O Advento da Hora Igual na Idade Média
Por Julio Cesar Souza Santos | 13/10/2016 | SociedadePor Que o Homem Precisava Construir Máquinas Para Medir o Tempo? Qual a Origem da Hora? Quando a Hora se Transformou na Nossa Hora Moderna? Por Que o Dia Tem 24 Horas?
Enquanto o homem consentiu que o seu tempo fosse repartido pelos ciclos variáveis da luz do dia ele permaneceu escravo do Sol e, para se tornar senhor do seu tempo e dividir sua vida em parcelas certas, o homem tinha que descobrir uma forma de assinalar porções pequenas – e exatas –, não apenas horas iguais, mas até minutos e segundos. Isto é, o Homem precisava fazer uma máquina.
É surpreendente que as máquinas para medir o tempo tivessem tardado tanto a aparecer, pois somente no século XIV os Europeus conceberam instrumentos mecânicos medidores de tempo. Até então, a medição do tempo esteve entregue ao Relógio de Sombra, ao relógio de Água ou à Ampulheta.
Os primeiros passos no sentido da medição mecânica do tempo não se originaram com os agricultores, pastores e tampouco artesãos, mas sim de pessoas religiosas que estavam ansiosas em desempenhar regularmente seus deveres com Deus. Os monges precisavam saber as horas das orações que lhes cumpria rezar.
Na Europa, os primeiros relógios mecânicos foram concebidos não para mostrar o tempo, mas sim para soar. Os primeiros relógios eram do tipo hoje chamados despertadores. Eram máquinas impulsionadas por pesos que tocavam um sino após o decorrer de determinado intervalo de tempo. Provavelmente os mais antigos foram os pequenos despertadores monásticos, os quais faziam soar um pequeno sino para avisar ao monge que, por sua vez, chamava os outros para a oração. O número de badaladas do sino variava de quatro (ao nascer do Sol) para uma ao meio-dia e novamente quatro ao anoitecer.
Mas, uma nova espécie de medidor de tempo mecânico que fosse um verdadeiro relógio iria se adaptar muito melhor às novas necessidades mecânicas. A palavra inglesa “Glocke”([1]) tem a marca da sua origem monástica. Esse vocábulo derivou do holandês e do alemão que significava “Sino”. Os medidores de tempo não eram considerados relógios a não ser que tocassem um sino e, só muito mais tarde, ele passou a significar qualquer instrumento que medisse a passagem do tempo.
Mas, fazer uma máquina soar as horas canônicas exigiu novidades mecânicas que seriam a base da fabricação de relógios, ao longo dos séculos vindouros. A força que movia o braço – que fazia tocar o sino – era fornecida pela queda dos pesos.
O que tornava a máquina verdadeiramente nova era o dispositivo que impedia a queda livre dos pesos e lhes interrompia a descida a intervalos regulares. O que conferia a essa máquina uma nova duração mais longa e media as unidades, era um simples dispositivo que tem permanecido quase ignorado na história.
Ele chamava-se “escape”, porque era uma maneira de regular o escape da força motriz dentro do relógio, e revestiu-se de um significado revolucionário para a experiência humana. O escape não era mais do que um dispositivo que interrompia – alternadamente – e soltava a força do peso da máquina do relógio em movimento.
Graças a ele, um peso caindo apenas a uma curta distância podia manter um relógio trabalhando durante horas, enquanto a atração descendente dos pesos em queda era traduzida no movimento de escape interrompido do mecanismo do relógio. Daí, o tempo mecanizado não mais fluiria e o tique-taque do escape do relógio se tornaria a voz do tempo.
Foi em 1330 que a hora se tornou na nossa hora moderna; ou seja, uma das 24 partes iguais do dia. Este “dia” novo incluía a noite. Media-se pelo tempo entre um meio-dia e o seguinte, ou mais precisamente pelo que os astrônomos modernos chamam de “tempo solar médio”. Pela 1ª vez na história, uma “hora” adquiria em toda parte – e ao longo de todo o ano – um significado preciso.
Os primeiros relógios não tinham mostradores ou ponteiros. Nem precisavam, pois sua missão era soar a hora. Uma população iletrada tinha dificuldade em ler um mostrador, mas não se enganava com o som dos sinos. Na Europa do século XIV grandes relógios de torre nos campanários das Igrejas e nas repartições municipais batiam as horas iguais, anunciando uma nova percepção do tempo. As torres das Igrejas – construídas para saudar Deus – tornaram-se “Torres de Relógios” e a torre passou a ser o “Campanário”.
Inconscientemente as pessoas reconheceram a nova era quando, ao se referirem às horas do dia ou da noite, diziam que eram 9 “horas soadas” (horas do sino). E, quando as personagens de Shakespeare mencionavam o tempo “of the clock” ([2]) eles o relacionavam com a última hora que tinham ouvido soar. Durante todo o século XIV era raro encontrarem-se mostradores nos relógios, pois a função destes continuava a ser soar as horas.
Não foi difícil aperfeiçoar relógios que já batiam a hora de modo que batessem o quarto de hora. Um mostrador marcado de 1 a 4 era algumas vezes acrescentado para indicar os quartos de hora. Sendo assim, não foi muito difícil aperfeiçoar relógios que já batiam a hora de modo que batessem o quarto de hora. Mais tarde, essas marcas foram substituídas pelos números 15, 30, 45 e 60 a fim de indicar os minutos, embora ainda não houvesse ponteiros de minutos.
No ano de 1500, o relógio da Catedral de Wells na Inglaterra batia os quartos de hora, mas não havia nenhuma forma de assinalar os minutos e pra medi-los continuava sendo necessário recorrer à Ampulheta. O ponteiro de minutos só começou a ser usado depois de o pêndulo ter sido aplicado com êxito aos relógios. Por volta de 1670 não era invulgar os relógios terem um ponteiro dos segundos, cujos movimentos eram controlados por um pêndulo de 97,5 cm com um período de um segundo apenas.
Perguntar como chagamos ao nosso dia, hora, minuto e segundo nos leva à arqueologia na vida de todos os dias. A palavra inglesa “Day”, que não tem relação com o latim “Dies” (Dia), vem do saxão “queimar” que significava a estação quente. Já a palavra “Hour” deriva do latim que significa tempo do dia; ou seja, uma duodécima parte do período de claridade ou de escuridão, variando conforme a estação e a latitude.
Mas, por que 24 horas? Os Egípcios escolheram esse número porque utilizavam o sistema numérico sexagesimal, baseado em múltiplos de 60. Mas, o uso do número 60 parece não ter tido nada a ver com a astronomia, pois já vimos que os Egípcios fixavam em 360 os dias o seu ano e 12 meses de 30 dias cada um, suplementados por 5 dias ao fim de cada ano. Também dividiram um círculo em 360º por analogia com o circuito anual do Sol. Sendo 60 um sexto dos 360º e, portanto, uma subdivisão do seu sistema sexagesimal, tornou-se uma subdivisão do círculo e também de cada “grau”; isto é, cada hora.
O circulozinho que usamos para designar um grau é provavelmente um hieróglifo que representa o Sol. Se esse sinal de grau (º) era uma imagem do Sol, então 360º (um círculo completo) também poderia significar um ciclo de 360 dias, ou um ano completo. A Arqueologia do nosso cotidiano nos conduz a todo o Mundo, pois os 365 dias do nosso ano reconhecem a nossa dívida com os Egípcios, enquanto os nomes dos meses (Janeiro, Fevereiro e Março) e os dias da nossa semana de 7 dias (Sábado, Domingo e Segunda-Feira) são os laços que nos unem aos astrólogos romanos e gregos. Quando assinalamos cada hora do nosso dia de 24 horas e designamos os minutos depois da hora, estamos agindo conforme os resultados de uma modificação de uma prática egípcia, combinada com práticas numéricas babilônicas.
O analfabetismo nos ajuda a compreender por que motivo os mostradores demoraram tanto a aparecer nos relógios públicos, pois nem todos sabiam ler sequer os algarismos. Os mesmos fatores que atrasaram a produção desses mostradores instigaram a experiência, no que se refere ao funcionamento dos mecanismos do relógio.
Os grandes relógios públicos da Idade Média não fizeram progredir muito a precisão dos mecanismos do relógio, que antes do pêndulo chegavam a adiantar-se (ou atrasar-se) uma hora por dia. Pois era difícil aperfeiçoar o escape do interior do maquinário, e era isso que regulava a exatidão do movimento.
Os dramas populares da Idade Média não foram representados em teatros ou feiras livres, mas transmitidos das torres dos relógios. Quando os relógios de torre estavam em voga representavam todas as horas e todos os dias, incluindo sábados, domingos e feriados.
O relógio da Catedral de Wells (construído em 1392) oferecia um espetáculo de grande interesse. Mostradores indicavam a hora, o século e as fases da Lua e outro mostrador apresentava um ponteiro de minutos que transportava a imagem do Sol, descrevendo um círculo completo em cada 24 horas.
Acima desse mostrador ficavam dois pares de cavaleiros combatentes e, quando o sino batia as horas, um deles desmontava do seu cavalo e depois retomava à sela ao ficar oculto da vista. Ou seja, os fabricantes de relógios não perdiam a oportunidade de teatralizar.
Portanto, vale lembrar que os mostradores de relógios – uma comodidade para os letrados da época e o 1º engenho mecânico a registrar o tempo – parece ter sido inventado em 1334, por Jacopo de Dondi (Itália) que, por esse fato, foi honrado com o título de “Relojoeiro” o qual se tornou o seu nome de família.
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([1]) Relógio. Mas, diferente de “Relógio de Pulso” ou de “Relógio de Bolso” que é “Watch”. O 1º é de ouvir e o 2º é de ver.
([2]) A expressão “o’clock” não tem correspondente em português e nós nos limitamos a dizer “são tantas horas”.