O Alcance do Artigo 200 do CTN
Por Leonardo Mariot | 27/01/2009 | DireitoO Código Tributário Nacional junto com a Carta Magna exige um equilíbrio entre o direito de fiscalizar, arrecadar e cobrar conferido aos agentes da Administração Tributária e as garantias e os direitos assegurados ao contribuinte.
Até o momento não há uma regulamentação expressa a nível nacional norteando a relação entre o Fisco e o contribuinte de maneira consolidada em um único Estatuto legal. No entanto, vale salientar que algumas Unidades de Federação, e aqui ficam minhas congratulações, já possuem o Código de Defesa do Contribuinte, a exemplo o estado de São Paulo ao editar a Lei Complementar nº 923/03.
Cabe ao contribuinte se familiarizar com suas obrigações preconizadas em leis próprias assim como seus direitos perante o fisco, procurando sempre evitar o desatendimento à lei e abuso por parte dos agentes fiscais. As regras pertinentes às obrigações e fiscalizações estão contidas entre os artigos 194 e 200 do CTN.
Observando pelo aspecto constitucional percebe-se que os agentes da Administração Tributária não podem se valer de expedientes repudiados pelo Sistema Tributário Nacional. Suas condutas devem se pautar pelos princípios da impessoalidade, legalidade, moralidade, razoabilidade, eficiência, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e do interesse público.
Sob o âmbito do Fisco, não há qualquer disposição que exclua ou limite o direito dos agentes fiscais de examinar livros, arquivos, mercadorias, documentos e papéis dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los, isso é observado na Súmula 439 do STF. A Súmula do Supremo não quer estabelecer ao Fisco um comando autoritário, nem dar uma extrema liberdade aos agentes fiscais para que possam abusar desse poder. O que o Supremo estabelece é a imposição do exercício do DEVER-PODER atribuído aos agentes em decorrência do princípio da supremacia do interesse público ao do particular.
Quando os agentes fiscais se tornam vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, como também quando houver necessidade de auxílio para a efetivação da medida prevista na legislação tributária, podem requisitar diretamente o apoio da força pública federal, estadual ou municipal.
Os Agentes Fiscais não podem promover devassas ou exceder em suas atribuições, em típica hipótese de abuso de poder, porquanto a oficialidade, razoabilidade, polidez e vinculação à lei são absolutamente necessários à ação fiscal, sob pena de nulidade dos atos, responsabilidade civil do Estado e do agente, enquadramento criminal, sem prejuízo do competente inquérito administrativo.
De acordo com os ensinamentos do professor Hugo de Brito Machado a requisição pode ser feita diretamente pela autoridade administrativa independente da intervenção judicial. Devemos, no entanto, distinguir hipóteses em que a requisição pode ser feita diretamente pelo agente fiscal e quando deve ser necessária uma decisão judicial.
O que devemos preconizar é o alcance do artigo 200 do CTN. Se dermos total liberdade a ele, e é o que o legislador não soube delimitar, torna-se um dispositivo altamente inconstitucional, cria-se um enorme conflito com as garantias constitucionais.
A partir do momento em que a conduta dos agentes, em conjunto com o poder público de polícia, atinge uma garantia constitucional, mister se faz, no mínimo, uma autorização judicial, pois se tratam de direitos estabelecidos pela Carta Magna. Exemplo corriqueiro é a violação de domicílio. Se o agente fiscal notifica a empresa sonegadora, inicia um procedimento fiscal não tendo a colaboração do contribuinte, notório é a necessidade de auxílio da administração pública para adentrar ao estabelecimento em tese para realizar o trabalho que o contribuinte se negou a fazer. Diferente, no entanto, o crime considerado como Excesso de Exação.
O excesso de exação ocorre no abuso, no meio vexatório de cobrança, excesso de poder. Como já citado anteriormente, o uso do poder de polícia é necessário, mas necessário apenas nos casos estabelecidos em leis próprias e devendo sempre ser observado o princípio da razoabilidade.
O Instituto da razoabilidade encontra respaldo na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. A palavra Razoável a contrario sensu, pode ser definida de aquilo que não pode ser. O meio deve justificar o fim.
Acerca do assunto, o professor Celso Antonio Bandeira de Mello in "Curso de Direito Administrativo", Malheiros 2002, 14ª edição p. 91-93 afirma:
"Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa, muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador queira tomar; é dizer, que avalize previamente as condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia irrogar dislates à própria regra de Direito."
Manter policiais em frente à empresa idônea por apenas uma suspeita, aplicar a pena de perdimento de bens a produtos vítimas de um possível subfaturamento, violar domicílio sem autorização judicial caracteriza o excesso de poder e grave ferimento as garantias constitucionais. O excesso de exação também fere, e muito, os princípios constitucionais, principalmente os da razoabilidade. Imaginemos uma loja comercial em um ambiente bem freqüentado. Ao acaso, há uma suspeita de falta de pagamento do ICMS, ou, qualquer imposto, e por isso, abrirá um Procedimento Fiscal Administrativo. Iniciado o procedimento a autoridade fiscal comparece ao seu estabelecimento acompanhado de inúmeros policiais federais cobrando livros razão, diário, notas fiscais, cada policial com uma arma de grande calibre, tudo isso para iniciar um procedimento fiscal onde a loja é estabelecida na rua mais importante da cidade e que a dona seria uma senhora de setenta anos de um metro e cinqüenta. Pergunta-se, seria necessário tudo isso? Havia algum risco da senhora se negar a oferecer os documentos necessários e sair atirando em todo mundo? O absurdo está em imaginar se o procedimento fiscalfinalizar alegando equívoco por parte do fisco, danos morais, lucros cessantes serão notórios a loja.
Faço questão em citar, por respeito ao debate, que além do fato da administração tributária abusar, em alguns casos, o poder lhe conferido, observamos um grave desentendimento entre o poder judiciário e o administrativo, e por isso cito o exemplo da pena de perdimento de bens, impossibilitado pelas Súmulas 323 e 547 do STF, no entanto, insignificantes para a administração tributária, que sempre aplica o artigo 618 do Regulamento Aduaneiro.
Isto posto, atesto a necessidade da aplicação do artigo 200 do CTN, mas com suas devidas limitações as garantias constitucionais. Exponho também a insatisfação com uma notória disputa de poder entre o judiciário e o administrativo,sendo necessária uma atitude paralela e não perpendicular.
Referências:
1- CARVALHO, Paulo de Barros, 2008, Curso de Direito Tributário, 20ª edição, São Paulo. Editora Saraiva
2- HARADA, Kiyoshi. Invasões de empresas por suspeitas de fraude tributária . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 794, 5 set. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7241>. Acesso em: 7 jan. 2009.
3. SEGUNDO, Hugo de Brito Machado Segundo, Processo Tributário, 3ª edição, Editora Altas, São Paulo 2008.
4. Professor Celso Antonio Bandeira de Mello in "Curso de Direito Administrativo", Malheiros 2002, 14ª edição p. 91-93