O ACORDO DE LENIÊNCIA NA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI N° 12.846/2013): POSSIBILIDADES E EFEITOS JURÍDICOS
Por George Cabral Cardoso | 31/07/2015 | DireitoO ACORDO DE LENIÊNCIA NA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI N° 12.846/2013): POSSIBILIDADES E EFEITOS JURÍDICOS[1]
George Cabral Cardoso[2]
Josafá Maia de Oliveira[3]
Leonardo Valles Bento[4]
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Noções acerca da Leniência. 3 A Lei Brasileira Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013). 4 O acordo de Leniência na Lei Brasileira Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013). 4.1 Requisitos. 4.2 Consequências Jurídicas. Conclusão. Referências.
RESUMO
O presente trabalho busca investigar em que contexto surge o acordo de Leniência da Lei n° 12.846/2013, de modo a compreender a historicidade bem como noções conceituais e características acerca deste instituto. Ademais, buscar-se-á traçar noções no que diz respeito à Lei Brasileira Anticorrupção (Lei n° 12.846/2013) para que, em terceiro momento, apontar os requisitos próprios necessários à realização do acordo de Leniência pela já citada lei anticorrupção, e, por fim, determinar os efeitos jurídicos e os benefícios que o assente desse instituto pode gerar no combate à corrupção brasileira em relação aos atos ilícitos e atentatórios das pessoas jurídicas contra a Administração Pública, conforme a lei modela tal finalidade.
Palavras-chave: Acordo de Leniência. Requisitos. Lei Brasileira Anticorrupção. Efeitos Jurídicos. Responsabilidade Jurídica. Responsabilidade Administrativa. Pessoa Jurídica. Corrupção.
1 INTRODUÇÃO
Há uma notória insatisfação do brasileiro ao deparar-se com serviços públicos de saúde ineficientes, com a educação pública defasada, com a escassez de moradias para a população miserável, com a violência que o cerca; enfim, há insatisfação nos demais aspectos que são característicos de direitos fundamentais e que não recebem o devido investimento por conta da má gestão pública. Esta vem perdendo sua credibilidade e eficiência a cada instante em que a corrupção se entrelaça com a Administração Pública, fazendo com que recursos públicos sejam apropriados indevidamente em vez de realizar a devida satisfação de direito fundamentais garantidos aos cidadãos contribuintes do Brasil.
O déficit no que diz respeito à credibilidade e à eficácia da Administração Pública é observado, principalmente, pela ocorrência de desvios na destinação dos recursos públicos; assim, tendo em vista que a corrupção é uma mácula antagonista do sistema democrático, figurada como um dos principais problemas políticos-administrativos da sociedade brasileira, observa-se a edição de leis que reprimem condutas atentatórias à Administração Pública como meio de combate à má aplicação e gerência dos recursos públicos; evitando com que verbas públicas sejam apropriadas por particulares e em benefício destes, e assim assegurar que tais verbas sejam aplicadas na satisfação dos direitos mais carecedores da realidade brasileira (MOREIRA NETO; FREITAS, 2014).
Nesse cenário, encontra-se a Lei nº 12.846/2013, apelidada de Lei Anticorrupção, que traz disposição acerca da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A lei traz como disposição a não necessidade de prova de conduta culposa, sendo a responsabilidade objetiva, aplicando-se a sociedades empresárias e às simples, fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro (MAGALHÃES, 2014).
Com a corrupção, a democracia mostra-se impraticável; há o atraso no desenvolvimento de uma sociedade justa e com igualdade social, visto que os investimentos no país não é o suficiente para tal configuração social. Assim, o clamor por melhorias na gestão dos recursos públicos deve ser escutado, e tal melhoria deve vir bem articulada ao combate desses desvios e vantagens sobre a Administração Pública.
A Lei nº 12.846/2013 mostra-se como uma ferramenta anticorrupção de pessoas jurídicas, e o conhecimento da sociedade acerca do seu funcionamento corrobora com o combate à corrupção, uma vez que uma sociedade ciente do que lhe rodeia é uma sociedade armada contra a usurpação da Administração Pública. Esse entendimento estende-se para o conhecimento do acordo de leniência incorporado na Lei Anticorrupção, a fim de dar conhecimento sobre a sistemática desse instituto no combate à corrupção.
Nesse contexto, o acordo de Leniência, que é indubitavelmente um instituto jurídico peculiar ao Direito Concorrencial, passou a constituir-se por ora como um mecanismo do Direito Administrativo para o combate à corrupção no contexto social brasileiro, no que diz respeito às pessoas jurídicas. Tal fato se justifica pela possibilidade, quando instituído este acordo, da concretização do interesse público através de atenuações - e até mesmo isenções- das punições possíveis de aplicação em detrimento da pessoa jurídica caso pratique as condutas ilícitas previstas na Lei n° 12.846/2013.
Desta feita, o presente trabalho engendra elencar quais os requisitos para que se realize o acordo de Leniência, bem como quais os efeitos jurídicos tal acordo pode gerar em face da pessoa jurídica e da própria Administração Pública.
Os recentes acontecimentos da Operação Lava Jato instiguem mais a abordagem sobre a Lei Anticorrupção e demonstra a contribuição da pesquisa, visto que algumas das Pessoas Jurídicas envolvidas no escândalo estão buscando a realização do acordo de leniência. Assim, é de grande contribuição a abordagem de tal pesquisa pois permite um olhar mais preciso sobre os acontecimentos da sociedade brasileira e concede estruturas para a luta contra a corrupção.
2 NOÇÕES ACERCA DA LENIÊNCIA
A Leniência decerto é um instituto essencial no contexto sócio-jurídico brasileiro, vez que permite uma mitigação das sanções aplicadas àqueles que praticam um campo específico de condutas ilícitas, de modo a beneficiar o infrator quando presente sua respectiva cooperação.
Tem-se que:
aplicado ao campo do Direito Concorrencial, o instituto da leniência pode ser entendido como qualquer sanção ou obrigação que seja considerada menos severa que aquela exigida na falta de uma cooperação plena ou voluntária. Diante da dificuldade de obtenção de provas de determinadas infrações à ordem econômica, o acordo de leniência possibilita que o integrante de uma eventual prática ilícita componha com o órgão responsável pela repressão dessas infrações, a fim de auxiliá-lo a conseguir provas contra os demais participantes, em uma espécie de delação premiada. Em troca, o delator receberá das autoridades um abrandamento da sua punição, ou até mesmo, o perdão. (LIBÓRIO, 2009, p.9)
O instituto da Leniência possibilita, pois, uma menor severidade na aplicação de sanções quando, a princípio, ocorre a subsunção desta ao caso concreto. Através da cooperação de um dos infratores- denominado delator, potencializa-se a produção de provas contra demais infratores, fato este que não era possível em um primeiro momento.
O acordo de Leniência é um mecanismo primitivamente oriundo do bojo jurídico norte americano, que é o principal berço do livre comércio e da livre concorrência. Este acordo é o mecanismo que possibilita, a quem pratica a conduta ilícita, a prevenção, bem como a própria reparação de dano que atinge diretamente o interesse coletivo (CAMARGO, 2004).
Ocorre que:
este primeiro programa de leniência estadunidense não colheu bons resultados até porque foi raramente utilizado; a divisão de investigação recebia aproximadamente uma aplicação por ano, entretanto, nenhuma delas resultou na descoberta de algum cartel internacional ou de grande impacto. A baixa procura pelo acordo se deu principalmente pelo alto grau de incerteza do programa, o administrador público era dotado de uma discricionariedade que deixava o suposto praticante da conduta em visível desvantagem. (KRAFT, 2014, p.11)
O primeiro acordo de Leniência surgido no contexto norte-americano estava previsto sobre as hipóteses de prática de Cartel. Nesse âmbito, as empresas envolvidas nessas condutas ilícitas, poderiam, caso confessassem a prática de tais ações, receber imunidade no campo jurídico criminal. A questão problemática, entretanto, estava no fato da existência de um alto poder discricionário que era dado ao Departamento de Justiça Norte-americano, único órgão competente para deferir o pedido de feitura do Acordo. (GOMES, 2013)
É evidente que o instituto da Leniência apresenta-se, a princípio, com o intuito de reprimir a formação de cartéis. Porém, é perceptível um maior objetivo de rapidez, celeridade e diminuição de custos, prezando-se pela maior Eficiência no que diz respeito à atuação das atividades da Administração Pública. (LIBÓRIO, 2009)
Cumpre ressalvar que, no Brasil, o caso pioneiro em que ocorreu o assente do acordo de leniência, consumou-se no ano de 2003, em um processo que judicializou uma investigação sobre um cartel, que era composto por empresas que atuavam no campo de vigilância, fraudando licitações públicas no Rio Grande do Sul. (LIBÓRIO, 2009)
3 A LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI N.º 12.846/2013)
A Lei Brasileira Anticorrupção (Lei n° 12.846/2013) indubitavelmente surge em decorrência de muitos acontecimentos negativos e marcantes no âmbito político brasileiro, sobretudo pelo fato de que estes acontecimentos ganharam uma enorme propagação através da mídia, o que ensejou um enorme apelo social pelo combate à corrupção.
É notório que:
promulgada em 1º de agosto de 2013, com início de vigência em 29 de janeiro de 2014, a Lei Federal 12.846, já alcunhada de “LEI ANTICORRUPÇÃO”, estabeleceu a empresas responsabilização objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos de representantes seus ou terceiros no âmbito da administração pública nacional ou estrangeira. Dispôs, ainda, sobre a responsabilidade de dirigentes e administradores, na medida de sua culpabilidade. A lei foi resultado de clamor social decorrente de seguidos escândalos de corrupção no país, e, sobretudo, pressão de investidores estrangeiros, que buscam reduzir os riscos de investimentos no país. (BITTENCOURT JÚNIOR, 2014, p.1)
A já citada Lei previu a responsabilização objetiva para as empresas, bem como a responsabilização administrativa e cível das pessoas jurídicas e de seus representantes dirigentes e administradores, tudo isso fruto de uma intervenção social, que clamou pelo combate à corrupção, haja vista o número relevante de casos de corrupção.
Há que se falar que a Lei de n° 12.846/2013 possui aplicação direta para as sociedades empresárias e paras todas as espécies de sociedades simples, sendo prescindível as formas e modelos societários adotados. Aplica-se, ainda, às fundações, associações, sociedades estrangeiras, caso possuam sede, filial ou representação no Brasil. (MAGALHÃES, 2013)
A proteção ao erário foi o aspecto trivial desse diploma normativo. Em seus dispositivos previu-se concomitantemente a responsabilização cível e administrativa (responsabilização objetiva) das pessoas jurídicas que praticassem as condutas ilícitas ali previstas. Essas disposições normativas permitem uma maior eficiência no combate à corrupção, vez que possibilita o ressarcimento dos danos oriundo dos atos ilícitos e aplicações de outras punições pela Administração Pública. (FELIX, 2014)
Tem-se que:
o conceito dos “atos” atingidos pela Lei estão definidos em seu art. 5º, genericamente como atos que “atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro”, princípios da administração pública ou contra compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”, e especificamente os seguintes: I) oferecimento direto ou indireto de propina, assim definida como qualquer tipo de “vantagem indevida” a agente público nacional ou estrangeiro; II) custeio de atos ilícitos; III) utilização de “laranjas” – empresas ou pessoas para os fins de obter benefícios de atos corruptos; IV) frustrar ou perturbar licitações ou criar pessoa jurídica com o exclusivo intuito de participar de certame licitatório; V) dificultar investigação ou fiscalização; (BITTENCOURT JÚNIOR, 2013, p.2)
Pois bem, estabelecidas as modalidades em que a corrupção pode ser constatada, eis que surge na lei anticorrupção brasileira a previsão do acordo de Leniência, o que, como dito alhures, irá minimizar a aplicação das sanções previstas àquele que celebrar tal o acordo de Leniência.
O artigo 16, da Lei 12.846/2013 dispõe que:
art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Cabe agora, no tópico quatro, analisar os requisitos e consequências jurídicas que tal lei prevê no que diz respeito ao acordo de Leniência previsto na lei anticorrupção brasileira.
4 O ACORDO DE LENIÊNCIA NA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI N.º 12.846/2013).
Tendo em vista que a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada objetivamente pelos atos atentatórios à Administração Pública nacional ou estrangeira, tanto na seara administrativa quanto na seara judicial, conforme visto acima, é observada na Lei n.º 12.846/2013 a viabilidade de ser celebrado o denominado acordo de leniência com a Administração, o que se trata de uma situação em que a pessoa jurídica possa se beneficiar com a concessão de redução de multa, isenção de pena e até mesmo melhoria nas punições administrativas (TOLEDO; FILHO, 2015).
Em outras palavras, conforme assevera Arnaldo Rizzardo (2015, p. [?]):
Disciplina o Capítulo V o denominado acordo de leniência, instituto originário do direito dos Estados Unidos, que vem a ser uma espécie de transação, celebrada entre a pessoa jurídica responsável pelo ato lesivo, através de seus representantes, e a autoridade máxima do órgão da administração pública que foi lesada. Oportuniza-se a minoração das consequências a quem causa lesão, desde que contribua com as investigações, indicando os demais envolvidos, prestando informações e entregando documento, de modo a tornar célere a apuração.
No Decreto Federal 8.420, encontramos no artigo 28:
O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei no 12.846, de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei no 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.
Visto os aspectos gerais do referido acordo, tem-se por conseguinte o elencamento dos requisitos para o selamento do acordo entre a pessoa jurídica e a Administração Pública.
4.1 REQUISITOS.
O artigo 16, §1º, da Lei n.º 12.846/2013 traz três requisitos, sendo estes cumulativos, como necessários para a inauguração de um acordo de leniência. O primeiro, conforme a lei é que “a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito”; o segundo requisito salienta que a pessoa jurídica a realizar o acordo deve cessar “completamente o seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo”; e o terceiro e último requisito cumulativo determina que a pessoa jurídica deve admitir o envolvimento no ilícito em questão e deve cooperar plenamente e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo sempre quer for requerida aos atos processuais até o término do processo. Assim, em outras palavras, obtém-se a legalidade do acordo de leniência a partir da “assunção de culpa por parte da pessoa jurídica que o está assinando, até porque não faz sentido acordo de leniência com quem não cometeu nenhum ilícito, e também a identificação de outros atores. Assim, um acordo de leniência que não resulta na assunção de culpa pelo ato corruptivo da pessoa jurídica é ilegal” (ANDREOTTI, 2015, p.?).
Observados tais requisitos, importante é abordar o tratamento que o Decreto Federal n.º 8.420, de 18 de março de 2015 (que regulamenta a Lei n.º 12.846 de 2013), dá aos primeiros requisitos, já que traz em seu artigo 30, I, que a necessidade para que a pessoa jurídica seja a primeira a declarar interesse na cooperação para o levantamento do ato lesivo ocorre apenas quando a determinada circunstância for relevante, salientando, assim que o apontamento dos outros envolvidos não é o único motivo, muito menos indispensável para o acordo (TOLEDO; FILHO, 2015).
Dessa forma, Toledo e Filho (2015, p.?) complementam suas considerações acerca dos requisitos e finalidade do acordo de leniência da seguinte forma:
Da análise da lei e também do decreto, fica evidente o interesse da Administração em celebrar acordos de leniência não apenas para obtenção de informações a respeito de eventuais ilícitos praticados por outras empresas envolvidas, mas também como forma de assegurar a obtenção célere de informações e documentos (art. 30, V, do dec. 8.420/15) e o reconhecimento da prática do ilícito pela pessoa jurídica (art. 16, §1º, III, da lei), com o pronto ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos.
Acerca da participação em atos ilícitos atentatórios à administração pública, observa-se que o Decreto Federal 8.420/15 determina que os atos infratores administrativos da Lei 8.666/1993 e demais processos licitatórios para com a Administração Pública tipificados na Lei 12.846/2013 sejam trazidos para apuração e julgamento em conjunto, trazendo assim uma forma de sincretização na proteção à Administração Pública (TOLEDO; FILHO, 2015).
4.2 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Observadas as considerações sobre os requisitos para a celebração do acordo de leniência tratado na Lei n.º 12.846/2013, direciona-se agora para a abordagem acerca das consequências jurídicas, e também administrativos, que irradiam a partir da incidência do acordo.
O referido acordo tem a possibilidade de afastar a publicação extraordinária da decisão condenatória (conforme o artigo 16, § 2º, que se reporta ao artigo 6, II, ambos da lei 12.846/2013), além disso, também proporciona a diminuição da aplicação da multa em até 2/3 (artigo 16, § 2º), assim como também concede a possibilidade de afastar a imposição da proibição da pessoa jurídica receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público (conforme o artigo 16, § 2º, que se reporta ao artigo 19, IV) (ANDREOTTI, 2015). Nas palavras de Arnaldo Rizzardo (2015, p.?):
Uma vez celebrado, o acordo, conforme o § 2º, fica a pessoa jurídica isentada das sanções indicadas no inciso II do art. 6º (publicação extraordinária da decisão condenatória), bem como das que constam no inciso IV do art. 19 (proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos), com a redução em dois terços da multa aplicável. Todavia, não resulta a pessoa jurídica eximida da obrigação de reparar o dano, por determinação do § 3º.
Como salientado por último, não se deve esquecer que a reparação do dano pela pessoa jurídica causado não é exumada, conforme disposto pela lei anticorrupção. Também deve-se ter em mente que o acordo de leniência selado entre a pessoa jurídica e a Administração Pública não promove benefícios para as pessoas físicas que agem ilicitamente, pois, certo é que, uma vez vindo a selar o acordo e contribuir nas investigação dos culpados, fornecendo informações e demais documentos, conclui-se que “tais condutas só podem ser materializadas por pessoas físicas, notadamente seus gestores mais graduados, que detêm o conhecimento das decisões estratégicas e das relações com o poder público, estando, assim, aptos a prestar colaboração de forma eficiente” (MAGALHÃES, 2013 ,p. 34).
É por isso que se deve tomar muita cautela ao realizar o acordo de leniência, pois muitas das vezes também é tipificado penalmente o ato lesivo contra a Administração Pública, vindo a convergir, assim, em consequências graves para as pessoas físicas; quanto mais se colabora, melhor para a pessoa jurídica e pior para o dirigente no âmbito criminal (MAGALHÃES, 2013). Finalizando seu entendimento, João Marcelo Rego preconiza que:
a fórmula genérica contida no § 4º do art. 16 (“o acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo”) não permite a concessão, na via administrativa, de qualquer benefício ou vantagem às pessoas físicas, tendo em conta que a extinção de punibilidade penal é matéria que se insere no âmbito da reserva legal.
Além do exposto, salienta-se que o artigo 18 da Lei 12.846/2013 que “na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial”. Dessa forma, mesmo que não ocorra a acordo de leniência e o processo administrativo de responsabilização seja arquivado, “o MP e a Advocacia Pública ainda têm o poder de iniciar ações judiciais para a responsabilização da pessoa jurídica que cometeu o ilícito para impor as penalidades do art. 19 e o obter o ressarcimento pelos danos causados” (ANDREOTTI, 2015, p.?).
Desta monta, a não responsabilização da pessoa jurídica através de um procedimento administrativo não cria barreiras ao Ministério Público ou à Advocacia Pública para investigar mais a fundo o fato supostamente corrupto, ou seja, qual seja o caso, o MP permanece detento o “poder de investigação para iniciar as medidas judicias cabíveis, tanto no âmbito da lei anticorrupção quanto fora dela, podendo até mesmo discutir o valor do dano que entenda ilegal, que eventualmente teria sido reparado através do acordo de leniência firmado” (ANDREOTTI, 2015, p.?).
Além dos efeitos acima descrevidos, necessário também constar o que traz os demais parágrafos do artigo 16, que tratam do acordo de leniência, no que diz respeito aos efeitos estendidos do acordo às pessoas jurídicas que fazem parte do mesmo grupo econômico, de fato e de direito, contudo que o acordo seja firmado em conjunto, respeitando as condições pré-estabelecidas, conforme o § 5º de referido artigo. Além disso, somente tornar-se-á pública a existência do acordo de leniência após o fechamento efetivo do acordo, como é referido no § 6º.
Dois pontos também importante a serem apontados no que se trata acerca do acordo de leniência, são os parágrafos 8º e 9º do artigo 16 da Lei Anticorrupção, que abordam, respectivamente: a pessoa jurídica que descumprir o acordo de leniência terá como sanção a impossibilidade de realizar novo acordo por 3 anos, os quais são contados a partir do conhecimento do descumprimento no acordo; e no que diz respeito aos atos ilícitos que foram cometidos pela pessoa jurídica e que estão elencados na Lei 12.846/2013, o prazo prescricional destes é interrompido a partir da celebração do acordo de leniência.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a conjuntura abordada no decorrer no do trabalho, percebe-se que a Lei Anticorrupção veio com a intenção de proporcionar melhorias no que diz respeito aos atos atentatórios à Administração Pública, ou seja, auxiliar no combate à corrupção que parece estar instituída drasticamente neste país. Nesse viés encontra-se o acordo de leniência que importa um instituto para a Administração Pública a fim de usá-lo como mecanismo para a luta contra a corrupção, devendo ser observados os requisitos e efeitos trazidos a partir do enlace do referido acordo.
Deste trato, pode-se observar os benefícios trazidos para a Administração Pública e todo o seu erário; é uma forma de buscar a efetivação do uso da Administração Pública de acordo com o interesse público, atendendo aos princípios constitucionais e basilares da administração pública, tais como a impessoalidade, a moralidade, a finalidade e demais. Assim, o acordo de leniência incrementa no trato da coisa pública, mecanismo de apartamento da corrupção dentro das relações pessoa jurídica – Administração Estatal. Toda ferramenta da qual se tira benefícios contra a corrupção é válida e mostra-se como meio intimidador das condutas empresariais corruptas.
REFERÊNCIAS
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