homem não conseguiria dizer que ama a Deus sem amar ao outro – o seu semelhante. O amor fraterno seria originário de Deus e mais, seria o próprio Deus − seria a revelação de Deus nos homens.
Há ainda a crença de que “o amor resume toda a Doutrina de Jesus, porque é o sentimento por excelência”. E para quem ama, a felicidade o sorri, pois, “aquele que ama, não conhece as angústias da alma”. O amor em Cristo “é de essência divina e o limite desse amor seria o de amar a Humanidade inteira” (KARDEC, O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 207). INCLUIR KARDEC NA BIBLIO
No texto bíblico Coríntios, todas as definições do amor nos levam a entendê-lo como a um comportamento, um sentimento sim, mas mais do que isso seria comportar-se amando. O amor seria o que fazemos com o amor, com a linguagem do amor (Bíblia Sagrada. Coríntios I, 13).
Definições parecem importantes, mas estão muito mais para conceitos, e conceitos mudam. O que pretendemos analisar em Saramago, mais especificamente na história do amor de Blimunda e Baltasar, é a fascinante narrativa de um amor que sugere abarcar todas as definições indicadas e outras que queiram nascer.
Ambos, com o amor que sentem um pelo outro, enfrentam o que vier, mas não porque são fortes fisicamente, pois Blimunda mal come, Baltasar igualmente. Pobres e quase andarilhos, não fosse a amizade de um padre que sonha em construir uma “coisa que voa” – a passarola. Pode-se sugerir que tal amor alimenta por ser tão forte, livre, limpo, tranqüilo, sincero. A força dos dois, por mais piegas que a frase possa parecer, estaria no amor recíproco.
E, nesse caso, o amor, como elemento que fortalece o ser, vindo do texto bíblico ou do verso de algum poema de poeta português, seria a força motriz dessa história. O amor que alimenta, mas que alimenta o outro e, que acima de tudo, “não se envaidece”.
Ficcionar sobre a relação de Baltasar e Blimunda, tão Irmão Sol – Irmã Lua, seria, então, uma maneira de efetivar o encontro daquele primeiro casal (São Francisco de Assis e Santa Clara) e trazer o amor mais amor, para a Terra.
Saramago estaria a declarar que o amor dos dois é aquele que deveria existir entre nós. Ou, de outra maneira, entre os que se dizem amar e/ou se casam e/ou vivem juntos. Uma mensagem subreptícia que desperta a reflexão de que todo homem e mulher deveriam amar assim, sem adjetivação: simplesmente amar. Servir e ser servido com a carne de ambos; ouvir, calar, falar e silenciar. Deitarem-se, darem-se e dormir. Amanhecendo, seria preciso comer um naco de pão e cear a vida, praticando um contrato que consiste em ver apenas o necessário (ela). Pegar o alforje, arrumar a coragem e cear a beleza de acordar bem com sua amada de olhos multicoloridos (ele).
Seria assim, caso houvesse se efetivado, o amor de São Francisco e Santa Clara? Talvez. E muito provavelmente gostariam de serem chamados de Sete-Sóis e Sete-Luas. Lembrariam dos velhos nomes, gentilmente cedidos por seus admiradores, seguidores, crentes da mesma fiúza.
Saramago inauguraria um discurso amoroso. Talvez esse discurso – novo – seria muito bem-vindo, já que o mundo contemporâneo parece não ser capaz de criar um discurso de amor que o socorra.
De certa forma, o autor indicaria ter encontrado uma maneira de esses dois se amarem como homem e mulher, já que indícios na História informam de que foram os mais próximos enquanto religiosos. Próximos e admiradores um do outro: “a sujeição é amorosa” (Cântico dos Cânticos de Salomão).
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