O alarme. A chuva estava chegando.

Por Antonio Ribeiro | 13/01/2011 | Crônicas

O alarme. A chuva estava chegando.
Clemente pensou: A natureza não é culpada. Não caem sofás, sacos de lixos, ou outros objetos do céu capazes de obstruir o curso das águas.

O céu ficou escuro.
Parecia noite.
As nuvens movimentavam-se. Aglutinavam-se.
O vento soprava forte.
Clemente parou onde estava.
A região alagava. Parou em lugar alto. Previdente.
Avistava a movimentação as margens do córrego.
Inofensivo, raso, águas escuras, fétidas.
Margens totalmente habitadas.
Habitações simples, semelhantes. Sobradadas, janelas de alumínio, tijolos a vista.
Pessoas com os corações disparados. Corriam de um lado para outro, entravam, saiam com os olhos arregalados.
Crianças nos colos das mamães.
As mãezinhas não sabiam o que era melhor ficar dentro ou fora. Tinham dúvidas de onde ser mais seguro.
O céu estava ameaçador.
As águas do córrego começavam a aumentar. Já estava chovendo na cabeceira.
Sacos de lixo desciam córrego abaixo, batiam nas garrafas plásticas e outros entulhos parados nas margens. Giravam com fúria. Uns rompiam e coisas se espalhavam.
As águas subiam.
Mais a frente uma ponte. Montanhas de sacos, garrafas e outras coisas se acumulavam afunilando.
As águas estavam em turbilhão.
Coisas grandes boiavam, rodopiavam, paravam junto aos pilares da ponte.
Um sofá, um armário e tantas coisas mais.
Cenário ridículo.
As águas subiam.
A chuva chegou forte.
Na ponte à esquerda o córrego transbordou.
A rua ficou alagada.
Carros não passavam. Só ônibus e caminhões conseguiam.
Um carro tentou.
Boiou.
Foi levado pelas águas como se fosse um barco.
Caiu no córrego que não era mais raso e nem inofensivo.
Clemente viu pessoas dentro do carro, não entendia porque não pulavam para as margens.
Um barco sem rumo, com vidas.
Ele deve ter se chocado com algo.
Capotou, afundou.
As pessoas...
Nas habitações as pessoas olhavam assustadas, pelas janelas, a morte rondando.
A chuva passou, as águas baixaram. O risco para muitos já não existia.
Os bombeiros chegaram.
As rodas do carro começaram aparecer.
O carro foi retirado amassado.
O motorista estava morto. O passageiro também morto foi localizado há alguns quilômetros córrego abaixo.
Ele tentou salvar sua propriedade, perdeu a vida. Não só a dele.
Clemente pensou: A natureza não é culpada, não caem sofás, sacos de lixos, ou outros objetos do céu capazes de obstruir o curso das águas.
"Se houvesse respeito, uns pelos outros, menos tragédias aconteceriam".

Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que esses. Bíblia
Hoje Clemente entendeu que amar o próximo também é não jogar coisas nos córregos.