O ALÇAMENTO DAS VOGAIS PRETÔNICAS O E NO NOROESTE PAULISTA
Por Mateus Henrique Ramos Poltronieri | 25/04/2010 | EducaçãoMateus Henrique Ramos POLTRONIERI[1]
RESUMO: Esse trabalho tem por objetivo estudar o alçamento vocálico das vogais /o/ e /e/ em contextos lingüísticos do noroeste paulista, mais precisamente na cidade de São José do Rio Preto. Nesse fenômeno a vogal pretônica /o/ tende a ser pronunciada como /u/ como em c[o]mida ~ c[u]mida e a vogal pretônica /e/ como /i/ como em b[e]bia ~ b[i]bia.
UNITERMOS: Alçamento; consoantes; vogais pretônicas.
1. Introdução
Por que existem diversas maneiras de se pronunciar a mesma palavra em um país onde o português é a única língua oficial? Para essa pergunta é possível se obter várias respostas. Mas o objetivo desse trabalho não é encontrar todas elas, mas apenas debater questões fonéticas e fonológicas a respeito da pronúncia das palavras. Mas precisamente discutiremos o fenômeno do alçamento das vogais pretônicas /o/ e /e/ em verbos e não-verbos. Essa discussão que se inicia é importante para estudar os fenômenos lingüísticos envolvidos nesse processo, além de entender se tal processo passa a ser estigmatizado pelas classes dominantes de nosso país.
Procuraremos entender por que algumas pessoas dizem m[i]nino ao invés de m[e]nino, explicitando os fatores lingüísticos que favorecem ou não o alçamento. Nessa mesma linha de raciocínio, tentaremos mostrar a razão pela qual muitas pessoas escrevem e pronunciam palavras trocando-se /e/ pelo /i/ e /o/ pelo /u/, mostrando porquê tal erro também é responsável pela deficiência do aprendizado do aluno em língua portuguesa.
2. Reflexões iniciais
O alçamento da vogal pretônica é um fenômeno mais comum do que se mostra. Não é difícil encontramos pessoas dizendo t[u]mate, c[u]mida ou ainda [i]scola e m[i]nino. Claro que fatores como a região onde tais falantes se encontram, a situação financeira da família e a variação dialetal ajudam a explicar esse processo. Entretanto, há também justificativas de cunho fonético e fonológico que nos ajudam a entender o porquê esse processo ocorre com tanta freqüência.
Tal alçamento da vogal pretônica, que vulgarmente podemos definir como "troca" de uma vogal (e, o) por outra (i, u) pode ser explicada por dois fatores: um deles consiste na redução vocálica, ou seja, numa espécie de redução da diferença articulatória que ocorre entre a vogal alçada e a consoante adjacente (Silveira &Tenani, 2007). Outro fator, talvez mais comum, é a harmonização vocálica, que nada mais é que a assimilação do traço de altura presente nas vogais altas /i/ e /u/, ou seja, estando essas vogais presentes nas silabas seguintes, o alçamento das vogais média-altas /e/ e /o/ é favorecido.
No trabalho que segue temos como corpus um inquérito extraído do banco de dados do projeto IBORUNA, vinculado ao IBILCE, campus da UNESP de São José do Rio Preto, onde os próprios pesquisadores do Instituto levantaram os dados para pesquisa. Utilizaremos para análise apenas o corpus intitulado NR – narrativa recontada-. A informante em questão possui 14 anos, do sexo feminino, cursado o ensino fundamental, da cidade de São José do Rio Preto e cuja renda familiar é de até 5 salários mínimos.
3. Análise do corpus
Antes de analisarmos algumas palavras onde há possibilidade de ocorrer o alçamento, vamos estruturar nossa análise. O nosso roteiro de estudo, por assim dizer, inclui as consoantes precedentes, as seguintes, estrutura da sílaba entre outros pontos que julgamos importante. Para facilitar nosso trabalho vamos, de início, classificar as consoantes quanto ao seu ponto de articulação: bilabial (b, m, p), labiodental (f, v), alveolar (d, l, n, r, s, t, z) e velar (k, x). Tal classificação será de extrema importância para as análises comparativas que seguem.
Nos inquéritos estudados encontramos aproximadamente 381 palavras onde /e/ e /o/ ocorrem como vogais pretônicas, sendo que em 107 desses casos ocorre o alçamento, ou seja, em aproximadamente 28% do total pesquisado. No decorrer deste trabalho vamos detalhar cada processo que ocorre no alçamento, o que o favorece ou não entre outros fatores.
3.1 Alçamento: consoante seguinte
A seguir segue tabela com os resultados obtidos ao analisarmos as ocorrências de alçamentos em relação às consoantes seguintes.
Tabela1:
Ponto de articulação da consoante |
Nº de alçamentos |
Porcentagem de alçamentos – dentre o total de alçamentos encontrados |
Bilabial |
17 |
15,8% |
Alveolar |
67 |
62,6% |
Velar |
0 |
0% |
Labiodental |
1 |
0,09% |
Tepe |
14 |
13 % |
Analisando os resultados obtidos observamos que as alveolares seguintes às vogais pretônicas favorecem o alçamento, onde em um contexto no qual ocorreram 110 alçamentos, 67 foram propiciados por uma consoante alveolar, como em [i]scola, m[i]nino (16% das ocorrências dentre as alveolares seguintes), [i]ncantada, [i]ntão e b[u] nito. Chamamos atenção com relação à consoante alveolar nasal /n, por se tratar da consoante seguinte dentre todas as estudadas que mais favorece o alçamento. Segundo constatações de Silveira & Tenani (2007), as alveolares nesse contexto fonológico, favorecem o alçamento, constatações essas confirmadas pelos resultados aqui apresentados. Em contexto onde uma bilabial se encontra na sílaba seguinte também há o favorecimento do alçamento, como em c[u]migo.
Já as velares nesse cenário atuam de forma a inibir o alçamento, uma vez que não foram encontradas ocorrências desse fenômeno no corpus estudado.
Outro fator de alçamento encontrado é o tepe ou o 'r' retroflexo. Entretanto, todas as ocorrências em contexto seguinte onde ocorre o alçamento são na palavra porque, pronunciada p[u]rque. Em outras palavras, onde o tepe ou o "r" retroflexo encontra-se em contexto seguinte não encontramos o alçamento. Sendo assim, não é significativo levar em consideração o tepe ou o "r" retroflexo como fator de peso para a ocorrência do alçamento, uma vez que nessas condições apenas a palavra porque apresenta ocorrências significativas.
3.2 Alçamento: consoante precedente
Antes de discorrer sobre a possibilidade de alçamento em contexto de consoante precedente, apresentamos outra tabela para posterior análise.
Tabela 2:
Ponto de articulação da consoante |
Nº de alçamentos |
Porcentagem de alçamentos – dentre o total de alçamentos encontrados |
Bilabial |
37 |
34,5% |
Alveolar |
13 |
12,1% |
Velar |
0 |
0% |
Labiodental |
6 |
0,5% |
Tepe |
2 |
0,01% |
Em começo de palavra tivemos um alto índice de alçamento. Em uma escala de 15 vocábulos onde ocorre o alçamento de uma determinada NR – corpus analisado – encontramos 9 palavras onde tal processo se dá em início de palavra. Do tal de alçamentos encontrados – 107 – em quarenta e seis oportunidades esse fenômeno ocorreu no início da palavra, ou seja, em 43% dos casos onde foram encontrados alçamentos. Dentre elas temos [i]scola,[i]mbora, [i]ncantada, [i]ncontrado e [i]ntão. Notamos que apenas a vogal média-alta anterior /e/ sofreu o alçamento em início de palavra, o que não ocorreu com a posterior /o/.
Outra observação foi em relação ao traço de labialidade presente nas bilabiais – Silveira e Tenani (2007) – que seria o responsável pela realização do /u/, ao invés do /o/. Em 70% dos casos onde uma bilabial precede uma pretônica ocorre o alçamento: m[i]nina,b[u]nita, e m[i]nino.Outra vez chamamos atenção para a palavra p[u]rque, que se inicia com consoante bilabial e responde por grande parte dos alçamentos encontrados. Entretanto há casos onde não ocorre o alçamento nesse contexto de consoante precedente, como em palavras como em p[e]rguntou e p[e]gou.
No caso de consoante alveolar tivemos ocorrências consideráveis principalmente no que se refere à palavra c[u]migo, palavra essa que sempre apresentou a ocorrência de alçamento. Em outras palavras, no entanto, cuja pretônica vem precedida de alveolar não ocorreu o alçamento, como em s[o]lteiro e d[e](i)xô(u), por não estar em um ambiente fonológico de harmonização vocálica adequado.
As velares e o tepe não apresentaram resultados significativos nesse contexto fonológico o que nos leva à conclusão que tais consoantes, exercendo papel de consoante precedente de uma vogal pretônica em uma palavra, não favorecem o alçamentos de tal pretônica.
3.3 Outros fatores responsáveis pelo alçamento
Constatamos que as vogais tônicas presentes na sílaba posterior também contribuíram para o alçamento das átonas em alguns casos exercendo, assim, influência nelas. A mais freqüente é a vogal alta /i/, como em m[i]nina, c[u]migo e b[u]nita. Com relação à estrutura silábica, as sílabas pretônicas abertas (CV) trabalham em favor do alçamento, como nas palavras b[o]nita ~ b[u]nita e c[o]migo ~c[u]migo. Tais constatações também foram obtidas por Silveira & Tenani (2007). Encontramos alguns casos onde a estrutura (CVC) na qual a pretônica fica "ilhada" entre as consoantes, dificulta o processo de alçamento, como nas palavras colega e conta(r). Porém isso não é uma regra, pois em muitas palavras com essa mesma estrutura ocorre o alçamento: p[u]rque e c[u]migo.
4. Conclusões
Após algumas análises e pesquisas sobre o fenômeno do alçamento ocorrido na região noroeste paulista, mas precisamente na cidade de São José do Rio Preto, chegamos a algumas constatações: o alçamento é um fenômeno contínuo da língua portuguesa e tende a continuar ocorrendo. Por isso torna-se alvo do preconceito lingüístico que envolve pessoas que se utilizam de outro dialeto e que consideram esse fenômeno, como outros tantos que ocorrem na língua materna, uma anomalia lingüística.Constatamos, ainda, que esse processo ajuda os especialistas em educação e até mesmo os docentes a entenderem a grande quantidade de erros ortográficos cometidos pelos alunos ao se utilizarem da língua para escreverem uma redação, por exemplo. Já que em muitos casos, algumas vezes por culpa do próprio professor, é passada ao aluno a idéia de que a escrita é a representação exata da fala. Assim, temos subsídios para entender o porquê de tantos erros ortográficos, onde na verdade o aluno está apenas colocando em prática tal idéia de que a fala está literalmente para a escrita.
É claro que essas conclusões não são únicas e nem definitivas. Aqui temos apenas uma pequena amostra de um estudo sobre alçamento, mas que já é suficiente para entendermos algumas situações do nosso cotidiano como futuros docentes e compreender que a discussão que envolve as questões da língua, como o alçamento, estará sempre aberta a novos estudos e a novas possibilidades.
Abstract:The aim of this article is studying the vowel raising process of the vowels /o/ and /e/ in linguistics contexts of northwest of Sao Paulo state, more precisely in the city of Sao Jose do Rio Preto. In thisphenomenon, the pretonic vowel/o/ tend to be pronounced as /u/ as in c[o]omida ~ c[u]mida and the pretonic vowel /e/ as /i/ as in b[e]bia ~ b[i]bia.
Keywords: raisingprocess; consonants; pretonic vowels.
The raising of pretonic vowels /o/ and /e/ in the northwest of the state of sao paulo: which factors contribute to such vowels are pronounced as /u/ and /i/ in certain contexts ?
Referências Bibliográficas
SILVEIRA, A. A. M. da., TENANI, L. E. Elevação vocálica no dialeto do interior paulista: contribuições para os estudos de variação fonológica do Português do Brasil. Alfa: Revista de Lingüística (UNESP. São José do Rio Preto. Impresso), v. 52, p. 447-464, 2008.
Os dados utilizados nesse trabalho encontram-se na seção "banco de dados - amostra censo (AC)" no site do projeto IBORUNA, disponível em:
<www.iboruna.ibilce.unesp.br. Acesso em 2008.>
ANEXO
Amostra do corpus utilizado
NR - I
Doc.: você se lembra assim de alguma coisa que tua mãe contô(u) pra você assim alguma histó::ria?... ou que seu pa::i?
Inf.: olha meu pai ele conta assim:: bastante coisa assim:: ele é mu::ito bom pra isso... eu pergunto várias coisas pra e::le uma vez... eu tenho um problema de cólica também cólica eu num/ eu tenho mal absorção à lactose... e às vezes ele:: tinha que::/ ainda num sabia que era isso né? e eu tinha có::lica gases e... de noite ele tinha que saí(r) pra dá(r) uma vo::lta comigo... porque eu passava mal... pra me disTRAÍ(r) pra vê(r) se melho::ra... [Doc.: ah] aí eu ficava perguntan(d)o pra e::le é::... negócio de De::us de religiã::o como é que Deus surgi::u... o quê que é Deus... ficava perguntan(d)o diversas co::isas
Doc.: o que que ele te contô(u)?
Inf.: ah:: ele falava que::... agora eu num sei se eu vô(u) me lembrá(r)... tem pessoas que num acreditam tem pessoas que acreditam em Deus aí ele me perguntô(u) se eu acredito... eu FALEI que eu acredito SIM... porque:: às vezes eu passo/ peço alguma ajuda pra ele... peço ajuda e::... ajuda né?... e eu consigo... eu acredito um po(u)co... eu acredito sim... aí ele falô(u) que::... é bom acreditá(r) que ele aju::da
Doc.: ah:: tá... você lembra de alguma história que ele contô(u) de alguém pra você::? ou assim alguma coisa que aconteceu com alguém:: que ele te contô::(u) que cê num viu mas que ele te contô(u)?
Inf.: olha quando eu num tinha nascido ainda eles sofreram um acidente... ELE meu pai e meu irmão... eu num entendi muito bem a hisTÓria mas parece que foi numa aveni::da... ele tava certo e o cara tava meio bêbado... e:: aqui tinha uma grade do lado ((faz gestos com a mão pra explicá(r))) tinha uma grade e:: éh pra lá era MAto aí descia era rio... uma AVENIda ali... perto do Super Giro aquela avenida lá... [Doc.: ham] e:: o/ o:: rapaz vinha vin(d)o na direção dele... vinha vin(d)o pra cá... e tinha uma carro aqui atrás((explica fazendo gestos com a mão))... então ele só tinha que jogá(r) pra lá... aí ele desviô(u) pra cá e bateu na sarjeta o carro capotô(u)... meu irmão caiu pra fora do ca::rro... ele::... parece que ele... voô(u) pra frente... sei lá... alguma coisa assim (...).
[1] Graduando em Letras pela Universidade Estadual Paulista – UNESP- campus São José do Rio Preto. Artigo apresentado à disciplina Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa, sob orientação da profª Drª Luciani Éster Tenani, do Depto. de Estudos Lingüísticos e Literários.