O acaso não existe
Por Romano Dazzi | 06/06/2009 | Crônicas
O ACASO NÃO EXISTE
de Romano Dazzi
Passava das seis e Janine estava na livraria desde as três.
Não tinha pressa, aquela tarde chuvosa de sábado convidava a prosseguir a preguiçosa e lenta caminhada pelos corredores da livraria.
Gostava dessa sensação de preguiça e da liberdade de folhear, manusear, e apreciar dezenas de livros, de todos os tipos e feitios, sem que ninguém viesse aborrecer, oferecendo ajuda e acabando inexoravelmente com a concentração da leitura..
Havia dias em que, em seu ávido desejo de ler, devorava três, quatro capítulos de algum romance interessante.
Viu a cafeteria, decidiu que um expresso caberia muito bem.
Empoleirou-se no incômodo banquinho – a saia caprichosa subiu um pouco acima dos joelhos.
Três olhares, vindos de posições diferentes, acariciaram essa visão.
Janine não se incomodou; pelo contrário, ficou apreciando silenciosamente a sensação de poder que aqueles olhares lhe transmitiam.
Fez rapidamente o balanço dos admiradores.
Descartou o primeiro, que logo apelidou de “A”, um careca de meia idade, aparentemente simpático, mas, pensou, desatualizado e sem graça.
O segundo era um rapaz loiro, de seus 25 anos, talvez, com um metro e oitenta ou até mais, que logo despertou o interesse da moça. Foi imediatamente batizado de “B”.
Mas depois daquela primeira olhada superficial, “B” pareceu ter perdido o interesse e embarafustou pelo primeiro corredor a esquerda .
“Computação” , leu Janine na ponta da prateleira. - Logo este assunto, que não me interessa e de que não entendo nadinha! – pensou .
Enquanto isso, o terceiro rapaz , claro que seria o “C” disfarçando um imediato interesse, permanecia nas proximidades, de farol baixo, com certeza esperando o momento propício para uma aproximação.
Foi neste momento que, sem querer, Janine deixou cair o caderno que carregava, os livros , a bolsa, o celular, os óculos, tudo. Tudo esparramado no chão. Ao se abaixar para recolhe-los, encontrou os olhos azuis de “C” que já levantava do chão uma parte da bagunça. – Desculpe, murmurou Janine confusa – foi sem querer; que desastrada!
Claro, devia ter sido sem querer, puxa.
Uma manobra dessas, feita de propósito, seria um insulto à inteligência de “C”, ou de qualquer outro freqüentador presente.
Recolheram os pertences, e, ainda acocorados no chão, apresentaram-se, enquanto o sorriso dela perdia o embaraço e o rosto dele se iluminava ao apreciar o conjunto da menina.
– Interessante – pensou ela.
- Interessante – pensou ele. Seria bom se ele me convidasse para ...
- Posso lhe oferecer um café, Janine?
- Ótimo! - respondeu ela , sem conseguir evitar um genuíno entusiasmo - aceito, “C” ..... oh perdão, não entendi seu nome...
- Carlos - disse o rapaz – meu nome é Carlos.
Sentaram novamente nos bancos instáveis e continuaram uma conversa que gostaríamos de ter acompanhado, mas que, por educação, fizemos questão de não escutar.
Imediatamente entrosados, ficaram conversando por quase duas horas, sem perceber.
Finalmente, Carlos se deu conta da hora e despediu-se de Janine, rapidamente, sem explicações.
- “Os homens são mesmo inconseqüentes” - pensou ela - “Pena, porque começava a gostar dele; a conversa, o porte, a educação....e os olhos, ah, aqueles olhos azuis, tão azuis...” - Não pôde reter um suspiro
E poucos instantes depois, decidiu também ir para casa. Sentiu ela também a urgência de se afastar dali, um pouco decepcionada.com Carlos, , um pouco ressentida com ele mesma, por ter dado tanta bandeira, desde o primeiro momento.
Vinha depressa pelo corredor, quando esbarrou .violentamente naquele metro e oitenta de “B”. O loiro estava pendurado com um pé na prateleira, tentando alcançar um texto volumoso,na ultima estante. Foi um tombo só . Aterrissaram juntos, e ainda receberam na cabeça uma dezena de teorias da computação, vetores, lógica da programação e outras pesadas tralhas.
Pela segunda vez, Janine enrubescida, desajeitada e confusa, pedia desculpa de maneira esfarrapada a um desconhecido, repetindo: foi sem querer., foi sem querer!....
“B” em lugar de ajuda-la a levantar, sorriu da situação dos dois. Ele foi tão comunicativo, simpático e agradável, que Janine esqueceu completamente que estavam os dois sentados no chão, no meio do corredor, sem sentir o menor embaraço. Meu nome é Janine, disse ela... e deixou que ele completasse: e o meu é Bruno.... E a propósito, tome cuidado com aquele rapaz, o Carlos, que estava conversando com você; ele tem uma linda esposa e dois filhos.....
Janine ficou chocada , mas agradeceu efusivamente a informação.
E foi aí, neste mesmo instante, que começou, sem que percebessem, o lento, atávico ritual do conhecimento recíproco de duas pessoas, passando do interesse momentâneo para a descoberta do outro, pelas semelhanças e as diferenças, pelos gostos e as preferências. Sentados no chão, atravancando o corredor, no meio de um amontoado de livros caídos no chão., olhando um dentro dos olhos do outro, sem defesa, sem barreiras...
Contudo, Janine estava atrasadíssima e logo levantou-se, despedindo-se com um sorriso.
Bruno então, tomando um longo fôlego, pronunciou aquela que, no momento, lhe pareceu a frase mais importante de sua vida:
- Então está combinado, amanhã, sem falta. aqui, às três !
Janine confirmou com a cabeça, e saiu correndo. E sentiu como se estivesse voando, excitada, contente, flutuando entre nuvens de romances.
Amanhã, as três, na livraria !